domingo, 22 de janeiro de 2017


O Judeu Errante


 

                            Na Bíblia, em João 21:20 para frente, temos: “Pedro, tendo-se voltado, viu que o seguia aquele discípulo que Jesus amava, o qual na ceia estivera reclinado sobre o seu peito, e lhe perguntara: Senhor, quem é o que te há de entregar? Por isso Pedro, vendo-o, disse a Jesus: Senhor, e deste que será? Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique, até que eu venha, que tens tu com isso? Tu segues-me. Correu logo esta voz entre os irmãos que aquele discípulo não morreria. Não lhe disse Jesus: Não morre, mas: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que tens tu com isso? ”, colorido meu.

                            Devido à particular construção, pode ser difícil decodificar.

·        “(...) tendo-se voltado, viu que o seguia (...)”. Seguia a quem? Evidentemente, se Pedro estava conversando com Jesus, estava junto dele, não poderia estar distante. Por outro lado, se o seguia, Pedro andava; se Pedro andasse, Jesus estando parado, os dois se distanciariam e não poderiam conversar, de onde se depreende que Jesus e Pedro estavam andando à frente e o discípulo seguia a ambos.

·        Esse discípulo era o que à mesa se inclinava “sobre o peito”, ou seja, era o mais íntimo, o que confidenciava, em total confiança de Jesus. E era justamente o que iria trair, pois Pedro “vendo-o” diz “DESTE”, não daquele nem desse, e sim o que está próximo, e era o que seguia. Então o que seguia, o que se inclinava e o que iria trair eram um e o mesmo, Judas. Está claro que Jesus o apontou e não terá sido com a mão, talvez com a cabeça ou o queixo, como fazemos corriqueiramente.

·        Daí Jesus fala uma das coisas mais extraordinárias (que, aliás, garantem sua autenticidade, porque quem teria imaginação para escrever como diálogo as coisas que ele diz?): “Se eu quero que ele fique, até que eu venha, que tens tu com isso? ”, colorido meu. Veja que ele não diz “que eu volte” e sim “que eu venha”. Ele não foi a algum lugar do qual devesse voltar, como a uma cidade próxima, tipo “vou a Linhares e volto quarta-feira”. Disse “até que eu venha”. Sinal que ficou na Terra mesmo. Jesus não volta, mas se apresenta, se mostra. E esse discípulo, que na minha opinião era Judas, “ficará”, isto é, não morrerá. No entanto ele se enforcou. Um filme recente sugeriu justamente que Judas não consegue se enforcar, fica dependurado sem morrer, sai e vive dois mil anos. Que castigo terrível, hem? Quem pensa que viver dois milênios é uma dádiva é doido varrido. Imagine só Judas devendo viver dois mil anos ou mais, passando inúmeras existências torturantes, até que Jesus “venha”, ou seja, na Rede Cognata saia, se apresente, se revele. Claro que o filme era de segunda ou de terceira, B ou C, mas pode ser construído como um filme piloto e até uma série de bastante sucesso. E “Não lhe disse Jesus ‘não morre’, mas (...)”. Jesus não disse que ele não morreria, morreria sempre, a cada dia, como castigo. A Rede Cognata traduziria como “se eu quero que ele fique” = SE EU QUERO QUE ELE SANGRE = SEQUE = SIGA (sendo F = S). Portanto, Judas morreria todo dia, sangrando e tendo que renovar o sangue tomando-o de outro, como nas lendas de vampiros = IMPUROS.

Sempre se falou do Judeu Errante, uma criatura (falsa ou verdadeira não se sabe) que viveria eternamente (ou, segundo esta interpretação, até que Jesus “venha”). Existia na minha infância a figura meio satânica do Homem da Capa Preta, que pode ser uma transliteração da lenda, para assustar as crianças, afastando-as de possíveis captores, ciganos ou não, pois ele teria um saco onde colocaria as crianças. Como as mães estavam sempre trabalhando em casa e os pais fora, viajando ou não (o meu era motorista, ficava longos períodos fora de casa, sofrendo pelas estradas de então), implantavam esse comando hipnótico garantidor nas crianças.

A coisa fica assim: dois milênios constituem tremendo castigo pela traição. Sondar essa punição num filme de grande envergadura seria o máximo. Quem gostaria de ter estado na pele de Judas?

Vitória, sábado, 04 de janeiro de 2003.

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