Daí a César o que é de César
César foi ao PROCON. Pegou senha, sentou na
cadeira e esperou pacientemente ser chamado. Quando se sentou diante da moça,
disse diretamente:
- Quero o que é meu.
- Como??
- É, me dá o que é meu.
- Não estou entendendo.
- O que há para entender? Me dá o que é meu.
Jesus que mandou.
- Não estou entendendo.
- Chame seu gerente.
- É a gerente.
- Que seja, chame ela.
A moça foi lá dentro e explicou a situação.
Dona Ruth chegou enfezada.
- O que o senhor quer?
- Quero o que é meu.
- E o que é seu, posso saber?
- Bom, o que não for de Deus é meu.
- Vamos devagar. Que história é essa?
- Tá na Bíblia. Novo Testamento, Mateus
22,21.
- Certo, eu sei, todo mundo conhece a Bíblia,
em particular o Novo Testamento (dirigindo-se bem irritada a ele e falando em
voz alta, frisando bem as palavras), TO-DO MUN-DO CON-HE-CE.
- Tudo bem, não estou discutindo, só quero o
que é meu.
- Não é seu, meu senhor, Jesus estava dando
um exemplo, para escapar da armadilha que tentava colocá-lo contra o Estado. É
alegórico, entende?
- Alegórico ou não, ele falou: DAÍ A CÉSAR O
QUE É DE CÉSAR E A DEUS O QUE É DE DEUS. Só falta separar o que é de Deus, o
resto é meu. Quanto é de Deus?
- Sei lá, uns 10 %, eu acho, o dízimo. Mas
contando que 15 % são ateus, 10 % são animistas, outros 45 % são não-cristãos,
sobram uns 30 % de cristãos. Do PIB mundial de 15 trilhões daria 4,5 trilhões
por ano, separando 10 % sobram uns 4 trilhões de dólares por ano.
- Certo, é isso que é meu.
- Mas o senhor há de convir que há muitos César
no mundo.
- Eu sei, mas ninguém veio reclamar, né? Só
eu que vim, então só eu que tenho direito.
A gerente foi telefonar para os advogados
assessores do PROCON. Consulta daqui, consulta dali, ficou mais de uma hora lá
pra dentro, César foi comer salgadinho e tomar refrigerante. Vieram vários
advogados, marcaram audiência com o juiz para daí a duas semanas. O caso é que
embora esdrúxulo o pleito fora da lei o pedido não estava. Simplesmente não
havia postulado legal excluindo o César. Ainda que o Estado fosse laico,
aqueles 30 % de cristãos no mundo ou mais de 2,0 bilhões era uma força a
considerar. Logo os fundamentalistas americanos se juntaram a César, querendo
atraí-lo para a causa de Cristo, pois se houvesse um rei com toda certeza tudo
seria mais fácil na volta de Jesus. A coisa toda foi rolando. Advogados
oportunistas, de olho na bolada da sucumbência, trataram de juntar-se à legião
de admiradores de César.
- Que audácia! – diziam todos, primeiro com
repulsa e logo em seguida com admiração crescente.
- De onde esse cara foi tirar essa ideia?
Logo César virou o rei dos oportunistas e os
outros César do mundo entraram na onda, para ver se podiam também reivindicar.
A mídia toda se interessou, as redes de televisão abriram espaço, César se
tornou personalidade universal. Paulo Coelho escreveu um livro sobre ele, A
Lição de César. Pais e mães escolhiam o nome “para dar sorte”, o presidente da
empresa Lulambão o recebeu com pompa no Palácio da Boanota.
Quando nada, César recebeu patrocínio e
vendeu muitas camisas com o dístico “Deus também é responsável”, deu palestras
sobre as relações Estado e Religião, recebeu bolsa de estudos ad aeternum na
UFA, fez acordos de marketing enquanto seu caso não era julgado nos tribunais
internacionais. Enquanto isso nos EUA os fundamentalistas promoviam passeatas.
Teve início no ano passado e de lá pra cá
César já acumulou bem mais de 100 milhões de dólares, boa parte vindo de
grandes escritórios de advocacia, que nisso viram oportunidade de ouro para
levar outras pessoas a abordagens polêmicas.
O julgamento será amanhã, 22/07.
Serra, domingo, 30 de maio de 2010.
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