Lugares Comuns

 

Essa rede de supermercados é muito boa.

Tem de “batata da perna” (fica crocante e sem gordura quando frita) nas bancas de verduras até sapatos Pé da Serra para mulheres e Pé do Morro para homens.  Se você precisar de chave de ouro para fechar, tem; tem o filme O Diabo Foge da Cruz (Penélope Cruz – só pode ser gay); se você não puder passar pela rua de baixo, poder Dar a Volta por Cima num carro último tipo, vendem também; vendem aparelhos de som em Alto e Bom Som; se você “Deixou a Desejar” e sua mulher não gostou pode dar rosas.

Em resumo, é sortido.

Se estiver com Dor de Cotovelo e não souber como consertar, lá você pode obter ajuda.

Fica na esquina da Teixeira com a Vitória.

É, ali mesmo.

Se você precisar de botas cano-longo tipo Bota de Sete Léguas, vá lá.

Se precisar de solados grossos do gênero Pé de Cana, é o lugar certo. 

Lugares Comuns, tá escrito em “letras garrafais”, imensas, se você precisar para Natal ou Carnaval, elas vêm todas dentro de garrafas. Se você comprou uma bola e estragou, tem garantia, eles trocam as bolas.  Se você precisar tirar água do joelho, lá tem médicos, é incrível o que eles fazem pela gente, nem parece supermercado.

“Garantias constitucionais” que funcionam mesmo, é de pasmar! É sim, é sim, nem adianta duvidar, a primeira vez que você for e comprar vai ver que dura mesmo, é para sempre, praticamente.

Procê ver como é diferente, se o leite derramar e você chorar sobre o leite derramado, eles te dão outra caixinha.  Vão ganhar o mercado, com toda certeza.  Ham, você não sabe de nada, não sou parente do dono não, eu gosto mesmo: uma vez eles descascaram o abacaxi para mim! Exagero nada, a pura verdade. Os funcionários são tão atenciosos que uma vez eles seguraram o pepino para mim.

Se por acaso u’a meia estragar, se tiver um furo você leva lá e eles fazem o outro do par de meia, é sim, eles fazem o pé de meia e você não precisa ser deputado. Fiquei tão surpreso, nem parecia o Brasil! Pelo amor de Deus. Qualquer um faz o par de meia.

Estou te dizendo, meu amigo, pendurei minhas chuteiras lá, não saio mais, estou até me sentindo gente, tratamento de primeiro mundo, eles se preocupam mesmo com a gente.

Tutti bona gente.

Serra, sexta-feira, 02 de março de 2012.

Lobo Mau e Chapeuzinho Vermelho

 

Lobo Mau estava vestido a rigor, precisava ver, todo apurado, barba aparada, cabelo cortado à escovinha, mas elegante, com fraque, inclusive cartola. Sapato de cromo alemão, gravata borboleta, lenço no bolso, um luxo só.

Chapeuzinho portava um tailleur justíssimo, todo negro, elegantérrimo, como disse a coluna de fofocas de um grande jornal da capital. Já que ela malhava todo dia o corpo estava enxutíssimo, nos trinques, como dizem os pobres. O que atrapalhava mesmo era o chapeuzinho vermelho, sobre o qual ela reclamava.

- Que coisa brega, cafona, estou parecendo torcedor do flamengo (a Chapeuzinho era esnobe, como dizia Billy Blanco, “não fala com pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho”. Esnobe até onde chegou e parou, complexo de inferioridade devido às suas origens, pois nos primórdios, lá para trás, era mula da própria mãe, vivia carregando os embrulhos no tráfico com a vovozinha até dentro da mata, onde esta se escondia, conhecida traficante da Boca da Mata).

- Bem, temos de manter a pose. Como está vendo, tenho de manter a fama de mau.

- É mesmo, querido, esqueci o pai devotado da Gangue dos Lobinhos Vermelhos que você é, ensinou tudo que eles sabem.

Lobo Mau estufou o peito de orgulho.

- Então, bem, lembra o acordo que fizemos para tapear o Lenhador? Ele queria me pegar na boa, policial xereta, safado. É a mesma coisa.

- Por assim dizer eu era uma menininha, né?

- Bem sapeca, para falar pouco, tinha 19 mas fingia que tinha 13, pequeninho como sempre esse vulcão, eu que sei.

- Pois é, amor, mas esse chapéu não me convence.

- Temos de manter a pose, vou insistir que temos de manter a pose. Agora que peguei os pontos de sua avó e a banca de bicheira de sua mãe estamos por cima, ano que vem me eleger deputado, depois prefeito, vou carregar até o cofre, meu modelo de vida é o Toninho Malvadeza e o Sarninha. Sobre o Toninho comprei Memórias das Trevas e do Sarninha Honoráveis Bandidos, são meus livros de cabeceira. Se tudo der certo vou aprender muito com eles.

