quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017


Os Primeiros Small

 

                            No novo seriado Smallville (Cidade Pequena, vila, que tinha o nome muito mais charmoso e gostoso, roceiro, interior, de Pequenópolis nas revistas, mais antigas) o Super-Homem é mostrado adolescente, enfrentando os dilemas de crescimento e inserção psicológica das crianças que devem se tornar adultas, o que poderia ser algo de formidável, se devidamente trabalhado, mas foi apresentado apenas como um texto antropofágico localista, de digestão exclusivamente americana.

                            Smallville é uma cidade pequena do interior dos EUA, porisso tem uma grande fábrica associada, dos arrivistas novos-ricos Luthor, de fato do pai de Lex Luthor, que futuramente vai ser inimigo do SH.

                            A primeira namorada do SH (que depois se casa com Louis Lane) diz, numa parte de um episódio, que alguém é um Small, “dos fundadores”, e isso é quanto nos basta para sentir a onda que está vindo nos EUA de “enobrecimento” dos “pais fundadores”, essa reverência que vai se tornar imperial, hiperconcentradora de renda, consequência do movimento que começou com Reagan na década dos 1980. Quer dizer que os democratas (para os quais a democracia vale mais que a República) venceram os republicanos (para quem a República é profissão de fé, impedindo a vinda de uma tirania autocrática realista). Os americanos não estranharão a passagem progressiva ao cesarismo, que está posto enquanto projeto de futuro. É uma pena, porque chegamos a admirar aquele povo, agora sucumbindo à autocomiseração e aos excessivos cuidados de suas feridas. Ah! Eles também foram fracos, e no entanto prometiam tanto.

                            Quantas decepções o mundo humano pode nos reservar.

                            Vitória, segunda-feira, 24 de março de 2003.

Os Camuflados

 

                            As mulheres se camuflam com as pinturas do rosto, as bijuterias e as roupas. Vejo agora os crentes vestindo roupas de linho diante de Deus, que é a suprema perfeição: o que Deus, sendo supremamente perfeito, precisaria ainda ver em termos de beleza das superfícies?

                            Faz mais sentido perscrutar ou explorar as almas, porque são as decisões do ser humano, quanto a se desviar ou não dos preceitos de retidão, compaixão, caridade que interessam, fundamentalmente. Visto, como já vimos, que a liberdade é doada pelo Criador às criaturas, é o que se faz com essa liberdade que é interessante ver. Se Deus é onipotente (pode tudo), onisciente (sabe tudo), onividente (vê tudo), onipresente (está presente em todos os lugares e tempos), pela propriedade (de definição) da onipotência pode apresentar e representar TODAS AS BELEZAS, e para ele não faria qualquer sentido alguma tentativa de embelezamento. É diferente quando se faz uma catedral, porque por mais bela que ela seja é apenas uma prece, ainda que uma oferta canhestra, diante de Deus. O que a pessoa estaria ofertando com roupas “belas”?

                            Pecam esses que assim procedem. Como diz o povo tão sabiamente, “quem não sabe rezar xinga a Deus”.

                            Agora, convertendo esse raciocínio ao campo humano, a camuflagem é nitidamente uma tentativa de enganar, de vender por mais uma coisa que apresentada naturalmente não teria preço tão elevado. Assim, quando vejo os iuppies, sinto dó deles e da socioeconomia que os produziu, contra a qual se bateram inutilmente os hippies, postos no exagero oposto. Hippies e iuppies são farinha do mesmo caso, assim como o são também os crentes exagerados e os autoflageladores, os místicos que passam a pão e água, tentando atrair atenção para si (pois existem os honestos, que sentem não ser a carne notícia da glória de ELI, Ela/Ele, Natureza/Deus, considerando-a meramente como suplício que afasta a reverenda criatura da observação do Criador). Há casos e casos: uns cheiram a ofensa e outros são verdadeiras oferendas.

                            O que vai na alma?

