O Olhar
No Darwin, de
Vitória/ES, os professores perguntaram a Gabriel, meu filho de 16 anos que está
cursando o integral do terceiro ano do segundo grau, o que era o olhar: que ele
discorresse sobre isso.
Em profundidade
podemos fazê-lo de muitos modos, segundo o modelo que escrevi.
Em primeiro lugar
teríamos as CONDIÇÕES DO CONHECIMENTO:
altos (Magia, Teologia, Filosofia e
Ciência) e baixos (Arte, Religião,
Ideologia e Técnica) e matemático do emissor e do receptor, conforme sua
potência ou inteligência explicativa. A Tecnociência (em maiúsculas conjunto ou
família ou grupo de ciências) se abriria em Física/Química, Biologia/p.2,
Psicologia/p.3, Informática/p.4, Cosmologia/p.5 e Dialógica/p.6 – na assim
chamada Pontescada Tecnocientífica, pelo seu lado alto, e em Engenharia/X1, Medicina/X2,
Psiquiatria/X3, Cibernética/X4, Astronomia/X5 e Discursiva/X6, para interpretar
as naturezas, de N.0 a N.5, da Físico/Química à Dialógica/p.6. A Psicologia,
por outro lado, se abriria em Psicanálise (quem? – Figuras), Psico-síntese
(para quê? – Objetivos ou metas), Economia/Produção (com quê? – Objetos ou
produtos), Sociologia/Organização (como? – Métodos ou ordenamentos) e
Geo-História (quando-onde? - Espaçotempo ou tempespaço, tempolugar,
pontinstante ou geografia-história). Em que tempo nos situamos? Temos um
sistema de contagem que começa em 1 d.C., depois de Cristo e nos coloca
agoraqui no ano 2002. E quanto ao espaço, onde nos situamos? Se estivermos no hemisfério norte veremos de
um modo (aí podemos dividir o planeta em latitudes, longitudes e altitudes -
360° x 360° x “n” partições, desde o nível histórico do mar, por exemplo a
preamar de 1900, num sistema qualquer de medição, digamos o padrão SI, Sistema
Internacional de Unidades, em metros ou múltiplos ou submúltiplos). A Economia
se abriria em seus setores: agropecuário/extrativista, industrial, comercial,
de serviços e bancário, que é o coração ou centro da produção. E ainda podemos
falar de quatro teorias sobre as indústrias, fora a Teoria de Campo, ou Teoria
de Tudo na Economia, que reúne os elementos pelo centro – o quinto elemento ou
modelo. Faz todo sentido saber a que altura ou profundidade se situa o emissor
e o receptor. Se um está num nível muito profundo (o central, por exemplo) da
teoria industrial na economia, que é uma psicologia, que é uma ciência, que é
um dos cinco conhecimentos, e outro é um diletante popular, então a transmissão
de conhecimento sofre distorções, perdendo-se muito no trânsito. Ainda
poderíamos colocar os avanços relativos da produção, os quatro mundos
(primeiro, segundo, terceiro e quarto – na Terra, com até há pouco 217 países,
seriam quatro grupos de 55 deles, aproximadamente). É diferente o estado de
espírito do observador na Suécia e no Zaire, devido às menores ou maiores
pressões socioeconômicas ou de produçãorganização.
Em segundo lugar,
podemos indagar das CONDIÇÕES DE
TRANSMISSÃO ou meio (Mcluhan dizia que “o meio é a mensagem”, ou seja, o a
mensagem depende integralmente do meio). Nestes termos deveríamos apelar para a
Bandeira Elementar: ar, água, terra/solo e fogo/energia, nos vértices de um
losango, como numa bandeira brasileira, tendo no centro a Vida geral e no
centro do centro a Vida-racional. Transmite-se através do ar? O mecanismo
modulador é eficiente no confronto com o meio-de-transmissão? Qual é o seu
rendimento? Num planeta como a Terra fomos preparados pela evolução,
situando-nos em nosso específico nicho ecológico humano para proporcionar-nos
um certo rendimento; se fôssemos transpostos a ou transportados para Marte a
coisa mudaria totalmente de figura, porque o ar local é escasso, ou seja, Marte
reteve pouca atmosfera, em virtude de sua pequena massa relativa. Teríamos
dificuldade de falar.