- Certo, querido, você acha que estou administrando bem nossos negócios escusos?

- Bem, se não houver uma boa secretária, uma secretária de confiança para administrar as tarefas nessa nossa prefeitura o que será de mim?

- Se você diz... Qual devo usar?

- Usa aquele imitando policial inglesa, fico com tesão só de pensar.

Serra, quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012.

Jogo de Xadrez

 

O novato estava todo empolgado, achando que iria abafar, feliz da vida por mostrar seus talentos.

Outros nove do seu time e do outro time estavam todos tristes (menos o Micro), de cabeça baixa, aborrecidos da vida, como se fosse coisa terrível jogar futebol e não grande prazer, até porque sendo todos presos de alta periculosidade era acontecimento o diretor ter permitido o jogo no xadrez de Vila Paçoca de Vidro. Quase duas horas ao sol, era um acontecimento. Lili Demorada (veja o livro, liberdade demorada) jamais viria, prisão perpétua.

Ficou curioso.

Chegou-se ao Zinho, vizinho de cela, cada qual isolada e barrada, nem dava para esticar a mão para cumprimentar, não tinha folga naquele manicômio, era dureza mesmo, pedreira, mermão. Pedreira da pior qualidade, cada pedrão enorme com um martelinho que nem dava pra tirar casca de feijão. Nem visita da mulher permitiam. Zinho tinha matado quatro num debate ameno e sem rancor no Bar-cão, porisso ele foi com jeito. Ele mesmo tinha esfaqueado a mulher – já estavam de bem - e dois cunhados, mas não é bom implicar.

- E aí, Zinho?

- Que é, hem?

- Nada, não, sou tou achando curioso o pessoal estar todo de cabeça abaixada, dos dois times.

- Cuida da tua vida, pôrra.

Entraram em campo, os dois times se esforçavam de verdade, cada qual literalmente dando a vida por aquilo, suavam em bicas, davam porrada, davam rasteira. O novato se esforçou, mas não foi tanto, pra que tanta agressividade? Ele ia se poupando.

Fim do primeiro tempo o outro time tava ganhando de dois de vantagem, 3 x 1, e pulava que era uma alegria só.

Ele se aproximou do Micro, que era cabra imenso, mais de 2,10, com uma cicatriz gigantesca no rosto, mas doce feito uma garotinha, nem quis saber. O Micro já tinha descadeirado três no jogo, que foram substituídos e saíram feridos, mas felizes da vida, como se tivessem ganhado na loteria. Que coisa mais esquisita!

- Tudo legal, Micro?

- Tudo.

- Nós tamos perdendo, mas você é o único que não está arrancando os cabelos, fora eu.

- Por causa do meu tamanho, ninguém vai se meter. Já poquei 15 das vezes que joguei e perdi. Falar nisso o pessoal do nosso time tá querendo te pegar. Fica aqui perto, achei você legal.

                        - Me pegar?! Por que?

- Cê num tá dando o sangue.

- Tá certo que não tou correndo tanto, nem me rebentando, mas estou me esforçando.

- É, mas tamos perdendo de três a um, dois gols a mais.

- Certo, é ruim, mas o que tem demais, como dizem lá fora, o que vale é competir.

- Não aqui. Aqui vale mais.

- Como assim? Dois é dois.

- Tá vendo como nosso time tá triste? Eles vão tentar DE QUALQUER MODO virar o jogo, pode dar até morte, o diretor não quer nem saber, quer ver é sangue, tá vendo como os guardas tão felizes? (e apontou para as arquibancadas; nas cadeiras estavam os guardas e a diretoria, inclusive o psicólogo-psiquiatra dos odiados eletrochoques, e na geral estavam os outros presos, todos riam, gargalhavam de se mijarem).

Olha, Zecão (ele era pequenininho, um metro e sessenta, porisso o pessoal achava mais engraçado ainda e o time dele reclamava mais ainda, ele achava indecoroso), num sabe isso de ninguém ter mulher?

- Sei, é ruim demais, no máximo telefonema.

- Pois é, como cê acha que o pessoal se satisfaz?

- Não sei... (o Zecão era lerdo demais).

- Pensa um pouco mais.

- Não! ...

- É, sim, com toda certeza.

E sabe os dois gols de diferença?

- Não! ...

- É, sim, pode acreditar, é a quantidade de vezes.

Zecão entrou com tudo no segundo tempo.

Serra, domingo, 05 de fevereiro de 2012.

