Reconstruindo a Nota Fiscal
Desde
quando entrei no Fisco estadual, a 02 de julho de 1984, mais de 18 anos atrás,
deparei com a nota fiscal e todas as possibilidades de sonegação de
informações, que é um fenômeno mais geral, da própria base corroída deste
modelo burguês e português de civilização, o Brasil.
Então,
fiquei pesando e pesando longamente uma solução. Que eu tenha o nome é já de mais
de uma década, desde bem lá para trás, mas a configuração final apareceu
recentemente.
Em
primeiro lugar, há todo tipo de falsificação: 1) a clonagem, que é os bandidos
copiarem uma nota fiscal verdadeira e autorizada (até os próprios donos podem
fazer isso); 2) a NF fria, que é a fabricação total dela; 3) o calçamento,
colocando-se uns valores nas vias que vão passar no posto fiscal e outros bem
menores nas vias que vão ficar no bloco para apresentação posterior à
fiscalização dos livros contáveis; 4) simplesmente jogar a NF fora; 5) combinar
com fiscais e conferentes de carga para os caminhões passarem direto, sem NF,
nos postos, e outras.
Os
nordestinos adotaram o Selo Fiscal, que é realmente um selo timbrado, cheio de
detalhes, que é colocado nela ao passar no PF. Os cearenses, em especial,
vasculham tudo, cada motorista ficando dois ou três dias, formando-se filas de
duas centenas de caminhões, para um estado de movimento relativamente pequeno.
São Paulo, no extremo oposto, não fiscaliza quase nada em postos. Rio de
Janeiro é descuidado, e o Espírito Santo fica no meio termo entre um extremo e
outro. Há notas timbradas em papel da Casa da Moeda, o que é adotado pelas
grandes empresas, visando impedir a falsificação interna de resultados pelos
empregados e desvio de produtos e dinheiro.
Os
mineiros adotaram a Data de Validade, que obriga as empresas a voltarem às
repartições (em geral de dois em dois anos), desde lá por 1992, o que o ES
copiou depois, seguindo-se outros estados. Entrementes, empresas pequenas
“laranjas” (em nome de terceiros, não-empresários, que usam empregados e até
desconhecidos para colocá-las – o objetivo é dar crédito às grandes -,
fechando-as logo em seguida e abrindo outras, e assim sucessivamente). São
Paulo e os estados do sul não adotam a Data Limite para Emissão, mas todos têm
a AIDF (Autorização de Emissão de Documentos Fiscais). Em Minas Gerais
afrouxaram para as pequenas empresas e em toda parte passaram a dar um prazo
mais longo, certamente por pressão das federações empresariais, que são
poderosas e influentes, mormente nos estados menores, onde as forças vivas são
menos “vivas”, menos espertas e interferentes, até indiferentes, por não
entenderem a questão.
Como
a fiscalização se dá até cinco anos (prazo prescricional das informações
tributárias) para trás e há pouco fiscais para uma administração fazendária
sempre relaxada e porisso favorável aos empresários, há muita margem de manobra
para a sonegação. A Máfia da Sonegação é de longe MUITO MAIS poderosa que as
outras todas juntas.
Por
outro lado, a NF é ineficiente, pois não ocupa o lado de trás, e quando o faz é
para colocar códigos, que podem ficar mais apagados ou em marca d’água ou
equivalente.
Ademais,
é difícil ler as informações das notas nos postos PORQUE não há padronização, a
gente não sabe efetivamente onde elas estão, ou deveriam estar SEMPRE,
independentemente do estado, o que vem de decisão do CONFAZ, Conselho
Fazendário (a nível nacional reunindo os secretários de estado da Fazenda de
todo o país pelo menos uma vez por mês). Em todo caso, HÁ LEGISLAÇÃO DEMAIS,
pois cada secretário que entra edita decretos e seus auxiliares portarias e
ordens de serviços aos borbotões, cada um querendo fazer e cercar mais, com o
quê, dialeticamente, fazem e cercam menos. Então, vai se criando um emaranhado
indecifrável, que nem os exegetas podem entender ou abarcar. Os legisladores
nas Assembléias e no Congresso vão criando leis ordinárias e leis
complementares aos montes.
Então,
a NF é a interface de toda a ineficiência e complacência de um lado com a
vontade inexaurível de sonegar do outro, virando essa barafunda até agora encontrada,
que sangra o povo e as obras que se poderiam fazer (sem falar no Caixa Dois
governamental e político em geral). É uma bandalheira fantástica, que renderá
muitas teses de mestrado e doutorado, pois o tributo é um dos fenômenos mais
incompreensíveis e menos estudados da geo-história humana, base de quase todas
as outras transgressões.
Daí
eu ter pensado numa série de soluções, que explicito no Anexo. Ali está uma
mera lista, que demanda progressos e continuidade de pensamento. Não estão
expandidos os itens, merecendo muito mais considerações e estudos.
Mas
é um adianto, como diz o povo.
O
caminho está em pensar continuamente a NF, como se fora um objeto
tecnocientífico de pesquisa & desenvolvimento teórico & prático.
Começando agoraqui, em quatro anos poderemos ter resultados palpáveis.
Para
começar, devemos ver a NF como uma operação bancária, o que ela é mesmo, pois a
SEFA, Secretaria da Fazenda, dá autorização às empresas para recolher o tributo
em seu nome, o que não é depois repassado. Sendo banco central, a SEFA deve
vigiar bem de perto as agências-empresas (de recolhimento), não só nos postos
fiscais, no trânsito de mercadorias, na fiscalização dos livros, como também
dentro dos bancos de dinheiro.
E
deve conscientizar o povo e as elites, o povelite/nação. Fiz o anteprojeto do Tributo
nas Escolas (que é originalmente idéia de Joemar Dessaune), passado como
lei por José Carlos Gratz na AL/ES e que virou depois a Consciência
Tributária, mais alguns projetos que não foram levados adiante, por
exemplo, o Jeca Tutu, uma Cartilha Pedagógico-Tributária.
De
um lado educação e, do outro, punição, cujo vetor seria a nota fiscal enquanto
interface para a violação.
Desenvolverei
mais o tema, tendo tempo.
Vitória,
terça-feira, 24 de setembro de 2002.
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