O Cemitério dos Deuses Eternos
O sacerdote grego-egípcio Abnara, luz da
sabedoria, estava em Dendera, o grande cemitério dos reis, dos faraós, dos
deuses para depositar o corpo de Cleópatra VII Theo Filopáter, cujo nome Cleópatra significa "glória do pai", Thea
"deusa" e Filopator "amada por seu pai". Ela fora,
porém a tentativa de salvar a Terra Augusta do estrangeiro fora totalmente em
vão. Abençoada fosse ela.
Ela, como todos
os deuses seus antecessores, seria colocada num dos esquifes dos deuses,
existindo-os aos milhares. Eles preservam o corpo para sempre, tal como na
morte, para a ressurreição dos corpos. Só os deuses-vivos podem ser colocados
nos esquifes. As tentativas de outros de entrar neles redundou em queima
completa, não sobrou nem pó. Através dos milênios os esquifes só aceitaram os
deuses-vivos, os faraós. Desde o começo. Muitos idiotas tentaram entrar neles e
desapareceram completamente. Os esquifes são inteligentes, só aceitam os
deuses, sabem reconhecer os invasores não-autorizados. Algumas vezes através
dos séculos fizeram escondido e só foi dada a falta. Outras vezes se
disfarçaram de faraó e só sobraram as coroas.
Porisso Abnara
cumpria o ritual com o último dos deuses-vivos, a faraona Cleópatra.
Depositou-a gentilmente com todas as roupas e ficou olhando reverentemente o
esquife aceitar o corpo.
Lá longe em
Alexandria um corpo qualquer das servas auto-imoladas de Cleópatra tinha sido
preparado longamente para o falso sepulcro no Vale dos Reis. O longo ritual de
embalsamamento era compartilhado com extrema fidelidade pelos sacerdotes da
Casa da Vida, a Casa da Verdade. Ninguém falava. Ninguém nunca falava. Por
todos aqueles milênios centenas de falsos corpos tinham sido postos nos
sarcófagos. Até eram preparadas procissões perfeitas na simbologia e na
simulação e os falsos faraós conduzidos para suas “últimas moradas”. Três mil e
quinhentos anos de mentiras, a maior mentira coletiva do mundo.
Em Dendera os
quilômetros e quilômetros escavados pelos verdadeiros deuses, os Homens de
Antigamente que vieram do Oeste - da nave que afundou, de Atlântida, tantos
milhares de anos antes, mais de seis mil anos – eram mantidos pelas máquinas
maravilhosas quem nunca paravam de funcionar nem enferrujavam.
Já os enterros
falsos eram feitos em lugares bem escondidos, complexos boatos espalhados
levando até lá os ladrões de túmulos, de forma que através dos milênios as
pessoas acreditavam fielmente ter chegado aos verdadeiros deuses-vivos e
profanado seus túmulos em busca de ouro e riquezas. Que interessavam essas
coisas perante a vida eterna e a ressurreição dos corpos quando os deuses
verdadeiros voltassem? Só tolos fariam essas coisas, pensava Abnara como tantos
antes dele.
Muitas horas
depois Abnara, ainda pesaroso de estar enterrando a que seria o último dos
faraós, a faraona Cleópatra, destruída e tomada a Terra Augusta, o Egito, pelo
invasor romano. César Augusto, declarado deus-vivo em Siwa, assim como também
Alexandre, estava enterrado ali, porque tinha sido deixado um corpo qualquer em
Roma.
Pobres crianças,
eles nada sabiam.
Com o
desparecimento do País Augusto o conhecimento dos deuses se diluiria e teria de
ser descoberto em outras terras, tal como se sabia já no santuário.
Abnara foi
passando diante dos esquifes em ordem de tempo e a cada um que passava baixava
reverentemente a cabeça, cumprimentando. Estavam todos ali, menos o renegado
Akenaton-Moisés, morto em terras estrangeiras e ali desaparecido longe da
proteção dos deuses verdadeiros que mantinham os esquifes funcionando era após
era. Passou pelos Ptolomeus, por Menkaure, por Kakay, por Dsojer até chegar em
Hórus, o primeiro dos deuses reinantes.
Virou-se de
frente para eles e fez uma última reverência.
Chorando, deu as
costas.
Saiu e fechou as
grandes portas.
Atrás de seus
passos os trabalhadores começaram a encher as escadas de terra e areia. Todos
eles se auto-imolariam depois, para lacrar as bocas para sempre. Ainda que
fosse pecado o suicídio, cometiam-no com alegria, aceitando a punição posterior
como gesto de amor perante os deuses-vivos que despertariam sabe-se lá quando,
milhares de anos depois.
Serra, domingo,
25 de Julho de 2010.
ANEXO
Período Protodinástico
Reino do Baixo Egito
(????-3150 a.C.)
O Reino do Baixo Egito se localizava no norte, na região do Delta do
Nilo. Tinha por capital o nomo de Buto e seu soberano cingia a Coroa
Vermelha.
Pré-Dinastia do
Baixo Egito (????-3150 a.C.)
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