Fazendo Hora
A Oficina do Tempo vivia sobrecarregada,
operando dia e noite, nos 365,25 dias do ano. Não parava para nada, trabalhando
em turnos, de modo a atender toda a gente que sempre precisava de tempo
praisso, tempo praquilo. Praquilo, então, eles reclamavam o tempo todo, mas na
realidade usavam pouco todo tempo que tinham. Se você prestasse atenção veria
que eles subaproveitavam o tempo. O que mais faziam era reclamar.
Tempo era um produto universal, tinha em toda
parte.
Era o mesmo em todo lugar, porque a OT só
produzia tempo padronizado, cada hora levando sempre 60 minutos, dentro dos
quais estavam lá os 60 segundos. Uma perfeição de fomentar a confiança de haver
algo mais por trás. Nunca falhava, você abria uma hora e lá estavam os minutos
em pacotinhos: 60. Sem tirar nem por.
Então, era isso: para cúmulo da contradição
elas reclamavam de não ter tempo e quando tinham gastavam em bobagens,
bestamente.
Por vezes você podia ver as pessoas
entregando o tempo delas por ninharias, uns trocados aqui e outros acolá,
principalmente os miseráveis e os pobres, pois os ricos e os médio-altos sabiam
valorizar e não entregavam o tempo deles senão por altas quantias.
Junto com o tempo as pessoas recebiam ao
nascer um veículo chamado Vida, que com algum cuidado podia durar muito e sem
cuidado fatalmente duraria pouco. Pois o tempo de Vida não é que era
desperdiçado? Eles abusavam da Vida. Fique pasmado você! Inacreditável, não é?
Pois garanto que era assim mesmo.
Ninguém tinha lhes contado quanto custara a i
Deus-Natureza produzir o tempo e a Vida, então as pessoas desperdiçavam como
filhos pródigos. Alguns até acreditavam que, uma vez esgotado esse tempo seria
feito download de outro tempo chamado “reenganação”: por algum privilégio
sotúrnico aquele corpomente em especial, seria preservado em suas memórias,
inteligência e controle para depois surgir novamente – um pacote muito maior de
adulto reintroduzido no cérebro do feto. Pode ser, por que não?
Por exemplo, as pessoas tinham de viajar, mas
não aproveitavam o tempo de vida para ler. Só aí já eram horas e horas jogadas
no lixo todos os dias. Sábados e domingos em que não trabalhavam não usavam o
seu tempo conversando por amizade, não, senhor, de jeito nenhum.
Tinham-se na conta de racionais, mas as
besteiras feitas com seu tempo precioso eram de arrepiar! Bem disse Jesus: “é
mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha que um rico entrar no reino
do Céu”. De fato, era assim mesmo: mesmo o mais pobre deles era rico de tempo,
mas não sabia usar com parcimônia para ser feliz. Sempre correndo de um lado
para outro como baratas tontas. Dava dó de ver: sempre reclamando da falta de
tempo, quando recebiam a cada dia sem fazer o menor esforço 24 horas (cada qual
com 60 minutos, lembrem-se).
- Ah, minha filha, não tenho tempo -
reclamavam, já no fim daquela estrada mais comprida ou mais curta chamada
Existência.
Se você lhes dissesse “mas você gastou seu
tempo todo em besteiras” ainda ficavam bravos à bessa.
Era uma tragédia.
Com 50 ou 60 anos de rodagem na estrada da Existência
já teriam acumulado mais de 430 mil ou 520 mil horas, mas mesmo assim não
estavam satisfeitos. Eu, se não os amasse, começaria a reparar nos enormes
desatinos, nos desperdícios, nos abusos no uso do tempo. Contudo, me calo em
nome da não-imputação a quem se ama.
Corriam a grandes velocidades na Estrada da
Existência, tentando encurtar os tempos em vez de alargá-los. Alguns guardas de
trânsito os preveniram, como Buda, Maomé, Jesus, mas eles não davam atenção:
pouco depois da preleção já começavam de novo a gastar o tempo em futilidades,
correndo como desvairados, colocando em perigo o Veículo da Vida na Estrada da
Existência, onde às vezes trombavam e morriam. Que pena!
E a Oficina do Tempo despejando ano após ano
as horas.
Bilhões já eram atendidos todos os dias.
Sendo tantos, seria de esperar haver
contentamento. Uns chegavam perto das 500 mil horas, meio milhão, mas essa
riqueza não lhes bastava. Outros, os ricos e médio-altos, que roubavam tempo
dos outros, os ladrões do tempo alheio, esses viviam melhor, mas mesmo assim
com todos aqueles milhões de horas ainda não eram felizes.
A que atribuir isso?
Sinto dizer, mas só posso pensar em
fragilidade mental.
Acho que os materiais que a Natureza entregou
a Deus para a construção da casa não eram bons, sei lá. Ou talvez Deus não
soubesse trabalhar, quem sou eu pra dizer? Ou talvez, mais certamente, fosse o
livre-arbítrio.
Serra, quinta-feira, 17 de junho de 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário