segunda-feira, 29 de agosto de 2016


Jesus e a Burocracia

 

Os dois chegaram à repartição pública e dirigiram-se ao balcão. Estavam de terno, um todo de branco, terno branco alvíssimo de linho. O outro estava de branco também, porém menos brilhante.

O funcionário foi a eles.

FUNCIONÁRIO (rude) – O que desejam?

BRANCO MENOS BRILHANTE – Bom dia, meu nome é Rafael. Queríamos falar com as pessoas.

FUNCIONÁRIO (com certo desprezo) – Muito genérico, tem de escolher.

RAFAEL – Bem, ele é Jesus e quer falar com as pessoas.

FUNCIONÁRIO (com ares de “e daí? ”) – Jesus? Jesus de quê?

RAFAEL – Só Jesus.

FUNCIONÁRIO (impaciente) – Que Jesus?

RAFAEL – O Jesus.

FUNCIONÁRIO (descrente) – O Jesus? Aquele Jesus?

RAFAEL – Sim, aquele, o Filho de Deus.

FUNCIONÁRIO – Tem provas?

RAFAEL – Tá vendo a auréola na cabeça dele denotando santidade? Tá vendo o branco resplandecente, denotando pureza? Tá vendo as chagas?

FUNCIONÁRIO (aborrecido, crescendo a voz) – Tá, tô vendo, e daí?

VOZ LÁ DE DENTRO – Ô Jão, o que é que tá pegando?

JÃO (voltando-se para dentro) – pode deixar que eu dô conta. SE precisar de ajuda eu peço, tá bom? Falando com Rafael – E aí, vão querer o quê?

RAFAEL (sempre paciente) – Falar com as pessoas.

JÃO – Tem de pegar senha.

RAFAEL – Não queremos falar com uma pessoa e sim com todas.

JÃO (irritado) – Só se o chefe autorizar. Além disso, como vou saber se ele está falando em nome do pai dele? Trouxe procuração com firma reconhecida?

RAFAEL (saindo levemente do sério) – Mas se ele é Deus, Filho de Deus!

JÃO (debochando) – Como é que vou saber se não é um qualquer?

OUTRA VOZ DE DENTRO – Pôrra, Jão, quer que chame o guarda? Se você não é capaz de dar conta chama o segurança.

JÃO – Ô Clóvis, não enche não, cara.

RAFAEL – Podemos falar com o chefe?

JÃO – Só se pegar senha.

Jesus (fala baixinho no ouvido de Rafael).

RAFAEL – Tá bom, a gente talvez volte outro dia.

Serra, domingo, 28 de agosto de 2011.

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