Denti-são
O garoto foi direto ao ponto, cravando os
dentes no dentista.
- Doutor, por que o senhor cobra tanto?
- Como assim?
- Mamãe falou que estamos gastando uma
fortuna em dentista.
- Bom, certamente não fica barato, mas ela
também falou noutro sentido, possivelmente. Por exemplo, você pensou que são
várias pessoas da sua família fazendo tratamento? Seu pai, por exemplo, quer
reconstituição total.
- É, mas o que o senhor faz?
- Como, o que faço? Faço tudo.
- Tudo, não, o senhor só coloca os nanobots
para trabalhar: os nano-robôs é que fazem tudo, reconstituindo os dentes na
terceira, na quarta, na quinta dentição.
- Droga de Internet 12.0, só fornece
informações pela metade. Escuta aqui, guri, quem é que programa os nanobots?
Quem administra a anestesia para vocês dormirem e já acordarem com tudo pronto?
Quem compra os nanobots, que custam uma nota preta?
- É o senhor, tá certo, mas os programas
estão disponíveis na i12.
- Então tente fazer você! É preciso calcular
os ângulos, a altura e conformação tridimensional geral do dente, a coabitação
conjunta deles, a inserção nas mandíbulas, a chance de rejeição, a largura de
cada um, a geometria de encontro de um com outro, a dureza, o encapamento (que
é feito sob encomenda: você sabia que os artistas pagam uma fortuna para ter
encapamento de ouro, de platina, de pó de diamantes? Os de vocês não custam nem
um centésimo, tá bom?).
- Tá certo, doutor, mas mesmo assim é muito.
- Então vá enfrentar os seis anos da
faculdade, com as aulas de física, engenharia, química, desenho por CAD-CAM 87
em 3D, cerâmica e tudo mais e você vai ver que está até barato. Aliás, quando
eu era pequeno meu pai contava uma história, de quando tinha posto de gasolina
e um garoto como você chegou bravo e depois de ter recebido os dois litros de
gasolina no recipiente, disse assim:
- “Papai falou que o senhor é ladrão”.
- “Por quê, ladrão? ”
- “É que o senhor tira gasolina debaixo da
terra e vende pra gente”.
- “Ah, é, então devolve aqui e fala pro seu
pai tirar gasolina de debaixo da terra”.
- Pegou os dois litros e derramou de volta no
tanque. Você tá igualzinho àquele garoto, vá estudar, ô menino. E aplicou mais
anestesia do que o normal, só de raiva. Um tiquinho a mais, para calar o
inconveniente. Precisava falar com o pai e a mãe desse abelhudo e insolente.
Serra, domingo, 13 de junho de 2010.
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