                            Ora, quando olhamos os camuflados podemos ver que neles a alma é exterior, é só uma casca que fenece rapidamente, que morre a cada dia. Eles não veem com a alma, com o interior, com a profundidade - eles vêem superficialmente, eles sentem a Vida como se fosse uma tintura, um esmalte, uma colagem exterior. E isso é a alma deles, seja uma camada de pintura, seja um sapato, um vestido, uma jóia, uma tatuagem, uma casa elegante, um caro, uma conta astronômica exibida em público, todo esse exibicionismo abjeto que nos faz permanecer humanos inviáveis, indignos do olhar salvador daquilo que chamamos Deus.

                            Os camuflados nos dão diretamente a chance de percebermos como são superficiais, como pretendem obter conteúdo ou profundidade através da oferta de beleza. Como eu já disse, o conteúdo precisa da forma, do mesmo modo como a forma suspira por conteúdo e continuidade, mas tudo tem um limite; esse limite é o da decência. Querer ultrapassar o mínimo que é reza, que é pedido, que é súplica por perdão e acolhimento, é demonstração de orgulho, sempre desmedido.

                            Vitória, domingo, 23 de março de 2003.

Os Avanços da CNN

 

                            A Rede americana de TV CNN, de Ted Turner, firmou-se mundialmente como a mais avançada, referência das outras, mitologia do jornalismo, porque conseguiu dar as notícias realmente “em cima da hora”, na realidade em cima do segundo em que estão acontecendo, e não horas ou dias depois, como as demais, todas descuidadas. Apostou na necessidade que temos de saber as notícias e se deu bem, ficou bilionária, adquiriu a Time (que tinha se apoderado, creio, da Warner Bross, fábrica de filmes) e depois foi por sua vez comprada pela AOL (o portal American On Line), tornando-se o grupo AOL Time Warner, que perdeu dos investidores num ano duas centenas de bilhões de dólares, coisa totalmente espantosa.

                            Então, estive raciocinando.

                            Sob a ótica do modelo ela não é tão avançada assim.

                            Vejamos o Conhecimento (Magia/Arte, Teologia/Religião, Filosofia/Ideologia, Ciência/Técnica e Matemática) geral, que ela não contempla, e dentro dele a pontescada tecnocientífica, nesta a pontescada científica (Física/Química, Biologia/p.2, Psicologia/p.3, Informática/p.4, Cosmologia/p.5 e Dialógica/p.6).

                            Na Psicologia (figuras ou psicanálises, objetivos ou psico-sínteses, produções ou economias, organizações ou sociologias, espaçotempos ou geo-histórias), que ela não aborda assim de forma consistente nem exaustiva, apontando claramente os elementos do Jornalismo (em maiúscula conjunto ou grupo ou família de jornalismos), perguntaríamos, respectivamente: 1) quem? 2) por quê? 3) com quê? 4) como?, e 0) quando/onde?

                            Ora, o Jornalismo é a forma baixa da História, assim como a Cartografia é a forma baixa da História. Desse modo a Cartografia/Jornalismo é a forma baixa da Geo-História, respondendo aquela dupla pelo espaçotempo psicológico/p.3 superficial e esta pelo espaçotempo profundo.

                            Acontece que a CNN não nos dá a posição dos eventos, esperando que saibamos onde eles acontecem. No Iraque, sim, mas o país tem 435.052 km2.   Quais longitudes e latitudes, quais altitudes? De onde para onde? Não vemos nenhum traçado de linha. Quantos estão envolvidos? Enfim, quando aprofundamentos as perguntas vemos que a CNN é tão superficial quanto as demais e que estão postas as condições de ser ultrapassada e batida por quem se aventure, usando o modelo para aprofundar. A única vantagem dela é que dá as notícias “em tempo real”.

                            Vitória, segunda-feira, 24 de março de 2003.

Okavango

 

                            Botswana ou Botsuana fica logo acima da África do Sul, o “gigante econômico da África”, como diz a Barsa eletrônica, e tem 581.987 km2 (no Almanaque Abril 581.730 km2) equivalente no Brasil a Minas Gerais, que tem 582.586 km2, apenas pouco maior. Tinha em 2001, segundo o AA, 1,6 milhão de habitantes, enquanto MG ficava em 2000 com 17,9 milhões.

