terça-feira, 30 de agosto de 2016


O Cientista Repórter

 

É programa de auditório, com gente na plateia, que é mostrada. Há um quadro negro e giz representando a Academia, o repórter-cientista (uma contradição em termos, mas vá lá) tem um pau de giz na mão e escreve no quadro.

REPÓRTER – gente, veja esse lambda, que lindo (vira-se para a plateia e aponta, incisivo). É um LAMBDA, só a palavra já é para qualquer um querer levar pra casa (cochicho da produção), pois é, é uma letra, é o que eu dizia, eu levaria pra casa, um lambdão de ouro pra dar de presente para minha esposa carregar com orgulho no pescoço. De que língua é? Grega? Pois então, gente, mais emoção ainda. De que país? Da Grécia? Eis aí, a Grécia surpreendendo de novo. Não é onde tem aquele monte de boiola? Não que eu seja homofóbico, gente, de jeito nenhum, pelo contrário, tenho muitos amigos veados.
A plateia vaia.
REPÓRTER – é pra vaiar, né, seu bostinhas...
Sai do ar. Propagandas.
REPÓRTER – então vamos falar do Newton, esse grande Newton, esse menino que aprontou por aí, fez grandes coisas. É O NEWTON, minha gente, uma salva de palmas pra ele, como diz a Hebe, gracinha. Outra salva de palmas, minha gente, ele merece, não é, Datena?
DATENA (sem que nem pra quê) - Chuva é chuva, aqui ou na Austrália, a diferença é que graças aos governantes lá a chuva molha menos o povo.
REPÓRTER (meio envergonhado, baixa a cabeça, ressurge todo animado) – Esse é o Datena. Sem falar do Einstein, o grande Einstein, que tinha tanta força que encurvou o universo (cochicho da produção). Bem, deixa pra lá. É O EINSTEIN, meus irmãos, esse maravilhoso Einstein, uma salva de palmas pra ele, esse foi grande, né Datena?
DATENA - Os marginais chamam isso de pó, eu chamo de droga mesmo, a polícia chama de cocaína…não importa o nome, o que importa é que quando entra no cérebro faz um estrago e você mata sua mãe.
REPÓRTER (dando chute na poltrona) – É o Einstein, minha gente, também gracinha, minha mulher é fã dele, as crianças adoram, quando ele lançou aquele rock da pesada, Melô do Senhor (produção pede para falar de outra coisa). Então, vamos abordar o Koch, hoje estou demais, tou dando show, acabando com a concorrência, a Globo não tem um programa assim. Não é, Hebe?
HEBE - Que coisa ridícula eu, com 58 anos, falar bumbum. É bunda, não é?
REPÓRTER (fazendo o gesto italiano com as duas mãos, indicando ênfase) – Uma salva de palmas pra ela, gente, que ousa assumir a verdade. Voltando ao insulto (cochicho da produção), quer dizer, ao assunto, tem o Koch, esse menino bom, que adotou o bacilo de Koch, veja que a mulher dele não queria (os repórteres não se incomodam com a verdade), não era filho dela, né (pisca o olho, vaias da plateia)? Veja, gente, ele levou o bacilo pra dentro de casa, cuidou dele com todo desvelo, todo carinho, tirou um menino da rua, deu amparo, deu escola, deu faculdade (começa a chorar). Vocês vão desculpar, a emoção é muita (enxuga os olhos com a borda da camisa, a produção chama, ele insiste). Não tem importância, gente, isso me toca profundamente, viu? É que eu também fui adotado (grita, revoltado). Pai é quem cria, mãe é quem cria, não vem me dizer que quem pôs no mundo é que é o pai, é que é a mãe. Pai e mãe são aqueles que criam. Obrigado, pai, obrigado, mãe. E KOCH CRIOU, gente, uma grande salva de palmas (a plateia delira, levanta-se para aplaudir). Koch é O MAIORAL, não é, Datena?
DATENA - O Neto é o irmão que eu nunca tive… e nem queria ter.
REPÓRTER – não vamos baixar o nível (daí segue).

Serra, domingo, 31 de julho de 2011.

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