terça-feira, 30 de agosto de 2016


O Fantasma na Máquina

 

Não é só você que sabe que não é possível, eu também sei.

Mas essa coisa do “fantasma da máquina”, de Ryle e Koestler, me levou a outros pensamentos, quais sejam, não ria, os de que as máquinas têm alma. Sabe aquela impressora que parece ter vontade própria? Comecei por aí. Elas são teimosas.

Os objetos, claro, são insolentes.

Ele não só tem vontade própria como são pirracentos. A pior coisa – vou te dizer – é objeto que não obedece. Há gente que não obedece, é lógico, mas ai já é liberdade dada por Deus, o tal do livre arbítrio com o qual os escravagistas, os capitalistas e os ditadores têm de lidar, mas essa é outra história, e divina, não é disso que estou falando, quem sou eu?

Os objetos, as coisas são atrevidas, quando elas não querem ir não vão mesmo, agarram daqui, agarram dali, acabam com a nossa santíssima paciência. Já aconteceu com você? Pois então, comigo já aconteceu numerosíssimas vezes, vou te contar, é irritante demais objeto que não obedece, que trava, que resiste, que impede, é uma merda, vou te contar, é um cocô total.

É demais, é demais, é demais.

Fico possesso, meus pelos chegam a eriçar.

Uma vez uma galinha não quis entrar no congelador. Foi terrível, meu filho lembra até hoje. E há peças de roupa revoltantes na independência delas, uma sem-gracice de arrepiar. São inoportunas. Será que essas coisas não sabem o lugar delas? Objeto é para ter vontade própria?

Eu, hein?

Tenho uma teoria de que cada um vem à vida com o chamado contrato-de-vida, os termos operacionais, os limites, o manual, se você quer ver assim. As coisas, os objetos podem se rebelar? É desse jeito que acontece? É esse o contrato? Pelo amor de Jesus Cristo, tudo tem limite, né?

Bem, essas são as coisas e os objetos, os sem-vergonha.

Entretanto, há algo de mais sutil, se você me entende.

São as máquinas, os aparelhos, os programas.

Esses são temperamentais, vou te dizer.

Quando um computador não quer funcionar não funciona mesmo e está acabado, vou te dizer. Já perguntei pra muita gente e todo mundo confirma, faça o teste você mesmo. Tudo está certinho e o merdinha do computador acha de não funcionar e não tem nada que dê jeito. Não adianta adular: vai, funciona! Ô, meu garoto, coopera aí! Nem tcham.

Quando engripa, engripa mesmo e tá acabado. Obstrui, não sai, fecha, dá pau, dá tilt, chame como chamar, aquelas porrinhas não dão o braço a torcer.

Chega a dar ânsia de vômito.

Uma vez quase joguei uma impressora pela janela. Não sei se seria assassinato, não pensei na hora.

Acho que são almas que querem reencarnar e não tem corpo pra elas, elas entram em qualquer lugar, aquelas titicas. Vamos respeitar, ow.

Tem tela de computador que pifa sem mais nem menos e volta a funcionar com a mesma displicência, sem o menor respeito pelo freguês. Se eu fosse anotar a quantidade de vezes que me aborreci com instrumentos e máquinas acho que gastaria um tempo enorme.

São sutis, vou te dizer.

Não são como os objetos sem engrenagens ou partes conectadas. Os objetos inteiriços são grosseiros em relação às máquinas, são como os animais em relação a nós, não tem muita compreensão. Já os aparelhos são infernais. Minha mulher fica doida com os de cozinha, ela partilha das minhas convicções, nós conversamos muito. Não queremos ser preconceituosos com relação aos objetos, sei lá como Deus ou a Natureza fizeram o mundo, não estamos aqui para contrariar ninguém, mas que eles são temperamentais são mesmo. Até chamei um psicólogo amigo meu para conversar com nossas máquinas, mas ele se negou, não sei porque, e ainda pediu que eu e a Maria passássemos lá para conversar com ele.

Aqui pra nós, acho que ele protege as máquinas e os objetos.

Serra, quinta-feira, 03 de junho de 2010.

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