João e Maria e os Quatro Grupos Alimentares

 

FAZENDO GRUPO

“Os alimentos se dividem, basicamente, em energéticos (carboidratos e gorduras), formadores (proteínas) e reguladores (fibras e vitaminas) do organismo. ‘Em geral, o que se recomenda é que a pessoa divida a sua dieta em 55 a 60% de carboidratos, 30% de gorduras (de preferência de origem vegetal) e 15% de proteínas’, recomenda a nutricionista”.
·                     Grupo 1 Os alimentos ricos em carboidratos, que fornecem as calorias necessárias para o crescimento e para as atividades diárias. São ricos em fibras e vitaminas do complexo B. Mais da metade das calorias de que precisamos vem de alimentos deste grupo. Por isso, precisam ser ingeridos em maior quantidade. É importante que eles estejam presentes no café da manhã, no almoço e no jantar, na forma de pães, biscoitos, torradas, cereais, arroz, batata, mandioca, macarrão ou outros tipos de massas. Também são ótimas opções de lanches. ·                     Grupo 2 Alimentos ricos em proteínas, essenciais ao crescimento da criança. Fornecem ferro e vitaminas. Ideais no almoço e no jantar, na forma de carne de vaca e de frango, peixes, fígado, ovos, feijão, lentilha, ervilha, salsicha, peru. ·                     Grupo 3 Formado pelos vegetais e legumes, que fornecem vitaminas, minerais e fibras, e ajudam na manutenção e funcionamento do corpo. São exemplos os vegetais de folhas verde-escuras e legumes amarelos, como a cenoura e a abóbora. Podem ser crus ou cozidos. ·                     Grupo 4 Formado pelas frutas. Elas são ricas em vitaminas, principalmente a vitamina A e a vitamina C, minerais e fibras. O ideal é comer uma fruta rica em vitamina C todos os dias ou tomar um suco dessas frutas, como laranja, morango, kiwi, limão, goiaba, caju. ·                     Grupo 5 Formado pelos laticínios leite, iogurte e queijo. Eles fornecem cálcio, fundamental para o desenvolvimento e fortalecimento dos ossos, e, também, proteínas. Leite integral enriquecido com ferro ou com adição de vitaminas é o mais indicado para os que estão na faixa de 1 a 6 anos. Para as crianças de 7 a 10 anos, é melhor o leite integral. Os leites semidesnatado e desnatado só devem ser adotados por recomendação médica ou de nutricionista quando houver história de obesidade e doenças cardiovasculares na família.

João e Maria se perderam na Selva de Pedra e foram parar na Supermercasa da Bruxa, que era cega, por vezes esbarrava nas pessoas e catbum, já era, já foi, já passou, deixou de ser.

Certo, ela lhes dava para engordar os quatro (que às vezes são três e às vezes são cinco, dentro dos princípios da ciência) tipos básicos de alimentos (carboidratos, frutas, vegetais e legumes, laticínios e proteínas), mas tudo sortido e torcido. Por exemplo, se o produto era apresentado “sem adição de açúcar” não quer dizer que não tivesse açúcar, só não foi adicionado, podia ter o que já estava na fruta. Se fosse light/luz não seria necessariamente dietético/diet – este era de privação de açúcar, mas poderia ter amido, que se transforma rapidamente no açúcar e eleva as taxas de glicose. Uns provocavam ácido úrico (todo tipo de proteína em excesso: ovos, carnes, leite e derivados, peixes, feijão, um mundo de ofertas tentadoras), outros felizmente aumentavam a pressão e o stress. Café e chás podiam ser tomados com adoçantes, que eram cancerígenos brabérrimos. E existiam os condimentos que atacavam o organismo. Ou as carnes com aditivos que contaminavam seu fígado.

João e Maria estavam sendo engordados pela Bruxa para o banquete, quando ela convidava a Morte para cear.

Se deixavam de consumir açúcar industrializado e pegavam açúcar mascavo, este era tão venenoso quanto o outro. Tudo tinha muito sal para fazer mal ao coração, muito açúcar para adoçar a glicose, muita gordura para entupir as veias, muitos condimentos, muito amido e tudo para fazer as alegrias hospitalares e aumentar as contas de pessoas e governos.

A Bruxa ria. Tinha um acordo silencioso com o Hospita-Lar e a Fármaco Peia. Com a boca diziam “não coma, siga as regrinhas da pirâmide alimentar” e com a outra ofertavam as gulo-senhas. Receitas esplêndidas na televisão e na mídia toda, revistas ensinando a engordar.

João e Maria mostravam os dedinhos cada vez mais gordos.

A Bruxa ria e lambia os dentes.

Serra, sexta-feira, 09 de março de 2012.

