Cinco para Uma
Nair, cinéfila, começou a pensar: onde estava
e o que “pensava” a personagem cinco minutos antes? Seria melhor contar apenas
“antes da morte”, “antes do acidente”, porque não caberia tudo, teria de ser um
marco qualquer.
E começou a fazer um catálogo extenso,
reassistindo os filmes para verificar qual era a situação pouco antes de uma
personagem morrer, homens e mulheres nos filmes. Comédias, dramas, filmes de
guerra ou faroestes, nada escapava. Chamou a isso “cinco (minutos) para uma
(desgraça qualquer) ”. Na “vida real” também há isso, claro, mas não se poderia
senão a grande custo saber coisas sobre as pessoas: nos jornais não diziam e
não se poderia perguntar.
Nos filmes, como na vida, pensava, lá estavam
as pessoas todas frosô, todas empinadinhas e de repente cinco minutos depois
estavam mortas ou aleijadas ou soterradas. Nada garantia. Evidentemente nos
filmes que tinham negros esses eram os primeiros a morrer. Antigamente, então,
era pior, mas mesmo hoje é assim. Ela até fez estatísticas a partir de grupos
de personagens, principalmente nos filmes de terror: sempre era o negro a
morrer primeiro. As crianças, por mais idiotas que fossem e por mais que se
metessem em problemas, sempre eram poupadas pelo autor. Tinha de ser mesmo
assim. Mulheres antigamente morriam antes dos homens, mas hoje não era mais
assim. Latinos vinham depois dos negros. “Chicanos” estavam entre os latinos,
mas morriam de forma mais sórdida e eram sempre maus ou idiotas. Europeus
morriam antes, principalmente se franceses depois do 11 de setembro de 2001 e
depois da mentirada de Bush: os americanos pegaram birra com eles. Ingleses
escapavam sempre, embora os ingleses tivessem guerreado com os americanos em
1776 e os franceses tivessem ficado do lado deles.
Era bem característica a sequência das
mortes, desviava pouco.
Esquisito ninguém ter atentado para isso
antes.
Nair começou a publicar artigos e com isso a
incomodar a poderosa indústria cinematográfica. Os jornais começaram a
recusá-la depois da novidade. Reuniões foram feitas, Nair foi declarada persona
non grata, pararam de convidá-la para as premières e até mesmo a barrá-la nelas
e nos cinemas, ela que era “das antigas” e ia assistir em tela grande, só
depois alugando nas locadoras e gravando ou comprando.
Nair protestou formalmente na Justiça, mas
não havia provas, além do que muitos tinham receio da imprensa “pegar no pé”.
Nair foi à Igreja, que pôs panos quentes. Nair pregou cartazes, junto com os
poucos adeptos, e só tarde da noite, porque algumas vezes apanharam da polícia.
Era perigoso, mas iam assim mesmo. Divulgaram cartilhas, fizeram livro pagando
do bolso, mas não teve jeito. A verdade não interessava a ninguém, não estava
em tela. Pobre Nair, ela acreditava em democracia, sem saber dos mecanismos
subterrâneos.
Serra, domingo, 25 de julho de 2010.
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