quarta-feira, 31 de agosto de 2016


Cantando Pneu


 

Reginaldo colocou um pneu que fazia um barulhinho enjoado, um grilo que ficava perturbando, um chiado esquisito. Na semana seguinte já parecia um assovio, na outra era vagamente assemelhando a flauta, ele desistiu de ir reclamar com o vendedor, no fim do primeiro mês tava cantando musiquinhas curtas, depois de seis meses já sabia cantar o hino nacional e daí para frente foi só sucesso, ele colocava o pessoal para rodar junto, 15 paus a viagem, cada um saía mais abestalhado que o outro, sucesso total.

Ele foi parar na Rede Lobo, no programa do Saulstão, seção Se Vira nas Tintas, o pessoal aplaudiu de pé, quis bis, era só propaganda, ele recusou, era para se projetar e ao pneu cantante.

Por quê a surpresa? Não tem “espada cantante”? Se uma espada pode cantar, por quê um pneu não pode? Que preconceito é esse? Depois, não há Triângulo de Bermudas? Se Triângulo pode usar bermudas por quê Pneu não pode cantar? É só ter a voz afinada, tendo tido ou não aulas de canto, só não pode canto orfeônico, aí é chato demais, até pode canto gregoriano, tá legal. Pneu dizia: “eu canto samba”, gosto dele. E, como disse minha filha, se pode Triângulo de Bermudas por quê não pode Ilha de Boné (bon air)? É a constituição, meu caro, se pode para um pode para todos, se não pode para um não pode para ninguém. Que preconceito é esse? Se pode Ilha de Boné por quê não pode Pneu Cantante?

Enfim, ele venceu os preconceitos contra os Pneus que cantavam (e o seu Pneu, Sr. Pneu ou Mr. Pneu, como era conhecido internacionalmente, era muito bom, muito melhor que muito cantor que tinha por aí, principalmente essas coisas de funk). Desafinar ele não desafinava, você já viu algum Pneu desafinar? Pelo contrário, era afinadíssimo, passou até a cantar música clássica e fazia sucesso, isso num país que não valoriza o apuro, nem o dos profissionais, nem o dos maestros compositores.

Para resumir, o Reginaldo ficou abonado. Rico não era, mas muito remediado, ficou famoso. Quiseram até lhe dar carro novo, mas o Pneu não se encaixava no esquema das coisas. Foi passando o tempo, o carro deu defeito. Ele levou o carro na oficina, quando voltou para buscar notou algo estranho, cadê o Pneu, já o tinha como velho amigo.

- Cadê o Pneu?

- Troquei.

- O QUÊ?

- Ele estava muito velho, troquei.

- TROCOU? SUA BESTA. Quero ele de volta.

- Não ofende. Além de tudo, joguei no monte de pneus velhos, ele foi picotado.

Reginaldo chorou muito, pranteou demais o velho amigo. Ficou semanas desconsolado. O dono da oficina vendeu Pneu para uma multinacional por 800 mil dólares. No Brasil as pessoas acreditam em tudo.

Serra, domingo, 26 de fevereiro de 2012.

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