O Morro dos Ventos
Uivantes ...
Não sei onde os arquitetos e
engenheiros da prefeitura estavam com a cabeça que não esperaram o ano todo
para sondar o lugar, mas o fato é que construíram um palanque imenso tipo
Woodstock ou Rock in Rio para a realização de shows. Terraplenaram o lugar e
fizeram enorme estacionamento, bem como gramaram uma área grande para os
roqueiros sentarem. Banheiros, quiosques, pronto-socorro, tinha de tudo.
Logo quando foram fazer a primeira
apresentação por ocasião da festa da cidade viram que ventava muito e o vento
encanado pelos morros laterais produzia aquele som aterrador, uuuuu, uuuuuu,
era de arrepiar.
O
MORRO DOS VENTOS UIVANTES
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Parecia coisa construída, mas era
natural.
Uuuuuuuuuu, aquela coisa penosa, alma
penada mesmo.
Além do incômodo do uivo havia a
chateação maior, pois parecia vaia – os músicos estavam tocando e parecia que o
público estava vaiando. Não tem coisa pior, qualquer um estremece com isso,
qualquer um fica abalado, transtornado. Experimenta, se você não acredita.
Demole todo cristão, acaba com o cara mais forte e destemido. Ainda mais que
não era vaia que esgotasse o fôlego, que a pessoa precisasse respirar, era
contínuo mesmo, ia fundo na alma.
Os músicos que se apresentavam
tentaram levar na flauta, tentaram não prestar atenção, botaram chumaços de
algodão nos ouvidos, mas não adiantava, além de dificultar ouvir os compassos
dos outros. Apresentou-se a segunda, a terceira, a quinta banda no primeiro
dia; a fama negativa foi se espalhando. Cada banda terminava a apresentação com
alívio e corria para os camarins, procurando fugir o quanto antes daquela
cidade. A muito custo levaram o segundo
dia, já quase vazio de público, foi fracasso com grande gasto de dinheiro e o
que deveria elevar o prestígio do prefeito levou-o ao fundo, a imprensa montou
em cima, tanto pelo fracasso quanto em razão do gasto elevado. No outro dia a
mesma coisa, três dias de agonia.
No ano seguinte tentaram colocar
tapumes, porém foi ruim, bem ruim, porque agora o uivo-vaia ficava mais fino,
mais agudo, chegava a doer os ouvidos, alguns desmaiaram, não sei se de
frescura ou imitação, alguns chegaram a sangrar. Foi duro. Colocaram médicos,
não adiantou.
No terceiro ano foi ainda pior.
Parecia que os morros estavam querendo se vingar, o troço todo desandou de vez.
Nem houve quarto ano, o palco está lá
enferrujando, a cobertura está caindo, ninguém quer passar nem perto.
Serra, terça-feira, 26 de junho de
2012.