José e Maria
José e Maria foram atraídos por trilhas
diferentes à Casa da Bruxa e lá foram enclausurados em celas contiguas que
distavam poucos quilômetros uma da outra. E ali eram alimentados e atormentados
com suas fraquezas e todos os venenos existentes no mundo. Montanhas de sal, de
açúcar, de gorduras hidrogenadas e trans, e de amido em numerosas formas
enganadoras. Eram viciados, como quase todos, e a bruxa sabia disso. Fazia
parte de sua tarefa milenar escravizar os seres humanos.
José e Maria engordavam e tentavam emagrecer,
uma batalha de vontades. Aliás, vontade era a cela do lado de José, liberdade
era a jaula do de Maria. Para escaparem de suas prisões deveriam girar as
chaves em sentidos contrários meia volta cada qual, de um lado reduzindo um
pouco a vontade e do lado oposto-complementar reduzindo a liberdade outro
tanto.
Mas cadê que José e Maria davam meia-volta?
Naturalmente todo dia a bruxa fazia ofertas
diferentes.
Era sua tarefa, não adianta você querer
culpá-la. Embora má, ela era uma funcionária do Céu e da Terra. Claro que
encontrava prazer na maldade, qual ser humano não encontraria? Esse era seu
pecado particular, o que a colocava no inferno, porém foi o jeito dela ser, que
se pode dizer?
A bruxa os distraía: carrinho de brinquedo de
um lado, computador do outro. Atenções necessárias aqui e acolá, quem não tinha
necessidades? E precisões: quanto precisavam todos os seus quereres e suas
liberdades. Muito atentamente cada um e todos colocavam suas linhas em suas
agulhas e iam costurando o tecido da vida.
A bruxa os olhava atentamente, era uma
psicóloga observadora.
Todos os seres humanos eram experimentos
dela.
Tão fácil se encontrarem, mas nada os
distraía dos objetos oferecidos, das pequenas mandingas produtivas, dos
quebrantos objetivos, aquela atração das formas e das belezas. Que fácil!
Embora os seres humanos se tivessem em alta
conta, imaginando-se capazes de escapar das armadilhas produtivas, na realidade
pequenas coisas os mantinham presos, a ponta da corda de um estando amarrada a
outro e assim sucessivamente até todos estarem trabalhando por quase nada de
relevante.
José e Maria, em particular, tinham apenas de
esticar as mãos, com o querer tocando a liberdade e vice-versa, mas cadê que
faziam isso? Encontravam dificuldades. Isso hoje, amanhã aquilo. E assim
seguiam presos na Casa da Bruxa cheia de guloseimas do dia a dia.
Tão perto e tão distantes.
Serra, quinta-feira, 17 de junho de 2010.
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