Restauradores da Decência
O grupo começou discutindo isso em mesa de
bar, homens e mulheres de várias profissões que meio na brincadeira foram
pensando como seria se houvesse alguém que pudesse ir aos filhos-de-puta dizer
que tomassem vergonha na cara.
- Esses cornos têm de se corrigir, pelo amor
de Deus.
- É, essa gente nojenta não toma jeito mesmo.
E por aí afora foram surgindo as
manifestações, até que lá pelas tantas depois de várias cervejas a ideia
surgida na brincadeira se tornou muito séria e empenhada. Grotescamente
alinhavada no dia anterior, no dia seguinte tornou-se determinação, porque
quase todos eram empresários formados com cursos superior, mestrado e
doutorado, gente muito resolvida capaz de se organizar para fazer.
E a coisa foi indo até organizarem a empresa.
Funcionava assim: eles escolhiam um safado
qualquer e colavam nele. Não era nada agressivo, mas era persistente. Dia após
dia iam a ele ou a ela e lhe davam lições, mandavam cartas, conversavam,
portavam cartazes, tudo com base em notícias publicada na imprensa e casos de
tribunal. Não era proibido. Estudaram cuidadosamente a Constituição e as leis e
chegaram à conclusão de que falar não era proibido.
Grudavam no sujeito, fosse deputado ou juiz
ou fiscal ou empresário ou trabalhador ou sindicalista, fosse o que fosse. Eram
voluntários e dedicaram suas vidas a isso. Mais e mais gente foi se
aproximando, primando pela decência, afinal de contas as indecências eram
prejudiciais à economia porque se roubaram (no Executivo, no Legislativo, no
Judiciário) os tributos recolhidos pelos governos faziam-se menos obras, e
piores do que seriam feitas se aquele montante não tivesse sido desviado; ou se
os empresários não tivessem vendido coisas ruins que estragavam logo. Ou se
sindicalistas desviassem dinheiro dos operários.
Enfim, começaram a pensar que se não houvesse
tanta roubalheira as favelas poderiam desaparecer, construindo-se casas
decentes para os trabalhadores; ou a urbanização seria mais apurada.
Foram juntando-se filósofos, cientistas, artistas,
donas de casa e de repente já eram centenas vestindo literalmente a camisa da Restauradores
da Decência, REDE. A Igreja e as seitas, vendo a oportunidade de
avançar a causa, agregaram-se. Partidos políticos menores que não tinham chance
de corromper-se ou eram decentes por natureza aproximaram-se.
As autoridades começaram a ficar inquietas e
a procurar “podres” nas vidas dos militantes, até que - como se diz, “quem
procura acha” – acharam mesmo. Fizeram um fuzuê “do caramba” e arrasaram, com
base naqueles poucos exemplos dos aderentes, a REDE DA DECÊNCIA, como vinha
sendo chamada.
Por fim a Rede terminou, mas a ideia estava
plantada, o povo tinha sido pegado: é possível restaurar a decência. E com isso
começou um movimento universal subterrâneo que os imorais não tiveram condição
de combater.
Serra,
domingo, 25 de julho de 2010.
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