terça-feira, 30 de agosto de 2016


Pappy Noel

 

Algum galhofeiro misturou Papai Noel com Pappy, essa suposta figura paterna incestuosa com filha, segundo a Internet sexual que toca na banda podre.

Foi quanto bastou para que a polícia, pegando o bonde a caminho, intuísse sabiamente haver algum velhinho barbudo e barrigudo atrás de garotinhos e garotinhas para pedofilia, dando-lhes presente, pois a galhofa desconfiava de Pappy Noel descendo pelas chaminés para “passar o saco nas crianças” e corromper os baixinhos (assim como fizeram com Sócrates - sabe-se lá se este tinha culpa no cartório, perguntava a polícia maliciosa), não o brasileiro doutor do futebol, mas o outro de quase dois mil e quinhentos anos atrás.

- Aí tem - disse o doutor Frisado, delegado de plantão.

- Pode ser mesmo - ajuntou Carlão, o policial amigo das prostitutas.

- Você acha, Carlão?

- Claro, doutor, quem inventou isso é gente da Praia do Cantinho, classe média alta que sabe das coisas, entende?

Carlão falava igual Pelé, que ele admirava e imitava, exceto na genialidade, pois Carlão era burro feito porta analfabeta. Era das antigas, antes dos concursos, pois se participasse de algum ficaria em penúltimo lugar, por não ter competência a ponto de ser o mais idiota. Nem isso.

Doutor Frisado franziu a testa, mergulhando os olhos rumo ao nariz em extrema concentração.

- Realmente, pode ser um código de denúncia. Não querendo dar nome ao boi, ele foi indireto.

- Isso, doutor, o senhor é um gênio.

Carlão puxava o saco do delegado sem o menor constrangimento, como se faz nas repartições públicas, onde tudo é público.

- Pode ser dar de ser alguém das relações do rapaz na Internet que anda traçando os garotinhos e menininhas, isso é uma nojeira sem fim.

O delegado não se incomodava de ele mesmo ter inventado tudo.

Carlão confirmou.

- É isso mesmo, doutor.

E apontava o dedo para dar ênfase.

Foi assim que nasceu a investigação.

Eles ficaram na butuca. Por meses a fio, a par de outras investigações, nos tempos vagos eles ficaram na tocaia, com a ajuda de um hacker das redondezas com algumas passagens pela 38º DP.

E finalmente descobriram alguém que “batia” mais ou menos: tinha barba, mas não era tão grande, nem completamente branca. Tinha cabelo branco, era velho e relativamente gordo. E não é que o velho safado ficava na IS (Internet sexual)? Ficava mesmo, o ordinário.

Dito e feito, grampearam o paisano, positivo e operante. Foi quando ele estava enviando um arquivo. Fixaram o cretino, puseram o dedão dele e os dedos todos na almofada e carimbaram no papel, agora o bicho tava que tava preso e ninguém soltava. O camaradinha inventor de tudo, vendo as semelhanças, ajudou a propagar na web e a gente toda achou graça, foi uma risadaria danada, Pappy Noel pra cá, Pappy Noel pra lá, a imprensa montou em cima.

O delegado foi entrevistado e Carlão saiu na foto como papagaio de pirata, na margem, com o delegado empurrando-o para fora com o cotovelo. O Chefe de Polícia parabenizou a iniciativa. A prisão foi capa da prestigiada revista nacional Veja e Leia.

O tal senhor foi preso e processado, os filhos se afastaram dele, a mulher se divorciou, na repartição deram gelo nele, ameaçando processá-lo, só não o fazendo por pouco, pois era ótimo funcionário. Seis meses depois ele foi a julgamento e foi inocentado, pois não passava de engano: ele apenas estava transferindo inocente matéria em que havia fotos de crianças.

O dano estava feito.

Desculpas foram pedidas pelo Tribunal, mas não saíram na imprensa. Os filhos, envergonhados por terem duvidado do pai, tornaram-se ainda mais arredios. A mulher, já tendo se envolvido com outro, pediu divórcio. Com isso o falso e inocente Pappy ficou sem casa e foi morar em hotel, despesa alta demais, ele acabou mudando-se para bairro da periferia. Os amigos, constrangidíssimos de o terem abandonado e falado mal pelas costas, fizeram questão de ignorá-lo.

Certa noite, estando na pizzaria da periferia comendo pizza com guaraná foi depois de violento bate-boca atingido no peito por revoltado pai de família não sabedor da inocência dele e, levado às pressas ao pronto-socorro, morreu.
Serra, domingo, 30 de maio de 2010.

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