O Chefe de Cócoras
O chefe da tribo, com grande e
volumosa cabeleira amarfanhada, barba imensa mais encaracolada ainda, pele toda
vincada aos 52 anos já anciãos, estava sentado há bastante tempo na encosta da
montanha. Os seus segundos e terceiros e os fazedores de martelos de guerra em
obsidiana e pontas de flecha em sílex, os curtidores de peles grossas para
defesa do corpo contra predadores, os especialistas em criação das melhores
lanças e arcos curvos mais poderosos, todos estavam nas redondezas, cada qual
ocupado com sua tarefa e especificidade.
O chefe olhava.
Não estava pintado para a guerra,
ninguém estava.
Enquanto os outros trabalhavam, ele
pensava e sondava o tempo e o espaço, estreitando os olhos cheios de rugas,
marcas muito expressivas, rosto talhado. Por baixo das pesadas roupas o corpo
estava todo lanhado das feridas das muitas décadas, desde as escarificações das
provas de maturidade, 40 anos passados, quase. Ele mal se lembrava. Dos que
fizeram a passagem com ele só sobravam dois. Poucos, bem poucos, eram mais
velhos que ele, poucos sobreviviam, fossem homens ou mulheres, quando a média
de vida era 25 anos, particularmente entre os homens pelos enfrentamentos, as
mulheres em razão dos partos.
Ele olhava, fincando os olhos,
decidindo para onde caminhar em busca das grandes presas que sustentariam a
tribo durante o inverno.
Olhava, tentando lembrar-se de tudo
que observara desde quando era meramente um guerreiro jovem em busca de proezas
que o destacassem perante as mulheres e os jovens adultos.
Tinha as unhas imensas e afiadas em
ponta.
Não era apenas para proteger seus
ouvidos e sua boca de insetos que tinha os cabelos compridos, sujos e
enrodilhados; também se prestavam a proteger seu pescoço e garganta de ataques
de predadores e inimigos ou até mesmo de amigos. Era difícil penetrar aquelas
massas densas de sujeira e lama ressecada. As mulheres que se agüentassem ou
que, na volta, lhe desse banho com as ervas delas.
Agora já estavam novamente sujos para
a viagem que se anunciava próxima, de semanas e até de meses, se as caças
tivessem ido muito longe.
Nisso um grupo de jovens começou uma
arruaça próxima e um, particularmente, começou a ofendê-lo, reclamando de sua
velhice, dizendo-o caduco, incapaz de levar adiante o destino da tribo. E
ficaram ali um tempo grande se pavoneando, até que o chefe lentamente se
levantou, caminhou até eles e de um golpe só rasgou a garganta do jovem
imberbe, abrindo-a com suas unhas endurecidas, cortando-o na jugular. O jovem
estrebuchou e morreu, os demais tomaram um susto e se afastaram, os mais velhos
prontamente se colocaram ao redor do chefe para dissuadir os recalcitrantes.
CHEFE (baixinho) – quem você colocará
no lugar dele?
SUBCHEFE – Já temos alguém em vista.
CHEFE (a todos) – amanhã sairemos bem
cedo.
Serra, terça-feira,
30 de agosto de 2011.
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