Os Lixeiros de Deus
NOTA
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Não acredito em nada disso, o conto
é apenas para repor alguma lógica na ficção, onde não há qualquer explicação.
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- Sim, senhor Liat?
- Professor, agora que nós morremos,
quando tempo se passará até que tenhamos nossos poderes?
- Você acha pouco ter acordado da
morte?
- Não se trata disso, mestre, quero
dizer os outros...
- Bem, depende de aprendizado, ou
vocês vão tentar usá-los a torto e a direito e vão acontecer as coisas mais
estranhas. Aliás, com relação às suas mortes, suas mães verdadeiras e seus pais
presumidos estão chorando nos túmulos, sobre os filhos e filhas, que morreram
uns de choque de veículos, outros de veneno, outros de tiros e outros ainda de
diversos modos; é bom se lembrarem deles e delas com reverência. Ainda lembro
dos meus, mesmo passados 400 anos.
- Professor, quantos somos?
- Senhorita Din, são só os desta sala.
Não são incorporados muitos porque, como pode imaginar, morrem poucos
definitivamente, porque a recuperação mesmo sob condições extremas é notável. A
cada 200 anos uns poucos. Nossos pais vampiros devem copular com as mães
humanas. As vampiras nunca são mães, porque os fetos seriam rejeitados como
corpos ofensores e mortos no útero. Pode falar, senhor Tamiz.
- Professor Kot, porque não podemos
conservar nossos nomes?
- Bem, Tamiz, seria estranho você ser
reconhecido na rua se fosse chamado de Carlos e se virasse, deparando com sua
irmãzinha – uma bela confusão, vocês não acham?
- Mestre, meu nome é Tamato.
- Sei disso, senhor Tamato, fui eu que
escolhi cuidadosamente cada nome, depois de muito meditar.
- Pois bem, mestre, isso que a gente
via no cinema antes de morrer, sobre os vampiros, é verdadeiro?
- Tudo é aumentado ou reduzido. Com
relação ao alho, ele é um anti-séptico natural, é usado pelos pobres, pode nos
intoxicar, atacar nosso sangue, danificar o ADRN, causar problemas, mas não são
graves. Os ricos de antigamente usavam própolis, porém qualquer anti-séptico
serve, fique longe deles. Anticoagulantes também são daninhos. Há uma
quantidade crescente de venenos hoje em dia.
- E as estacas?
- Senhorita Amae, aqui a questão é
diferente: ao entrar em nossos corações a seiva das árvores e remetida TÃO
RÁPIDO por eles a todo o corpo que acabamos por replicar o ADRN dela.
Evidentemente tem de ser árvore recém-morta, a estaca tem de ter sido recentemente
moldada de galho cortado. Se não houver seiva não serve. Nossos corpos não
viram pó, como é mostrado, eles se enraízam e produzem uma árvore, há muitas
espalhadas pelo mundo.
- Professor, e a luz do Sol?
- Senhorita Dara, durante o dia os
neutrinos não passam por nós sem nos afetar, pelo contrário, foi o jeito de
Nosso Senhor nos manter fora das ruas DE DIA; de noite os neutrinos atravessam
a Terra e nos atingem, contudo não interferem em nossos corpos. É qualquer
interação com o calor e a luz, nem nós nem os pesquisadores humanos conseguiram
qualquer solução. - Sim, Dinair.
- Mestre, e os lobisomens?
