terça-feira, 26 de junho de 2018


As Agulhas Compridas e Tortas do Senhor A

 

Quando chegamos a Linhares em 17 de agosto de 1963 creio que já estavam lá, no que era então uma cidade pequena, 1/5 ou menos do que agora; ele se chamava Adálio Fregona e era casado com dona Adália, ambos descendentes de italianos pelo nome e aparência. Era dentista prático e tinha umas agulhas enormes e tortas de uns cinco centímetros que para a pessoa sentada na cadeira e gente pequena eram mais assustadoras ainda.

Era muito paciente e doce, calmo, tranqüilo, tolerante, bondoso. Meu pai e minha mãe pagavam pouco e devagarzinho, porque ele cobrava pouco, prático que era e do interior. Aquelas agulhas cravavam nos ossos da alma, bem lá no fundo mesmo. Depois dois de seus filhos, que estudaram comigo, se formaram em odontologia e pelo menos um fez mestrado. Nos 40 anos passados a odontologia mudou muito, daquelas agulhas tortas ao tratamento a laser e uma infinita quantidade de modos de encarecer os cuidados bucais.

“Seu” Adálio era especial.

Há um punhado de gente assim que fica em nossas memórias e que alguns, como Fellini, vão recordar depois em Amarcord (eu me recordo), grande filme de 1973, todas essas pequenas coisas que os cineastas brasileiros nunca levam em consideração com suas manias de grandeza. Gente a quem 30 ou 40 ou 50 anos depois recordamos com gratidão por uma ou outra passagem de nossas existências. Essa gente que dá o tom mais precioso da vida na Terra: os pequeno-grandes lances que nos comovem.

EU TAMBÉM ME RECORDO (acho que a música está dizendo: recorde-se dos tempos ruins, mas recorde-se também dos bons tempos)


Vitória, quarta-feira, 24 de janeiro de 2007.

 

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