Jesus e a Burocracia
Os dois chegaram à repartição pública e
dirigiram-se ao balcão. Estavam de terno, um todo de branco, terno branco
alvíssimo de linho. O outro estava de branco também, porém menos brilhante.
O funcionário foi a eles.
FUNCIONÁRIO (rude) – O que desejam?
BRANCO MENOS BRILHANTE – Bom dia, meu nome é
Rafael. Queríamos falar com as pessoas.
FUNCIONÁRIO (com certo desprezo) – Muito
genérico, tem de escolher.
RAFAEL – Bem, ele é Jesus e quer falar com as
pessoas.
FUNCIONÁRIO (com ares de “e daí? ”) – Jesus?
Jesus de quê?
RAFAEL – Só Jesus.
FUNCIONÁRIO (impaciente) – Que Jesus?
RAFAEL – O Jesus.
FUNCIONÁRIO (descrente) – O Jesus? Aquele
Jesus?
RAFAEL – Sim, aquele, o Filho de Deus.
FUNCIONÁRIO – Tem provas?
RAFAEL – Tá vendo a auréola na cabeça dele
denotando santidade? Tá vendo o branco resplandecente, denotando pureza? Tá
vendo as chagas?
FUNCIONÁRIO (aborrecido, crescendo a voz) –
Tá, tô vendo, e daí?
VOZ LÁ DE DENTRO – Ô Jão, o que é que tá
pegando?
JÃO (voltando-se para dentro) – pode deixar
que eu dô conta. SE precisar de ajuda eu peço, tá bom? Falando com Rafael – E
aí, vão querer o quê?
RAFAEL (sempre paciente) – Falar com as
pessoas.
JÃO – Tem de pegar senha.
RAFAEL – Não queremos falar com uma pessoa e
sim com todas.
JÃO (irritado) – Só se o chefe autorizar.
Além disso, como vou saber se ele está falando em nome do pai dele? Trouxe
procuração com firma reconhecida?
RAFAEL (saindo levemente do sério) – Mas se
ele é Deus, Filho de Deus!
JÃO (debochando) – Como é que vou saber se
não é um qualquer?
OUTRA VOZ DE DENTRO – Pôrra, Jão, quer que
chame o guarda? Se você não é capaz de dar conta chama o segurança.
JÃO – Ô Clóvis, não enche não, cara.
RAFAEL – Podemos falar com o chefe?
JÃO – Só se pegar senha.
Jesus (fala baixinho no ouvido de Rafael).
RAFAEL – Tá bom, a gente talvez volte outro
dia.
Serra, domingo, 28 de agosto de 2011.
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