- Bem, quando o Primeiro nasceu da
morte uns 200 mil anos atrás (ele não contava os anos, não havia motivo para
isso), logo depois dos inventores da linguagem, os neandertais, houve uma
proliferação contínua de gente que nunca morria e podia tomar as mais
diferentes formas, o que de fato foi feito muitos milênios depois, já dentro da
urbanização, e os nossos irmãos de então saíram passeando pelo mundo com sua
liberdade recém-inaugurada. Foi aquele horror mitológico que vocês conhecem de
sua formação pré-morte, toda aquela bicharada dos tempos antigos dos gregos e
de outros povos. Naquela época, muito depois dos Primeiros, surgiu a nova
espécie derivada de nós mesmos: são nossos predadores. Não são transformados
pelo nosso sangue, não morrem de nossas mordidas, são invioláveis por nós,
exceto nas mais extremas condições. Em compensação só despertam quando nossa espécie
“sai dos trilhos”, por assim dizer, quando alguns de nós enlouquecem. Podem
ficar adormecidos durante séculos e até milênios: apenas acontece de alguns
humanos terem os genes e se transformarem com a combinação de nossos excessos e
lua cheia. Quando são cometidos excessos e há lua cheia, a luz dela dispara na
retina o mecanismo formador: quando os irmãos malignos são mortos eles
desaparecem também.
- Professor, e as transformações?
- Senhor Liat, por enquanto,
taxativamente, não, vocês não possuem controle mental para imaginar as
criaturas e aumentar e reduzir os ossos nas proporções corretas. Para dizer
logo, os produtos iniciais não são bonitos. Você pensaria poder fazer um
morcego ou isso e aquilo e as formas resultantes seriam horrendas. NÃO, definitivamente
não. Anos, até décadas transcorrerão. Não pensem que nossas vidas são isentas
de perigo. Viver de noite, evitar os lobisomens, os produtos sanitários
conhecidos e desconhecidos e os humanos que nos perseguem... tudo isso leva
tempo para ensinar.
- Mestre, qual o objetivo de nossas
existências?
- Senhor Damiore, essa foi a pergunta
mais importante. Nós somos os lixeiros de Deus, limpamos o mundo das criaturas
verdadeiramente malignas, que causariam danos insanáveis ao mundo. Muito à
esquerda ou muito à direita e nós colocamos um bloqueio. Hitler, um que alguém
deixou ir por piedade quando era um jovenzinho. Muitos, muitos exemplos. Se não
fazemos da primeira vez, não podemos mais fazer, a pessoa se torna inviolável,
para que vejamos pelo exemplo o que acontece quando fraquejamos. Vocês
acompanhavam as estatísticas de desaparecimentos humanos? Pois é! E há os casos
mais incríveis, pessoas que parecem santinhas e são seres horríveis.
- E quanto a voar?
- Senhor Pinachi, nós não “voamos”,
como aviões também não voam, são impulsionados como flechas por seus motores.
Quanto a nós, nossos corpos deixaram de ser humanos, passaram a ser etéreos e
navegamos nos mares gravinerciais impulsionados por forças que não advém da
física das asas. Pássaros voam, eles batem asas. Nós não voamos, não mexemos
asas para cima e para baixo – deslocamo-nos, e a física desse deslocamento,
como tudo a nosso respeito, é complexa.
- E passar através de paredes?
- Também não fazemos isso, nos
desmaterializamos de um lado e nos materializamos do outro. Nossos “átomos” não
passam através das redes cristalinas da parede, eles saltam de um lado para
outro. Nós não somos seres da Natureza, Pinachi, somos de Deus; não cumprimos
as regras naturais, estamos acima delas, só que também não podemos sair dos
trilhos. O Primeiro e os Primeiros, mais próximos Dele, não fazem bobagens, mas
os filhos dos filhos dos filhos degeneraram por pressão das improbabilidades
naturais e de vez em quando temos desastres. Enfim, senhores e senhoras, por
hoje a aula acabou. A Grande Lição é esta: se vocês perderem a cabeça está tudo
acabado. Literalmente. Porisso prestem atenção quando nos filmes os humanos
cortam nossas cabeças. Os filmes são feitos pelos degenerados que devemos
extirpar, mas mesmo assim comportam certa dose de verdade instrutiva. É melhor
vê-los do que não os ver. E, depois de tudo, podemos rir à bessa. Se eles
soubessem a verdade...
Vitória, quarta-feira, 05 de maio de
2010.
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