                            Segundo a ONU é uma das 25 mais pobres nações do mundo. Lá fica o Deserto de Kalahari, que atravessa o país e tem 930 mil quilômetros quadrados, mais que a área nacional. Não obstante, lá fica o pântano de Okavango, que é um oásis às margens do gigantesco deserto (menor que o Saara em muito, apenas 1/9 dele, mas mesmo assim grande).

                            Imagine o que é estar entre as 25 últimas entre umas 220 nações (outros dizem 190). Ninguém sabe onde fica Botsuana, nem muito menos o Okavango. Pense que somos mais de seis bilhões em 1/3 de 510 milhões de km2, 170 milhões de km2 que se resumem na verdade a 90 milhões ocupáveis. Não conhecemos vastas porções da Terra. E mesmo havendo gente lá, ou por perto, onde estamos, cá no Brasil, no ES, pouco sabemos do mundo, mesmo os que se importam em se informar. A Barsa eletrônica não fala diretamente, está incluso nos verbetes do país. Tive de buscar em vários livros e Atlas.

                            Se nós gostássemos mesmo uns dos outros, como Cristo ensinou, se nos importássemos, quantos prêmios teríamos a mais! Lá no Okavango, um grande delta interno, vivem centenas ou milhares de espécies em águas tremendamente alcalinas, e tudo aquilo só foi recentemente descoberto pela mídia ocidental, que vem divulgando pelos canais fechados Discovery, e outros. Na verdade, a Terra é um prêmio bem grande entregue aos tolos.

                            Vitória, segunda-feira, 24 de março de 2003.

O Veneno de Chicago

 

                            Fomos, meu filho Gabriel e eu, ver Chicago, o filme que finalmente ganhou cinco ou seis estatuetas do Oscar, inclusive de melhor filme, que é noir, é negro, é escuro, é tangivelmente carregado na falta proposital de cores, exceto na sobreafirmação do feminino.

                            Por sinal, coincidentemente, a figura de Catarina Zeta-Jones foi tirada da capa de uma revista em quadrinhos, American Flagg! (Bandeira Americana), Reuben e os Piratas, número 1, “estes são os homens da lei”, de Howard Chaykin, 1985 nos EUA, dezembro de 1990 no Brasil. “Cagada e cuspida”, como diz o povo, ou seja, cravada e esculpida. Cabelo, roupa íntima, o corpo mais cheio, tipo gostosona, tudo mesmo.

                            Em si mesmo o filme é um lamento do Cinema americano, um pedido de socorro. Pois é sabido que os cineastas, os atores e as atrizes não morrem de amores pelos advogados de lá (“que são doze advogados no fundo do mar? ”, “um bom começo”), mas no filme diz-se abertamente que a Lei nos EUA não vale mais nada, basta um grande circo nos tribunais para tirar de lá impunemente qualquer um, desde que se possa pagar. Ora, isso é o fim do Judiciário americano, que é o último bastião do Estado (veja o artigo deste Livro 27, Os Três Poderes), desde quando eles zombam do Legislativo e do Judiciário faz tempo. Claro, o povo demorará a acordar, sem falar que as elites estão desde faz muito compromissadas com esse colapso institucional – foram elas que o desejaram, planejaram e executaram.

                            Então os mágicos e os artistas, sempre mais sensíveis, estão se lamentando primeiro, porque vêem mais longe, que vem vindo desde o futuro a falência total, a demência absoluta. Então, eles denunciam, através de um filme que, à primeira vista, tinha tudo para ser desequilibrando, até a entrada de Richard Gere, que é a grande tônica (ele não é especialmente brilhante ali, mas seu personagem diz tudo que é relevante – e, afinal de contas, pouco talento não basta para compor o personagem) da fita.

                            O resultado é chocante anúncio DE DENTRO: os EUA entraram na fase final da bancarrota cultural, na mesma semana, conforme Gabriel me mostrou, em que a Veja apresenta os Estados Unidos como “mastodôntica” cultura ou nação. Deveriam ter assistido a película.

                            Vitória, terça-feira, 25 de março de 2003.

O Rei Está Nu

 

                            Isso é de uma fábula: espertalhões vendem ao rei uma roupa completa, com capa e tudo, mas invisível; o rei não apenas paga como a coloca e sai pelas ruas, todos aplaudindo supersatisfeitos, para não contrariar sua majestade, até que uma criança anuncia a verdade.

