terça-feira, 30 de agosto de 2016


Restauradores da Decência

 

O grupo começou discutindo isso em mesa de bar, homens e mulheres de várias profissões que meio na brincadeira foram pensando como seria se houvesse alguém que pudesse ir aos filhos-de-puta dizer que tomassem vergonha na cara.

- Esses cornos têm de se corrigir, pelo amor de Deus.

- É, essa gente nojenta não toma jeito mesmo.

E por aí afora foram surgindo as manifestações, até que lá pelas tantas depois de várias cervejas a ideia surgida na brincadeira se tornou muito séria e empenhada. Grotescamente alinhavada no dia anterior, no dia seguinte tornou-se determinação, porque quase todos eram empresários formados com cursos superior, mestrado e doutorado, gente muito resolvida capaz de se organizar para fazer.

E a coisa foi indo até organizarem a empresa.

Funcionava assim: eles escolhiam um safado qualquer e colavam nele. Não era nada agressivo, mas era persistente. Dia após dia iam a ele ou a ela e lhe davam lições, mandavam cartas, conversavam, portavam cartazes, tudo com base em notícias publicada na imprensa e casos de tribunal. Não era proibido. Estudaram cuidadosamente a Constituição e as leis e chegaram à conclusão de que falar não era proibido.

Grudavam no sujeito, fosse deputado ou juiz ou fiscal ou empresário ou trabalhador ou sindicalista, fosse o que fosse. Eram voluntários e dedicaram suas vidas a isso. Mais e mais gente foi se aproximando, primando pela decência, afinal de contas as indecências eram prejudiciais à economia porque se roubaram (no Executivo, no Legislativo, no Judiciário) os tributos recolhidos pelos governos faziam-se menos obras, e piores do que seriam feitas se aquele montante não tivesse sido desviado; ou se os empresários não tivessem vendido coisas ruins que estragavam logo. Ou se sindicalistas desviassem dinheiro dos operários.

Enfim, começaram a pensar que se não houvesse tanta roubalheira as favelas poderiam desaparecer, construindo-se casas decentes para os trabalhadores; ou a urbanização seria mais apurada.

Foram juntando-se filósofos, cientistas, artistas, donas de casa e de repente já eram centenas vestindo literalmente a camisa da Restauradores da Decência, REDE. A Igreja e as seitas, vendo a oportunidade de avançar a causa, agregaram-se. Partidos políticos menores que não tinham chance de corromper-se ou eram decentes por natureza aproximaram-se.

As autoridades começaram a ficar inquietas e a procurar “podres” nas vidas dos militantes, até que - como se diz, “quem procura acha” – acharam mesmo. Fizeram um fuzuê “do caramba” e arrasaram, com base naqueles poucos exemplos dos aderentes, a REDE DA DECÊNCIA, como vinha sendo chamada.

Por fim a Rede terminou, mas a ideia estava plantada, o povo tinha sido pegado: é possível restaurar a decência. E com isso começou um movimento universal subterrâneo que os imorais não tiveram condição de combater.
Serra, domingo, 25 de julho de 2010.

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