domingo, 28 de agosto de 2016


Dr. Jekyll e Mr. Hyde

 

                        De Robert Louis Stevenson (1850 – 1894).

Como era americana naturalizada, era doutor e não doutora.

Dr. Jekyll, a mãe e o pai se orgulhavam muito e falavam pra todo mundo, elevando-a às alturas, como se não existissem milhares e milhares de doutores, centenas de milhares no mundo, que mundo complexo era esse, meu Deus.

Era besteira, claro, orgulho bobo de pai e mãe, corujices, tá na cara, coisas do interior, mas que dava uma satisfação danada lá isso dava. Vinte e tantos anos para chegar ao final da residência médica no Brasil, metrado, doutorado, adaptação às exigências americanas, o apreciado Mount Sinai Hospital, pesquisa biomédica, não era qualquer um, não.

E agora, isso.

Que vergonha, cinco anos e meio sem conseguir resultados. O FDA jamais aprovaria sem os testes em humanos, depois dos protocolos de biossegurança e não havia um filho da puta que se prontificasse, nem pagando, nem oferecendo curas fantásticas das células-tronco, as novidades de regeneração. Nem um corno, como se dizia no Brasil.

Pôrra, assim não dá.

Só porque tinha progesterona, necas de pitibiribas. Altas doses, tá certo, mas era da fórmula. Os homens, claro, não queriam desenvolver características secundárias. As mulheres tinham receios do ácido araquidônico, 20:4(ω-6), do decaimento ao eicosanoide, puta merda, que aí é que estava a beleza da coisa, controle das inflamações no crescimento acelerado – elas tinham medo de crescerem além da altura que tinham. Quem foi falar essa merda? Quem deixou vazar? Os inimigos de suas pesquisas eram muitos.

Ela decidiu aplicar em si mesma e retratar os efeitos.

Nesse dia, por azar da coisa toda, veio uma carga mal rotulada de testosterona altamente concentrada. Sem saber ela aplicou a injeção e foi dormir.

Na madrugada sentiu uma vontade inacreditável de urinar, eis um efeito colateral, anotar.

Foi, sentou-se no vaso, baixou a calcinha, o xixi saiu para cima, passou da borda do vaso, ó merda. Quase caiu para trás. Se não houvesse a tampa do vaso e a caixa de descarga teria chocado com a parede, puta merda, um piru. Bom, ela conhecia, conhecia muitos na verdade, demais até, mas nunca seu.

Essa não, que monstruosidade é essa?

Acendeu a luz.

Outro choque.

Tinha virado homem, com pelo no corpo todo, um horror, ó Jesus, que cagada que eu fiz? Tirou a roupa toda: pelos nas axilas, pelos nas pernas, pelos de menos na cabeça, barba, pelos na bunda e (pasme!) saco, escroto, vê se pode. Um monstro, com gogó e tudo. Os peitos tinham sumido, meus lindos peitinhos naturais, nem eram postiços, nada de silicone, tudo natural, ó Deus.

Um monstro dos pés à cabeça.

Músculos.

O anguloso masculino.

Ela pensou: é bom para cobiçar, mas ser não é bom, não. Cruzes. Ave Maria, minha mãe, me salve.

E minhas nádegas maravilhosas que os homens reparam, figindo que não estão olhando, onde foram parar? E essa ereção, ai, ai, ai. O que é isso, quando vai terminar?

Um monstro, sem dúvida nenhuma um monstro e fedendo ainda por cima, nunca tinha reparado que fedia tanto.

E assim ela passou as horas seguintes sem saber o que fazer.

Deu oito horas, era preciso se preparar para o trabalho, não dava pra ir, tinha de dar desculpa, ligou.

- Dona Georgia?

- Quem tá falando?

- Doutor Jekill.

- Que voz grossa.

- É que estou rouca, com inflamação na garganta, não vai dar para aparecer, a senhora fala com o pessoal daí? Desmarque minhas consultas, vou ver se amanhã estarei melhor.

Ela morava perto do Central Park, Parque Central de Nova Iorque. É preciso sair, mas com que nome? Danação. Ficou pensativa na janela, viu um homem esbravejando num caixote no Central Park, lembrou-se do Hyde Park, decidiu-se por Mr. Hyde.

Foi saindo, deu de cara com a Rebecca, a nojenta.

- Quem é você?

- Mr. Hyde.

- Cadê a Jekill?

- Tá com um problema.

- O que você tá fazendo aí?

- Pra quê tanta pergunta (e foi embora)?

E a outra, pensando: “filha da puta, esse cara tá comendo ela, ela fica escondendo”.

Hyde passeou, comeu, passeou de novo, foi ao cinema, não sabia como resolver a vida.

Voltou, ficou acordada até as três, dormiu, acordou quase oito, foi ao banheiro, tinha voltado ao que era, exceto que, para constrangimento geral, vivia coçando o saco e peidava pra chuchu.

Bom, uma solução tinha achado, mas não era o que queria. O que tinha dado errado? Foi buscando até que achou, mas o quê fazer de tal fórmula, fora as lésbicas quem vai querer isso?

Serra, sábado, 14 de Janeiro de 2012.

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