                            Tal fábula nos ensina várias coisas:

1.       O ponto de vista cínico-utilitário (dos políticos): não se deve deixar crianças freqüentarem as coisas sérias;

2.      O ponto de vista dos compromissos políticadministrativos: só há uma opinião no governempresa, o da direção superior – todo o resto é ilusão de uma oposição a que no máximo e por educação é servido cafezinho frio;

3.      O ponto de vista da polícia do Estado: crianças são perigosas e devem ser duplamente vigiadas e em caso de deslize seus pais e mães devem ser advertidos severamente;

4.     O ponto de vista dos geo-historiadores: alguém já soube de um desfile em que o rei estivesse nu? GH noticiam (cuidadosamente) os fatos DEPOIS que eles foram referendados;

5.      O ponto de vista da imprensa ajuizada: o rei está botando bastante propagandas no jornal?;

6.     O ponto de vista dos estudantes: ai! Ui!;

7.      O ponto de vista dos embaixadores estrangeiros: o rei é nosso aliado?;

8.     O ponto de vista da rainha: se eles soubessem o que tenho de agüentar para viver àtoa;

9.     O ponto de vista dos príncipes: vamos usar isso para cobrar as mesadas atrasadas;

10.   O ponto de vista dos empresários: se a moda pegar nós vamos lucrar pra caramba!

Poderíamos discorrer um tempão. A fábula abordou apenas um ponto de vista, que a muitos pode soar como um desses arroubos importunos da juventude. Ou, quem sabe, o ocultamento corriqueiro da dolorosa verdade, que deixa as pessoas muito constrangidas, pois afinal de contas a vida adulta é cheia de compromissos.

Vitória, quinta-feira, 27 de março de 2003.

O Povo Aumenta

 

                            Diz o ditado que “o povo aumenta, mas não inventa”.

                            Vejamos o que podemos tirar daí.

                            Primeiro, em qualquer AMBIENTE (município/cidade, estado, nação e mundo) e em quase todas as PESSOAS (indivíduo, família, grupo e empresa) podemos ver povo e elites, por exemplo, povo e elites urbanas, naturalmente muito mais povo que elites, dado que estamos no modo Capitalista (Escravismo, Feudalismo, Capitalismo, Socialismo, Comunismo, Anarquismo) políticadministrativo de terceira onda.

                            Se não é o povo que inventa, QUEM INVENTA?

                            Sobram as elites - por conseguinte são as elites que inventam. Como as elites têm MUITO MAIS em contingente igual (tipicamente 20 % da nação detêm 80 % da renda, ou mais), podemos dizer que a fonte da riqueza das elites vem da capacidade delas de inventar. Tal competência para inventar deve ser a origem e o delimitador do poder acrescido das elites.

                            Além disso, está dito que O POVO AUMENTA, neste sentido de ser fofoqueiro, de propagar, de disseminar; devemos ter o maior cuidado sobre o que comunicamos ao povo, porque certamente será aumentado, multiplicado, até muito multiplicado. Sobre qualquer coisa inventada ele acrescerá bastante. E ao contrário, olhando para o passado, para toda notícia propagada e não escrita, de fonte oral popular, devemos dar grandes descontos. Qualquer pequeno boato inventado pelas elites e entregue ao povo será transformado num monstro, ou seja, qualquer falsificação pelas elites será transformada numa mentira fantástica. Imagine quanto das lendas e mitos é aumento popular!

                            Por outro lado, podemos tomar o AUMENTAR popular como sendo um multiplicador via trabalho – neste sentido temos a mais-valia, de que vive o INVENTAR das elites. O inventar é o extrator por excelência do aumentar.

                            Enfim, podemos pensar que os ditados ou adágios são fonte de grande aprendizado, se pararmos para analisar, como fizemos com este. Em resumo, um pequeno ovo relativo pode se transformar num grande Moa absoluto, bastando haver tempo para desenvolvimento. Ou, por outra, o mundo não está esgotado, longe disso.

                            Vitória, sexta-feira, 28 de março de 2003.