domingo, 10 de junho de 2018


Silas que Ficou em Dependência

 

Gabriel reparou que o cachorro labrador dele, Silas, fica sentado nas patas traseiras e não avança sobre a comida como faria um lobo: espera pacientemente que lhe seja dado. Isso vem de longuíssima convivência e treinamento, seleção dos mais aptos a proceder assim, pois tudo devia ser introduzido nos genes desde os lobos, passando pelos pós-lobos ou pré-cães até chegar nas várias raças da espécie, bioinstrumentos separados em numerosas necessidades humanas (caça, vigilância, força de pegada, resistência na corrida, tamanho, ferocidade – ainda recentemente o Pitbull foi criado de várias raças -, peso). As mulheres, como vimos em Restoio no Livro 191, ficaram com os restos genéticos, os cachorros de boca pequena, cães diminutos desprezados pelos homens e dos quais elas gostam até hoje.

Silas tem patas traseiras e dianteiras, não tem pernas-pés e braços-mãos com grandes porções correspondentes no cérebro: no máximo as patas dele ultrapassam em potencial as chaves de fenda (elas não servem para muito mais que correr). As patas dianteiras dele não são especializadas como mãos de primatas nem especializadíssimas como as nossas e ele não tem voz e palavra, não sabe conversar, só pode expressar a extrema dependência emocional dele de certos modos bem restritos.

SEJA EU (extremíssima ligação dos guerreiros com os cães)

Beija Eu
Marisa Monte
 
Seja eu,
Seja eu,
Deixa que eu seja eu.
E aceita
O que seja seu.
Então deita e aceita eu.

Molha eu,
Seca eu,
Deixa que eu seja o céu
E receba
O que seja seu.
Anoiteça e amanheça eu.

Beija eu,
Beija eu,
Beija eu, me beija.
Deixa
O que seja ser

Então beba e receba
Meu corpo no seu corpo,
Eu no meu corpo.
Deixa,
Eu me deixo
Anoiteça e amanheça

Pois, para os guerreiros, os cães eram tudo mesmo: segurança, independência, enfrentamento da Natureza, dignidade diante das mulheres, chance de família ampla sustentada sem fome – tudo, tudo mesmo.

Como o mundo era muito mais restrito certamente a quantidade de palavras necessárias também era, e devem existir algumas bem características que só os homens usavam (e não davam acesso às mulheres; elas ficaram com ciúmes e acolheram e desenvolveram os “cães de boca pequena”) e devem estar esquecidas hoje em dia: os cães só obedeciam aos homens. Eles construíram em si molecularmente essa extrema dependência dos homens seus senhores, de morrer em cima da tumba do guerreiro-companheiro sem se afastar para comer ou beber.

Não sei quantos selos terão sido destinados a expressar as várias raças de cães ou quantas estátuas terão sido erigidas em agradecimento: parece-me que somos uns grandes ingratos diante de tudo que fizeram por nós.

Vitória, sábado, 16 de dezembro de 2006.

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