Em terceiro lugar
teríamos as CONDIÇÕES DE CHAVE CST
(ou do ESTAR). Chave do TER (CT): matéria, energia e informação. Chave do SER
(CS): memória, inteligência e controle ou comunicação. Somos ricos (A),
médios-altos (B), pobres (C) ou miseráveis (D) em informação-controle/comunicação,
info-controle ou IC? Uma criança treinada nas melhores escolas desde o
pré-primário até o final do terceiro ano do segundo grau não pode ser comparada
em expressividade a outra que venha de alguma relaxada e não-exigente escola,
pública ou privada. Teria tido muita matéria, energia e informação à
disposição? E quanto às sub-condições CS? Qual é seu índice de MIC (chamei de
QIMC, Quociente de inteligência, memória e controle – não só o autocontrole
como também o controle externo ou condutividade)? Em geral, qual seu nível de
QEIM (Quociente de energia, informação e matéria) e de QIMC, ou QEIM/QIMC, ou
QQ? A pessoa tem tempo e espaço em casa para estudar? Dispõe de informações
atualizadas? E assim por diante.
Em quarto lugar
podemos pensar nas CONDIÇÕES DA PIRÂMIDE
PESSOAMBIENTAL (pessoas:
indivíduos, famílias, grupos e empresas; ambientes:
municípios/cidades, estados, nações e mundo). Que conjuntos cercam o
observador? Eles o estimulam ou castram? A situação de predisposição ao olhar é
de aceitação ou recusa? A pessoa se sente intimidada ou favorecida na pesquisa
& desenvolvimento (P&D) por seu ambiente? Além da mesopirâmide poderíamos falar da micropirâmide (como se formou o ser que olha: partícula
primordial, subpartículas, átomos, moléculas, replicadores, células, órgãos e
corpomentes – heranças biológica/p.2, ou do ADRN, e psicológica/p.3, ou do
crescimento, vindas do pai e da mãe) e macropirâmide
(planeta, sistema estelar, constelação, galáxia, aglomerado, superaglomerado,
universo e pluriverso), pois faz sentido perguntar em torno de que estrela
estamos. No caso o Sol é uma GO amarela de 10 bilhões de anos, nem jovem nem
velha, uma estrela secundária resultante da explosão de uma supernova, com
relativamente muitos elementos pesados que levaram à nossa formação terrestróides
característica, recebendo certa porção-padrão de radiação (luz e calor) por
segundo e metro quadrado. Vemos preferencialmente em torno da janela-de-luz,
entre o vermelho e o azul, mas não o infra-vermelho ou o ultra-violeta, ou
rádio, ou raios gama, ou raios X. Então, nosso olhar é do tipo GO-VA
(vermelho-azul). Numa outra estrela poderíamos ter dificuldade de ver.
Em quinto lugar
podemos falar das CONDIÇÕES ESTAMENTARES
DO OBSERVADOR. Em que patamar ele se situa, quanto à sua condição de
percepção? Não é a mesma coisa da Chave CST, porque lá é o que a pessoa tem, e
aqui é o que ela faz com o que tem. O quê ele fez com aquilo de que dispunha?
Quanto interesse manifestou pelo mundo? Quanta dignidade atribuiu ao entorno? São
sete os níveis: povo, lideranças (estudantis, comunitárias, sindicais),
profissionais (professores, políticos, liberais), pesquisadores (mestres e
doutores), estadistas, santos/sábios e iluminados. Se a pessoa atribui pouco
interesse ao mundo e muito a si mesmo, ela se recusará a olhar para fora. A
qual Classe do Fazer pertence
(provisoriamente, sempre – não são castas hindus) o observador? Operária,
Intelectual, Financista e Militar ou Burocrática? Isto é, a qual
visão de mundo é ele filiado? Se é um militar, verá o mundo como
extrema competição entre pares polares (recusando-se a ver a completaridade dos
opostos), no limite a guerra entre, digamos, Bem e Mal, Esquerda e Direita,
Norte e Sul, Tempestade e Calmaria, Mocinho e Bandido, Vigilante e Vigiado,
Falso e Verdadeiro, etc.
