Dr. Jekyll e
Mr. Hyde
De Robert Louis Stevenson (1850 –
1894).
Como era americana naturalizada, era
doutor e não doutora.
Dr. Jekyll, a mãe e o pai se
orgulhavam muito e falavam pra todo mundo, elevando-a às alturas, como se não
existissem milhares e milhares de doutores, centenas de milhares no mundo, que
mundo complexo era esse, meu Deus.
Era besteira, claro, orgulho bobo de
pai e mãe, corujices, tá na cara, coisas do interior, mas que dava uma
satisfação danada lá isso dava. Vinte e tantos anos para chegar ao final da
residência médica no Brasil, metrado, doutorado, adaptação às exigências
americanas, o apreciado Mount Sinai Hospital, pesquisa biomédica, não era
qualquer um, não.
E agora, isso.
Que vergonha, cinco anos e meio sem
conseguir resultados. O FDA jamais aprovaria sem os testes em humanos, depois
dos protocolos de biossegurança e não havia um filho da puta que se
prontificasse, nem pagando, nem oferecendo curas fantásticas das
células-tronco, as novidades de regeneração. Nem um corno, como se dizia no
Brasil.
Pôrra, assim não dá.
Só porque tinha progesterona, necas de
pitibiribas. Altas doses, tá certo, mas era da fórmula. Os homens, claro, não
queriam desenvolver características secundárias. As mulheres tinham receios do ácido araquidônico, 20:4(ω-6), do decaimento ao
eicosanoide, puta merda, que aí é que estava a beleza da coisa, controle das
inflamações no crescimento acelerado – elas tinham medo de crescerem além da altura
que tinham. Quem foi falar essa merda? Quem deixou vazar? Os inimigos de suas
pesquisas eram muitos.
Ela decidiu
aplicar em si mesma e retratar os efeitos.
Nesse dia, por
azar da coisa toda, veio uma carga mal rotulada de testosterona altamente
concentrada. Sem saber ela aplicou a injeção e foi dormir.
Na madrugada sentiu
uma vontade inacreditável de urinar, eis um efeito colateral, anotar.
Foi, sentou-se no
vaso, baixou a calcinha, o xixi saiu para cima, passou da borda do vaso, ó
merda. Quase caiu para trás. Se não houvesse a tampa do vaso e a caixa de
descarga teria chocado com a parede, puta merda, um piru. Bom, ela conhecia,
conhecia muitos na verdade, demais até, mas nunca seu.
Essa não, que
monstruosidade é essa?
Acendeu a luz.
Outro choque.
Tinha virado
homem, com pelo no corpo todo, um horror, ó Jesus, que cagada que eu fiz? Tirou
a roupa toda: pelos nas axilas, pelos nas pernas, pelos de menos na cabeça,
barba, pelos na bunda e (pasme!) saco, escroto, vê se pode. Um monstro, com
gogó e tudo. Os peitos tinham sumido, meus lindos peitinhos naturais, nem eram
postiços, nada de silicone, tudo natural, ó Deus.
Um monstro dos
pés à cabeça.
Músculos.
O anguloso
masculino.
Ela pensou: é bom
para cobiçar, mas ser não é bom, não. Cruzes. Ave Maria, minha mãe, me salve.
E minhas nádegas
maravilhosas que os homens reparam, figindo que não estão olhando, onde foram
parar? E essa ereção, ai, ai, ai. O que é isso, quando vai terminar?
Um monstro, sem
dúvida nenhuma um monstro e fedendo ainda por cima, nunca tinha reparado que
fedia tanto.
E assim ela
passou as horas seguintes sem saber o que fazer.
Deu oito horas,
era preciso se preparar para o trabalho, não dava pra ir, tinha de dar
desculpa, ligou.
- Dona Georgia?
- Quem tá
falando?
- Doutor Jekill.
- Que voz grossa.
- É que estou
rouca, com inflamação na garganta, não vai dar para aparecer, a senhora fala
com o pessoal daí? Desmarque minhas consultas, vou ver se amanhã estarei
melhor.
Ela morava perto
do Central Park, Parque Central de Nova Iorque. É preciso sair, mas com que
nome? Danação. Ficou pensativa na janela, viu um homem esbravejando num caixote
no Central Park, lembrou-se do Hyde Park, decidiu-se por Mr. Hyde.
Foi saindo, deu
de cara com a Rebecca, a nojenta.
- Quem é você?
- Mr. Hyde.
- Cadê a Jekill?
- Tá com um
problema.
- O que você tá
fazendo aí?
- Pra quê tanta
pergunta (e foi embora)?
E a outra,
pensando: “filha da puta, esse cara tá comendo ela, ela fica escondendo”.
Hyde passeou,
comeu, passeou de novo, foi ao cinema, não sabia como resolver a vida.
Voltou, ficou
acordada até as três, dormiu, acordou quase oito, foi ao banheiro, tinha
voltado ao que era, exceto que, para constrangimento geral, vivia coçando o
saco e peidava pra chuchu.
Bom, uma solução
tinha achado, mas não era o que queria. O que tinha dado errado? Foi buscando
até que achou, mas o quê fazer de tal fórmula, fora as lésbicas quem vai querer
isso?
Serra, sábado, 14
de Janeiro de 2012.
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