sábado, 27 de agosto de 2016


Apagando o Passado

 

O Nilson teve idéia de colocar uma empresa.

Apagamento do Passado S.A.

Os amigos riram dele pra caramba.

- Pôrra, Nilson, de onde você tirou essa idéia?

- Cacete, Nilsinho, vô parar de andar contigo, cara.

Mas Nilson estava firme na idéia, ninguém conseguia tirar de cabeça. E explicava demoradamente.

- Gente, veja só, a quantidade de puta que quer casar, todos aqueles artistas de cinema e de TV que cheiravam ou cheiram ainda e querem passar por santos. Fiscais que roubaram pra caramba e entraram para as igrejas pentecostais. Juízes mergulhados na merda até o nariz. Políticos salafrários que assinaram leis canalhas.

O pessoal parou para escutar. Alguns até se ofereceram para ficar sócios. Robinho se adiantou.

- Nilson, como você vai fazer isso?

Já havia gente espichando o pescoço. Nilson explicou mais detidamente.

- Bem, vocês se lembram do quê do passado?

- Como assim?

- De quantas figuras históricas vocês lembram?

Nilson, que era historiador, foi discorrendo em detalhes as sordidezes do passado próximo e mais distante. Abriu o notebook e foi mostrando, as pessoas rodeando-o e ficando de queixo caído com a quantidade de podridão de gente que passava por pura.

- E isso numa época em que as pessoas escreviam em papel e não havia PowerPoint, agora nós podemos fazer de tudo, mentir online, full time. Se a pessoa nos contratar podemos ficar dia e noite apagando as notícias de toda parte, dia após dia, ano após ano até não restar nada. Aquilo que Stalin fez, só que em grande escala. Quando mais a apagar, mais caro.

- Podemos até inventar notícias (os amigos até já se sentiam parte da empresa que nem existia ainda).

- Isso não! Não vamos nos prostituir, antes de tudo honestidade na sacanagem. Honra entre bandidos: o que os bandidos mais prezam é o que não têm.

Nilson foi incisivo, taxativo.

- E como faremos isso?

Os carinhas já estavam até tirando os cheques na ânsia de participarem da empresa e dos lucros, que imaginavam imensos, tantos eram os sacanas nos governos e fora deles.

- Bem, vamos contratar hackers.

- Certo, mas do outro lado também há hackers, os governos os contrata, as grandes empresas, todo mundo.

- Merda, Manel, pensa um pouco: não vamos aonde não pudermos ir, não é? Toda precaução é pouca; ou recuamos ou cobramos mais e contratamos os hackers do outro lado.

- Quanto você acha que precisamos para começar?

- Uns 10 milhões, creio.

- Só?

O pessoal já estava crescendo os olhos.

- Bem, por enquanto. Quem tem isso?

- Ah, juntos é fácil.

Daniel, que estava calado, se meteu.

- Dou logo metade.

- Calma, gente, temos que contratar os advogados.

Ricardo também se manifestou.

- Conheço uns filhos de puta ótimos, aquele que ajudou o goleiro, lembram? Aquele que ajudou o pai e a mãe também é um corno das minhas relações. E aquele que conseguiu aqueles poucos anos para o matador da atriz, faz uns 15 anos, tão lembrados?

- Sim, claro (disseram todos). Boa idéia. Vamos deixar com o Ricardo.

- Contamos pros velhos?

- Nossos pais? Não, deixem os velhotes de lado. Logo estaremos mais ricos que eles e até eles vão nos contratar para apagar as patifarias, as amantes, os desvios de dinheiro, os paraísos fiscais.

- E há a contra-informarão também. As falsas informações plantadas com o intuito de conflitar com a verdade. Os governos fazem muito isso. A ENRON fez isso para enganar os acionistas. Tá pra nós. Encobertar é a ordem do dia. Corporações deitam e rolam nisso.

Daí uniram as mãos no alto. E riram muito. Do jeito que há sacanas no mundo, pensavam eles, logos estaremos podres de ricos e contrataremos a nós mesmos para mentir e apresentar-nos como próceres da sociedade, como mecenas amados pelos artistas. Logo receberemos comendas e seremos comendadores.

Serra, domingo, 25 de julho de 2010.

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