Em sexto lugar focaríamos
as CONDIÇÕES POLÍTICADMINISTRATIVAS (ou
governempresariais), quer dizer, em que condição se situa a produçãorganização
ou sócioeconomia? Temos o Escravismo, o Feudalismo, o Capitalismo, o
Socialismo, o Comunismo e o Anarquismo (ou, para não adotar os nossos nomes, Estágios P/A– de um a seis), conforme
se passe de liberdade quase nenhuma a liberdade ou confiança quase total, quer
dizer, da desconfiança quase absoluta à desconfiança quase nula em relação aos
outros. Se o indivíduo é um escravo, dificilmente se sentirá à vontade para
ficar “xeretando”, tão tremenda seria a desconfiança. No capitalismo de
terceira onda (pois são quatro, a quarta já adentrando o Socialismo), não
fazemos idéia da liberdade relativa que temos, por comparação com as anteriores,
e da falta dela, por comparação com as posteriores.
Em sétimo lugar
diríamos das CONDIÇÕES DE PROTEÇÃO:
Moradia, Saúde, Armazenamento e Segurança, e no centro Transporte. Imaginemos
um aluno que more a 20 quilômetros da escola e deva pegar dois ônibus, ficando
no trânsito, na ida e na volta, um total de quatro horas espremido, com todo
tipo de manifestação ao redor, e um outro que more a 20 metros dela, à qual
pode chegar a pé por ruas arborizadas. E outros dois tipos, um sadio e um
doente. Em extremo, um que more mal, tenha péssima saúde, dificuldade para conseguir
os produtos de que necessite, viva em insegurança e tenha transporte
deficiente.
Em oitavo lugar
descreveríamos as CONDIÇÕES DE
TRANSCRIÇÃO - se são excelentes, muito boas, boas, médias, ruins, muito
ruins e péssimas. É diferente uma excelente apostilha ou livro muito bem
impresso de uma apostilha mimeografada ou escrita com caligrafia horrível.
Em novo lugar
delinearíamos as CONDIÇÕES DOS SUPORTES,
chamados de meios ou mídia (o que é incompleto, pois os meios poderiam ser
todos os da Pontescada Tecnocientífica: meios físicos, meios químicos, etc.):
TV, Rádio, Revista, Jornal, Livro (dita editoria) e Internet, entre outros. É
diferente o olhar de uma garota paulista que disponha de Internet de banda
larga e uma paraguaia com acesso restrito aos meios mais antigos. Dentro disso
há ainda a qualidade de edição, desde a altíssima até a baixíssima – quer
dizer, o acabamento ou editoria geral. Quantos cuidados foram empregados na
apresentação da obra que será vista? Quem tem mais idade pode comparar os
livros de agora com os de 30 anos atrás, ou mais.
Em décimo lugar
descreveríamos as CONDIÇÕES DE FORMAÇÃO:
1º, 2º e 3º graus, mestrado, doutorado e pós-doutorado ou pesquisa. É um funil
pedagógico ou cultureducacional (cultura é a educação baixa ou geral ou
desordenada, educação é a cultura alta ou focada ou ordenada). Um aluno de
segundo período de engenharia olha o mundo do mesmo modo produtivo que um
doutorando?
Em décimo primeiro
lugar contaríamos as CONDIÇÕES DE
APRESENTAÇÃO TECNARTÍSTICAS de apoio: que tecnartes do corpo estão
amparando a mostra? Da visão: poesias e prosas, pinturas, desenhos,
fotografias, modas, danças, etc. Da audição: músicas e discursos. Do paladar:
comidas, bebidas, pastas e temperos, etc.Do olfato: perfumaria, etc. E
do tato, sentido central: cinema, teatro, arquiengenharia,
paisagismo/jardinagem, urbanismo, decoração, esculturação, tapeçaria, etc. O
que é chamado de suporte audiovisual (neste caso falando apenas de dois
sentidos).
Em décimo segundo
lugar exporíamos as CONDIÇÕES DE
TRÃNSITO POLAR entre os pares de opostos/complementares. Em que ponto do
trânsito estamos? Por exemplo, se a fase é de evolução, lenta e gradual,
procedemos com calma no olhar; mas se estivermos numa fase intensa de
revolução, rápida e violenta, nosso olhar deveria ser breve, pois estaríamos no
limiar da sobrevivência. Em que ponto da evolução estamos? Logo no início,
depois de completada a revolução, ou em 10 % a 90 % (ou, com mais precisão, 1 a
99 %)?
