segunda-feira, 29 de agosto de 2016


José e Maria

 

José e Maria foram atraídos por trilhas diferentes à Casa da Bruxa e lá foram enclausurados em celas contiguas que distavam poucos quilômetros uma da outra. E ali eram alimentados e atormentados com suas fraquezas e todos os venenos existentes no mundo. Montanhas de sal, de açúcar, de gorduras hidrogenadas e trans, e de amido em numerosas formas enganadoras. Eram viciados, como quase todos, e a bruxa sabia disso. Fazia parte de sua tarefa milenar escravizar os seres humanos.

José e Maria engordavam e tentavam emagrecer, uma batalha de vontades. Aliás, vontade era a cela do lado de José, liberdade era a jaula do de Maria. Para escaparem de suas prisões deveriam girar as chaves em sentidos contrários meia volta cada qual, de um lado reduzindo um pouco a vontade e do lado oposto-complementar reduzindo a liberdade outro tanto.

Mas cadê que José e Maria davam meia-volta?

Naturalmente todo dia a bruxa fazia ofertas diferentes.

Era sua tarefa, não adianta você querer culpá-la. Embora má, ela era uma funcionária do Céu e da Terra. Claro que encontrava prazer na maldade, qual ser humano não encontraria? Esse era seu pecado particular, o que a colocava no inferno, porém foi o jeito dela ser, que se pode dizer?

A bruxa os distraía: carrinho de brinquedo de um lado, computador do outro. Atenções necessárias aqui e acolá, quem não tinha necessidades? E precisões: quanto precisavam todos os seus quereres e suas liberdades. Muito atentamente cada um e todos colocavam suas linhas em suas agulhas e iam costurando o tecido da vida.

A bruxa os olhava atentamente, era uma psicóloga observadora.

Todos os seres humanos eram experimentos dela.

Tão fácil se encontrarem, mas nada os distraía dos objetos oferecidos, das pequenas mandingas produtivas, dos quebrantos objetivos, aquela atração das formas e das belezas. Que fácil!

Embora os seres humanos se tivessem em alta conta, imaginando-se capazes de escapar das armadilhas produtivas, na realidade pequenas coisas os mantinham presos, a ponta da corda de um estando amarrada a outro e assim sucessivamente até todos estarem trabalhando por quase nada de relevante.

José e Maria, em particular, tinham apenas de esticar as mãos, com o querer tocando a liberdade e vice-versa, mas cadê que faziam isso? Encontravam dificuldades. Isso hoje, amanhã aquilo. E assim seguiam presos na Casa da Bruxa cheia de guloseimas do dia a dia.

Tão perto e tão distantes.

Serra, quinta-feira, 17 de junho de 2010.

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