O Fantasma na Máquina
Não é só você que sabe que não é possível, eu
também sei.
Mas essa coisa do “fantasma da máquina”, de
Ryle e Koestler, me levou a outros pensamentos, quais sejam, não ria, os de que
as máquinas têm alma. Sabe aquela impressora que parece ter vontade própria?
Comecei por aí. Elas são teimosas.
Os objetos, claro, são insolentes.
Ele não só tem vontade própria como são
pirracentos. A pior coisa – vou te dizer – é objeto que não obedece. Há gente
que não obedece, é lógico, mas ai já é liberdade dada por Deus, o tal do livre
arbítrio com o qual os escravagistas, os capitalistas e os ditadores têm de
lidar, mas essa é outra história, e divina, não é disso que estou falando, quem
sou eu?
Os objetos, as coisas são atrevidas, quando
elas não querem ir não vão mesmo, agarram daqui, agarram dali, acabam com a
nossa santíssima paciência. Já aconteceu com você? Pois então, comigo já
aconteceu numerosíssimas vezes, vou te contar, é irritante demais objeto que
não obedece, que trava, que resiste, que impede, é uma merda, vou te contar, é
um cocô total.
É demais, é demais, é demais.
Fico possesso, meus pelos chegam a eriçar.
Uma vez uma galinha não quis entrar no
congelador. Foi terrível, meu filho lembra até hoje. E há peças de roupa
revoltantes na independência delas, uma sem-gracice de arrepiar. São
inoportunas. Será que essas coisas não sabem o lugar delas? Objeto é para ter
vontade própria?
Eu, hein?
Tenho uma teoria de que cada um vem à vida
com o chamado contrato-de-vida, os termos operacionais, os limites, o manual,
se você quer ver assim. As coisas, os objetos podem se rebelar? É desse jeito
que acontece? É esse o contrato? Pelo amor de Jesus Cristo, tudo tem limite,
né?
Bem, essas são as coisas e os objetos, os
sem-vergonha.
Entretanto, há algo de mais sutil, se você me
entende.
São as máquinas, os aparelhos, os programas.
Esses são temperamentais, vou te dizer.
Quando um computador não quer funcionar não
funciona mesmo e está acabado, vou te dizer. Já perguntei pra muita gente e
todo mundo confirma, faça o teste você mesmo. Tudo está certinho e o merdinha
do computador acha de não funcionar e não tem nada que dê jeito. Não adianta
adular: vai, funciona! Ô, meu garoto, coopera aí! Nem tcham.
Quando engripa, engripa mesmo e tá acabado.
Obstrui, não sai, fecha, dá pau, dá tilt, chame como chamar, aquelas porrinhas
não dão o braço a torcer.
Chega a dar ânsia de vômito.
Uma vez quase joguei uma impressora pela
janela. Não sei se seria assassinato, não pensei na hora.
Acho que são almas que querem reencarnar e
não tem corpo pra elas, elas entram em qualquer lugar, aquelas titicas. Vamos
respeitar, ow.
Tem tela de computador que pifa sem mais nem
menos e volta a funcionar com a mesma displicência, sem o menor respeito pelo
freguês. Se eu fosse anotar a quantidade de vezes que me aborreci com
instrumentos e máquinas acho que gastaria um tempo enorme.
São sutis, vou te dizer.
Não são como os objetos sem engrenagens ou
partes conectadas. Os objetos inteiriços são grosseiros em relação às máquinas,
são como os animais em relação a nós, não tem muita compreensão. Já os
aparelhos são infernais. Minha mulher fica doida com os de cozinha, ela
partilha das minhas convicções, nós conversamos muito. Não queremos ser
preconceituosos com relação aos objetos, sei lá como Deus ou a Natureza fizeram
o mundo, não estamos aqui para contrariar ninguém, mas que eles são
temperamentais são mesmo. Até chamei um psicólogo amigo meu para conversar com
nossas máquinas, mas ele se negou, não sei porque, e ainda pediu que eu e a Maria
passássemos lá para conversar com ele.
Aqui pra nós, acho que ele protege as
máquinas e os objetos.
Serra, quinta-feira, 03 de junho de 2010.
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