Em décimo terceiro
lugar exibiríamos as CONDIÇÕES DA FIGURA
(de sexo, de raça, de idade, de posição ou respeitabilidade – de que a riqueza
é só um índice -, de tamanho). Há 500 anos as mulheres, os negros e os índios
eram vistos como desprovidos de alma ou humanidade ou racionalidade. Faz poucos
anos as mulheres eram desaconselhadas a estudar ou instruir-se. Os negros, nos
Estados Unidos do sul da década dos 1960 não podiam entrar nas melhores escolas
para competir (sempre as dos homens brancos anglo-saxões protestantes de lá)
porque, por definição, eram supostos inferiores. Coisa de uns anos atrás um
grupo de burguesinhos brasilienses queimou um índio. Tão recente quando a
primeira metade do século XX crianças e velhos estavam à margem da sociedade/civilização/cultura.
E ainda perguntamos de que família um indivíduo é, suas condições de
sustentação (própria e alheia), em que bairro mora, com quê trabalha e assim
por diante, numa discriminação disfarçada, sem aproveitar apenas a presença alheia.
Além disso, obviamente, ser magro ou gordo, alto ou baixo, ser “bem
proporcionado” ou não, “belo” (pelos critérios dominantes) ou não conta ponto
na classificação instintiva que fazemos.
Em décimo quarto
lugar apresentaríamos as CONDIÇÕES DE
OFERTA do conhecimento, se é prático ou teórico, isto é, superficial ou
profundo, exterior ou interior, sentimental ou racional. Ao fazer um bolo
estamos apenas querendo algo para o café ou estamos estudando-o como um dos
quatro grupos de alimentos, na engenharia de alimentos?
Em décimo quinto
lugar daríamos conta das CONDIÇÕES
INSTRUMENTAIS ou de programáquinas (por exemplo, software/programa ou
hardware/máquina, nos computadores) ou de processobjetos ou produtinstrumentos
ou de pesquisador-aparelho - sejam as dos
sentidos externinternos (olho externo, corporal, e olho interno ou mental), ou
dos sentidinterpretadores (sentidos exteriores, interpretadores interiores), e
a relação entre o pesquisador e o aparelho que usa. O aparelho é o mais
avançado oferecido no mercado, ou de três gerações atrás? O indivíduo tem visão
perfeita de um lado ou no extremo oposto é cego? Faz calor ou frio? É lugar
protegido ou exposto?
Poderíamos continuar
investigando, para depois reunir os índices em quatro super-grupos, como pede o
modelo.
Não vale a pena,
porque o objetivo é mostrar COMO É DIFÍCIL OLHAR, e porquê
perguntar o que é olhar demanda ou pede toda uma extremadíssima e ainda
mal-posta (ou não-posta) Filosofia do
Olhar, para não falar dos outros modos do Conhecimento partido, digamos uma
mais perfeita e completa Ciência do
Olhar, com uma Teoria de Tudo do
Olhar.
Em resumo: quando
fazemos uma pergunta, QUAL É A CARGA DE RESPOSTA QUE DESEJAMOS? Além da métrica
espacial física podemos falar de outras métricas: química, biológica, p.2,
psicológica, e aí segue. A métrica da resposta psicológica nos
remeteria à Pedagogia, à articulação do GRAU ou METICULOSIDADE ou RELEVÃNCIA da
resposta. O que estamos pedindo, de fato? Pedir simplesmente que se fale do
olhar pode levar a uma dissertação como esta, a um livro de 800 páginas da
Ciência, a meia página de alunos de quinto ano do primeiro grau. QUE OLHAR É
ESSE? É preciso definir, metrificar a
resposta. Estabelecer LIMITES ÚTEIS naquele pontinstante específico do
crescimento psicológico humano.
Fica especialmente
difícil responder, se os limites não foram estabelecidos por uma carga
correlativa anterior, assim como uma aula ministrada, ou um texto apontado para
leitura.
Porque tudo se torna
vago demais, para almas tão diferentes, vindas de tantas condições de formação.
Se não é estabelecido um funil, é tão escuro como a noite em que se dorme, como
disse a Clarice Lispector. Sendo as possibilidades tão amplas, onde está o
quadrante de julgamento, e nele a particular seta do professor?
Vitória, domingo, 05
de maio de 2002.