Jogo de Xadrez
O novato estava todo empolgado,
achando que iria abafar, feliz da vida por mostrar seus talentos.
Outros nove do seu time e do outro
time estavam todos tristes (menos o Micro), de cabeça baixa, aborrecidos da
vida, como se fosse coisa terrível jogar futebol e não grande prazer, até
porque sendo todos presos de alta periculosidade era acontecimento o diretor
ter permitido o jogo no xadrez de Vila Paçoca de Vidro. Quase duas horas ao
sol, era um acontecimento. Lili Demorada (veja o livro, liberdade demorada)
jamais viria, prisão perpétua.
Ficou curioso.
Chegou-se ao Zinho, vizinho de cela,
cada qual isolada e barrada, nem dava para esticar a mão para cumprimentar, não
tinha folga naquele manicômio, era dureza mesmo, pedreira, mermão. Pedreira da
pior qualidade, cada pedrão enorme com um martelinho que nem dava pra tirar
casca de feijão. Nem visita da mulher permitiam. Zinho tinha matado quatro num
debate ameno e sem rancor no Bar-cão, porisso ele foi com jeito. Ele mesmo
tinha esfaqueado a mulher – já estavam de bem - e dois cunhados, mas não é bom
implicar.
- E aí, Zinho?
- Que é, hem?
- Nada, não, sou tou achando curioso o
pessoal estar todo de cabeça abaixada, dos dois times.
- Cuida da tua vida, pôrra.
Entraram em campo, os dois times se
esforçavam de verdade, cada qual literalmente dando a vida por aquilo, suavam
em bicas, davam porrada, davam rasteira. O novato se esforçou, mas não foi
tanto, pra que tanta agressividade? Ele ia se poupando.
Fim do primeiro tempo o outro time
tava ganhando de dois de vantagem, 3 x 1, e pulava que era uma alegria só.
Ele se aproximou do Micro, que era
cabra imenso, mais de 2,10, com uma cicatriz gigantesca no rosto, mas doce
feito uma garotinha, nem quis saber. O Micro já tinha descadeirado três no
jogo, que foram substituídos e saíram feridos, mas felizes da vida, como se
tivessem ganhado na loteria. Que coisa mais esquisita!
- Tudo legal, Micro?
- Tudo.
- Nós tamos perdendo, mas você é o
único que não está arrancando os cabelos, fora eu.
- Por causa do meu tamanho, ninguém
vai se meter. Já poquei 15 das vezes que joguei e perdi. Falar nisso o pessoal
do nosso time tá querendo te pegar. Fica aqui perto, achei você legal.
- Me pegar?! Por que?
- Cê num tá dando o
sangue.
- Tá certo que não tou
correndo tanto, nem me rebentando, mas estou me esforçando.
- É, mas tamos perdendo
de três a um, dois gols a mais.
- Certo, é ruim, mas o
que tem demais, como dizem lá fora, o que vale é competir.
- Não aqui. Aqui vale
mais.
- Como assim? Dois é
dois.
- Tá vendo como nosso
time tá triste? Eles vão tentar DE QUALQUER MODO virar o jogo, pode dar até
morte, o diretor não quer nem saber, quer ver é sangue, tá vendo como os
guardas tão felizes? (e apontou para as arquibancadas; nas cadeiras estavam os
guardas e a diretoria, inclusive o psicólogo-psiquiatra dos odiados
eletrochoques, e na geral estavam os outros presos, todos riam, gargalhavam de
se mijarem).
Olha, Zecão (ele era
pequenininho, um metro e sessenta, porisso o pessoal achava mais engraçado
ainda e o time dele reclamava mais ainda, ele achava indecoroso), num sabe isso
de ninguém ter mulher?
- Sei, é ruim demais, no
máximo telefonema.
- Pois é, como cê acha
que o pessoal se satisfaz?
- Não sei... (o Zecão
era lerdo demais).
- Pensa um pouco mais.
- Não! ...
- É, sim, com toda
certeza.
E sabe os dois gols de
diferença?
- Não! ...
- É, sim, pode
acreditar, é a quantidade de vezes.
Zecão entrou com tudo no
segundo tempo.
Serra, domingo, 05 de
fevereiro de 2012.
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