segunda-feira, 23 de janeiro de 2017


Zé Durão

 

                            Provavelmente conheci, mas não me lembro.

                            Dizendo que eu havia visto à venda na peixaria velha pouco depois de chegarmos a Linhares um robalo enorme, do tamanho de um homem, nos idos dos 1965, Alvacy Perim, meu tio por parte de mãe, fez reparo de que não era robalo, era outro peixe, cumurupim que subia do mar pelo Rio Doce nas enchentes, sendo pego por esse Zé Durão, de uma das quatro famílias (Durão, Azevedo, Calmon e outra) que estavam no início da Linhares do século passado, quando chegaram a possuir a maior parte do município.

                            Esse camarada, ao contrário dos demais, que armavam redes pequenas porque queriam pegar os peixes todos, colocava apenas redes de malha larga, com linhas fortes, que os grandes não podiam romper, enquanto estragavam as outras redes. Assim chegou a pegar cumurupim de 125 kg pesados. O que vi dava postas de um a dois quilogramas, enormes, fiquei admiradíssimo.

                            O tal Zé Durão esperava a primeira enchente, quando o mar botava água para cima, o Rio Doce correndo ao contrário, entrando pelo Rio Pequeno (ou São José), que também subia em vez de descer e ia desaguar ao contrário na lagoa Juparanã, barreando-a, deixando as águas vermelhas, para armar suas redes à espera da vazante. Ele exercia lá sua esperteza, que era pouco mais que cabocla, o ES já havia evoluído alguma coisa (porém a estrada, a BR 101-Norte depois de João Neiva, só foi inaugurada por Médici em 1975).

                            Há pelo Brasil afora uma quantidade de personagens que as letras e o cinema brasileiro, líbero-copistas, nunca quiseram expressar, sempre deixaram à margem da dignidade literária e cinematográfica. Ou poética ou de qualquer tecnarte. Nunca houve exploração, brutal ou refinada, das personalidades aqui geradas. Nunca puderam elas expressar-se através das telas, para os seus pontos focais culturais ou para a nação mais vasta. Nunca - há um permanente bloqueio, com rejeição do não-europeu, pelos elegantes papagaios repetidores daqui. E assim o Zé Durão, e milhares, e centenas de milhares como ele, nunca pôde, nunca puderam mostrar essa sabedoria que fez diferente o Brasil.

                            É uma pena.

                            Vitória, terça-feira, 07 de janeiro de 2003.

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