Zé Durão
Provavelmente
conheci, mas não me lembro.
Dizendo que eu havia
visto à venda na peixaria velha pouco depois de chegarmos a Linhares um robalo
enorme, do tamanho de um homem, nos idos dos 1965, Alvacy Perim, meu tio por
parte de mãe, fez reparo de que não era robalo, era outro peixe, cumurupim que
subia do mar pelo Rio Doce nas enchentes, sendo pego por esse Zé Durão, de uma
das quatro famílias (Durão, Azevedo, Calmon e outra) que estavam no início da
Linhares do século passado, quando chegaram a possuir a maior parte do
município.
Esse camarada, ao
contrário dos demais, que armavam redes pequenas porque queriam pegar os peixes
todos, colocava apenas redes de malha larga, com linhas fortes, que os grandes
não podiam romper, enquanto estragavam as outras redes. Assim chegou a pegar
cumurupim de 125 kg pesados. O que vi dava postas de um a dois quilogramas,
enormes, fiquei admiradíssimo.
O tal Zé Durão
esperava a primeira enchente, quando o mar botava água para cima, o Rio Doce
correndo ao contrário, entrando pelo Rio Pequeno (ou São José), que também
subia em vez de descer e ia desaguar ao contrário na lagoa Juparanã,
barreando-a, deixando as águas vermelhas, para armar suas redes à espera da
vazante. Ele exercia lá sua esperteza, que era pouco mais que cabocla, o ES já
havia evoluído alguma coisa (porém a estrada, a BR 101-Norte depois de João
Neiva, só foi inaugurada por Médici em 1975).
Há pelo Brasil afora
uma quantidade de personagens que as letras e o cinema brasileiro,
líbero-copistas, nunca quiseram expressar, sempre deixaram à margem da
dignidade literária e cinematográfica. Ou poética ou de qualquer tecnarte.
Nunca houve exploração, brutal ou refinada, das personalidades aqui geradas.
Nunca puderam elas expressar-se através das telas, para os seus pontos focais
culturais ou para a nação mais vasta. Nunca - há um permanente bloqueio, com
rejeição do não-europeu, pelos elegantes papagaios repetidores daqui. E assim o
Zé Durão, e milhares, e centenas de milhares como ele, nunca pôde, nunca
puderam mostrar essa sabedoria que fez diferente o Brasil.
É uma pena.
Vitória,
terça-feira, 07 de janeiro de 2003.
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