Pai
José, Mãe Deinha e Memê de Ogum
Pai José faz ciclos, apela para a tecnociência,
estuda os grandes gurus Pai Kondratieff, da vertente russa e Pai Batra, da
vertente indiana, para elaborar os ciclos. Não que ele tenha estudado a fundo,
não, isso não, é como a relação entre astronomia e astrologia – ninguém espera
que um astrólogo seja versado em tudo aquilo de física-matemática. Pra que,
posso perguntar? Na realidade, ele leu dois livros do segundo e ficou sabendo
do primeiro, mas quem vai querer saber, indagar?
Mãe Deinha tem intuições.
Enquanto Pai José precisa recolher os dados
da vida da pessoa para fazer os horror-scópios (porque coisa boa ele não
aponta), Mãe Deinha não precisa de nada, é só tocar a pessoa, é batata: ela erra
sempre, mas dá um jeito de colocar duvidoso, que nem a Sabila, aquela lá da
Grécia, de bastante tempo para trás que cheirava aquele vaporzão danado (aqui
para nós, onde ela achava erva da boa naqueles tempos?), que há muito tempo pra
trás, lá da época do Moisés, sei lá, lá por perto, só que ele tinha tenda em
Judá (não é, benzinho?) e a outra colocava a dela em Cuma (é Cuma mesmo, amor?
É Cuma que é?).
Mãe Deinha toca a pessoa, estremece e pronto,
já diz tudo, mais pra gente baixa, mas vem gente alta também, todo mundo quer
ouvir coisa boa.
Memê é mais rebelde.
Joga ossos, joga búzios.
Né todo dia, não, que também ninguém é de
ferro, alguns são de barro e alguns são de cocô.
Ele trabalha mais no ar marinho, fiscal da
Natureza, como dizem, pega a prancha dele e vai espairecer. Andou se
atualizando com o I Ching, foi lá na China, acredita? Foi, sim senhor. Agora
ele tem um sistema misto, Ching-Osso, 8 x 8. A coisa funciona assim, se não me
engano: os chingossos (é um sistema octagesimal, é matemática purinha, purinha,
ele explicou, mas não entendi, é profundo, visse?), se ligam espiritualmente
com a pessoa, criando com ela um vínculo que vai até o não-finito (os poderes,
entende?) e estabelece relação entre as perguntas que ela faz e as respostas
que precisa para guiar sua vida.
Não dá certo, mas fazer o quê?
Os ciclos de Pai José também não dão certo,
quando dá errado ele diz que o sistema técnico-científico precisa ser apurado e
os supercomputadores estão tratando disso.
Se eles discutem?
Discutem, claro, todo mundo discute. Aqui pra
nós, uns zombam dos outros, mas são superamigos, tá legal? Convivem super-bem.
Um não vai à casa do outro, porque o outro se sentiria vigiado pelos poderes,
sacô?
Pros otários, quero dizer, os clientes, eles
falam essas coisas que dão errado, pelo seguinte, vou te explicar, é tudo muito
sutil: vai que começasse a dar tudo certo, entende? As pessoas iam grudar nos
pés deles, é ou não é? Os governos iam se interessar, os cientistas iam querer
estudar, cabô sossego. O jeito é dar errado, compreendeu?
Agora, pros chegados eles fazem certo.
Pouquinha gente.
A senhora? Não, não, só gente da altíssima,
empresários, presidentes, megainvestidores, o Charles não sai daqui, vem lá do
caixa-prego pra falar com eles. A senhora pode espalhar, claro, mas pode ter
certeza que vai ter gente visitando a senhora. Ameaça à imprensa, não senhora,
que isso, longe de nós, mas é a vida.
(NISSO UM RAPAZ 2 X 2 DE ÓCULOS ESCUROS E
TERNO VAI E COCHICHA NO OUVIDO DELA).
Quem? Quais megainvestidores? Todos, minha
senhora, como a senhora acha que eles acertam? Warren, Eike, George, todos
eles. Quando acham que tá caro dão com os burros n’água. Não teve essa que eles
perderam bilhões aí? Quem mandou? Toma! Achou caro, toma!
Claro que a senhora não vai publicar o que eu
falei. As respostas às suas perguntas já estavam prontas. Entrega pra ela, meu
filho.
(O RAPAZ DE PRETO VAI LÁ E TOMA O GRAVADOR
DELA E A FILMADORA DO CÂMERA, ENTREGA UM PAPEL).
Pode bufar à vontade, vá reclamar com o
bispo. Dá um abraço nele.
Meu nome é Carlinhos.
Serra, domingo, 22 de janeiro de 2012.
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