Infoterreiro

 

Com isso da Web, Net, Infovia e equivalentes os donos de terreiro viram-se obrigados a modernizar-se, contemporanizar-se, pós-contemporanizar-se, enfim projetar-se no futuro e na infocibernética. Contrataram decoradores, tapeceiros, pintores e todo tipo de artista para atualizar a aparência e, mormente, os tecnocientistas para implementar a política de inclusão digital dos terreiros da Confederação Umbandista Brasileira Informatizada, CUBI. Um novo vínculo entre Magia e Ciência foi estabelecido, com ambas as partes se chegando com muito cuidado, muita delicadeza, não fossem os tecnexus (tecno-exus) aborrecer-se.

TECNOPAI DE SANTO – ô mizifio, suncê recebeu um exumail dos astral.

WEBFIO – ô, meu pai, diga lá.

TECNOPAI – aqui diz que suncê está sendo invadido por um vírus maligno, um trabalho científico muito bem feito, coisa das matas, arrepio de sangue, vamo ter de responder à altura, mizifio.

NETFIO – responde, então, meu pai. Manda um e-cavalo de Tróia pra eles, faz um mega-trabalho tecnocientífico aí, mopai.

TECNOPAI – é brabeza, mizifio, é vírus baiano, ele se esconde muito, tá difício de pegar, só trabalha na hora que quer, é aleatório. Ah, é, né, é pra apelar? Vô chamar as potença superior.

O computador, monitor com tela de 35 polegadas, hard disk de 2,0 teras fumegava, soltava fumaça pelas ventas.

TECNOPAI – quenta essa, seus ordinari, vô apelar pros weborixás.

TECNOFILHO (apreensivo) - não é muito pesado, meu pai, ocupar todo o espaço espiritual com uma guerra tão grande? Não pensei que o meu problema fosse tão profundo assim, deixe pra lá.

NETPAI (nem prestando mais atenção) – arregaça, capeta. Desafasta, tecnocoisa ruim. O backbone etérico tá ficando arretado, tá congestionando, tô nem aí. Vai sobrá pros bandidos, que me desafiá, né? Valha-me Ifá. Ih, eles apelaram pra Baiani. É jogo duro, né, seus i-cornos? Socorrei-me Ododua. Suncês tão protegendo os congressistas, né? São suncês, né? Então, tuma. Levou?

Nisso a sala tava um fumaceiro só, entrou mais gente para ajudar, vários tecnopais que não queriam perder a batalha juntaram os seus teclados na mesma máquinexu. Voaram raios, um atingiu o tecnofilho, que não tinha proteção nenhuma, ele decidiu sair para espairecer. Chegou do lado de fora a sala tinha virado uma escuridão só, raios pipocavam, uma enchente varreu o Rio de Janeiro, Joãozinho 29 morreu, Tilma foi eleita.

Ele saiu de fininho e levou a máquina a uma oficina comum.

Serra, quinta-feira, 26 de janeiro de 2012.

Hugo Imorales

 

O Hugo tinha uma casa e nela um amigo, o Pedróleo, negro distinto e muito trabalhador, tinha feito fortuna, Hugo o explorava muito, achava que com ele podia tudo, mas o Pedróleo superexplorado ia se acabando, coitado. A parte Imorales de Hugo, que era a parte de trás, soltava muitos gases e envergonhava os amigos.

Só por andar junto com o Pedróleo o Hugo se achava o tal, por todos se curvarem diante deles e pensarem que em caso de oposição o Pedróleo não iria mais visitá-los com as boas notícias e facilidades.

O Hugo tinha casa de certo tamanho dum lado da rua e logo adiante outra menor, separadas as duas por uma terceira, que não era propriamente sua amiga. De uma rua próxima o Hugo recebia notícias e instruções do Fiel, um gavião que torcia as coisas do jeito dele e lhe dizia o que fazer no jogo, para quem torcer. Fiel enchia a cabeça do Hugo sobre o que fazer, o que dizer, quem contestar, praticamente mandava nele, como Hugo mandava no Pedróleo.

Do outro lado da rua havia um casarão bem maior cujo proprietário era de outra cultura, não apreciava muito essas liberdades do Hugo, mas por algum tempo a casa foi administrada por um mordomo destrambelhado (simpatizante de Hugo), enquanto o dono estava fora e não se manifestava. Depois esse mordomo chamou a govern/anta muito autoritária que confundia as coisas e as casas, achava que aquela era a casa da mãe Joana, mas não era.

O dono da casa estava voltando, prevendo já certo debate acalorado com os Imorales todos daquela família, verdadeiro confronto, pois parece que estava bem aborrecido.

Aquele Hugô achava que o jogo dele com o Fiel não estava sendo visto, as conversas de bastidores, as injunções, mas estava sim, era transparente.

[Este é só o capítulo I, veja a emocionante sequência em Hugô Passa Mal].

Serra, quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012.