quarta-feira, 31 de agosto de 2016


Supervizinhança

 

Não é condomínio de luxo, mas parece superlimpo, extasiante mesmo, com tudo no lugar, a grama aparadinha até o detalhe, sem um cisco no chão, sem um palito de picolé, nada. As árvores estão podadas, os meios fios pintados, tudo aguado, ainda com as gotas de água nas folhas, embora não tenha chovido. Não há tijolo fora do lugar, as casas estão pintadas de novo, os telhados perfeitos, tudo na mais perfeita ordem.

HOMEM – querida, nós estamos pagando mais por isso?

MULHER – Por isso o quê?

HOMEM – tá tudo tão certinho, que fico até com medo de me mexer do lugar e arruinar algo.

MULHER – não, estamos pagando a mesma coisa, não mudou nada. Você acha que pode ser nova administradora?

HOMEM – não, nenhum dos caras me disse nada. Nem tem havido reunião do condomínio. Já tem umas 10 semanas que tá assim, sem uma folha partida ou plantinha fora do lugar.

MULHER – por falar nisso, tem mais ou menos uns dois ou três meses que os novos vizinhos chegaram e nós ainda não fomos fazer visita.

HOMEM – não dá, o cara é muito ocupado. Muitas tarefas no estrangeiro, pelo que soube. Vai ver que ela tá dando.

MULHER – como assim, dando? Que linguajar é esse? Aliás, como você sabe disso? Você tá dando em cima?

HOMEM – que isso, Érica? Tá doida!

ÉRICA – E o nome dela é Lois. Gente fina, muito apaixonada, já conversei com ela na rua, ela e ele são jornalistas. Pare de falar besteiras, Jorge.

JORGE – querida, é que o cara não pára em casa, ninguém consegue conversar com ele.

ÉRICA – trabalha muito, só isso. Você e os desocupados dos seus amigos deveriam se mirar no exemplo dele que, aliás, não é “cara”, é Clark. E daí se ele trabalha muito? Vocês desocupados deveriam ir cuidar da vida de vocês. Já conversei várias vezes com ela, a Mirian também, a Débora, a Janete. É isso que é enjoado em você...

Jorge vai saindo de fininho.

Serra, sábado, 31 de outubro de 2009.

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