domingo, 1 de janeiro de 2017


Reconstruindo a Nota Fiscal

 

                            Desde quando entrei no Fisco estadual, a 02 de julho de 1984, mais de 18 anos atrás, deparei com a nota fiscal e todas as possibilidades de sonegação de informações, que é um fenômeno mais geral, da própria base corroída deste modelo burguês e português de civilização, o Brasil.

                            Então, fiquei pesando e pesando longamente uma solução. Que eu tenha o nome é já de mais de uma década, desde bem lá para trás, mas a configuração final apareceu recentemente.

                            Em primeiro lugar, há todo tipo de falsificação: 1) a clonagem, que é os bandidos copiarem uma nota fiscal verdadeira e autorizada (até os próprios donos podem fazer isso); 2) a NF fria, que é a fabricação total dela; 3) o calçamento, colocando-se uns valores nas vias que vão passar no posto fiscal e outros bem menores nas vias que vão ficar no bloco para apresentação posterior à fiscalização dos livros contáveis; 4) simplesmente jogar a NF fora; 5) combinar com fiscais e conferentes de carga para os caminhões passarem direto, sem NF, nos postos, e outras.

                            Os nordestinos adotaram o Selo Fiscal, que é realmente um selo timbrado, cheio de detalhes, que é colocado nela ao passar no PF. Os cearenses, em especial, vasculham tudo, cada motorista ficando dois ou três dias, formando-se filas de duas centenas de caminhões, para um estado de movimento relativamente pequeno. São Paulo, no extremo oposto, não fiscaliza quase nada em postos. Rio de Janeiro é descuidado, e o Espírito Santo fica no meio termo entre um extremo e outro. Há notas timbradas em papel da Casa da Moeda, o que é adotado pelas grandes empresas, visando impedir a falsificação interna de resultados pelos empregados e desvio de produtos e dinheiro.

                            Os mineiros adotaram a Data de Validade, que obriga as empresas a voltarem às repartições (em geral de dois em dois anos), desde lá por 1992, o que o ES copiou depois, seguindo-se outros estados. Entrementes, empresas pequenas “laranjas” (em nome de terceiros, não-empresários, que usam empregados e até desconhecidos para colocá-las – o objetivo é dar crédito às grandes -, fechando-as logo em seguida e abrindo outras, e assim sucessivamente). São Paulo e os estados do sul não adotam a Data Limite para Emissão, mas todos têm a AIDF (Autorização de Emissão de Documentos Fiscais). Em Minas Gerais afrouxaram para as pequenas empresas e em toda parte passaram a dar um prazo mais longo, certamente por pressão das federações empresariais, que são poderosas e influentes, mormente nos estados menores, onde as forças vivas são menos “vivas”, menos espertas e interferentes, até indiferentes, por não entenderem a questão.

                            Como a fiscalização se dá até cinco anos (prazo prescricional das informações tributárias) para trás e há pouco fiscais para uma administração fazendária sempre relaxada e porisso favorável aos empresários, há muita margem de manobra para a sonegação. A Máfia da Sonegação é de longe MUITO MAIS poderosa que as outras todas juntas.

                            Por outro lado, a NF é ineficiente, pois não ocupa o lado de trás, e quando o faz é para colocar códigos, que podem ficar mais apagados ou em marca d’água ou equivalente.

                            Ademais, é difícil ler as informações das notas nos postos PORQUE não há padronização, a gente não sabe efetivamente onde elas estão, ou deveriam estar SEMPRE, independentemente do estado, o que vem de decisão do CONFAZ, Conselho Fazendário (a nível nacional reunindo os secretários de estado da Fazenda de todo o país pelo menos uma vez por mês). Em todo caso, HÁ LEGISLAÇÃO DEMAIS, pois cada secretário que entra edita decretos e seus auxiliares portarias e ordens de serviços aos borbotões, cada um querendo fazer e cercar mais, com o quê, dialeticamente, fazem e cercam menos. Então, vai se criando um emaranhado indecifrável, que nem os exegetas podem entender ou abarcar. Os legisladores nas Assembléias e no Congresso vão criando leis ordinárias e leis complementares aos montes.

                            Então, a NF é a interface de toda a ineficiência e complacência de um lado com a vontade inexaurível de sonegar do outro, virando essa barafunda até agora encontrada, que sangra o povo e as obras que se poderiam fazer (sem falar no Caixa Dois governamental e político em geral). É uma bandalheira fantástica, que renderá muitas teses de mestrado e doutorado, pois o tributo é um dos fenômenos mais incompreensíveis e menos estudados da geo-história humana, base de quase todas as outras transgressões.

                            Daí eu ter pensado numa série de soluções, que explicito no Anexo. Ali está uma mera lista, que demanda progressos e continuidade de pensamento. Não estão expandidos os itens, merecendo muito mais considerações e estudos.

                            Mas é um adianto, como diz o povo.

                            O caminho está em pensar continuamente a NF, como se fora um objeto tecnocientífico de pesquisa & desenvolvimento teórico & prático. Começando agoraqui, em quatro anos poderemos ter resultados palpáveis.

                            Para começar, devemos ver a NF como uma operação bancária, o que ela é mesmo, pois a SEFA, Secretaria da Fazenda, dá autorização às empresas para recolher o tributo em seu nome, o que não é depois repassado. Sendo banco central, a SEFA deve vigiar bem de perto as agências-empresas (de recolhimento), não só nos postos fiscais, no trânsito de mercadorias, na fiscalização dos livros, como também dentro dos bancos de dinheiro.

                            E deve conscientizar o povo e as elites, o povelite/nação. Fiz o anteprojeto do Tributo nas Escolas (que é originalmente idéia de Joemar Dessaune), passado como lei por José Carlos Gratz na AL/ES e que virou depois a Consciência Tributária, mais alguns projetos que não foram levados adiante, por exemplo, o Jeca Tutu, uma Cartilha Pedagógico-Tributária.

                            De um lado educação e, do outro, punição, cujo vetor seria a nota fiscal enquanto interface para a violação.

                            Desenvolverei mais o tema, tendo tempo.

                            Vitória, terça-feira, 24 de setembro de 2002.

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