domingo, 5 de fevereiro de 2017


Partenoy, o Respeito Devido ao Povo

 

                            Não foi no Japão, nem no Canadá, nem na Suécia, nem em qualquer das novas supervilas tenocientificamente mais avançadas, mas numa vila cheia de casas velhas no interior da França, Partenoy, se não escrevi o nome errado, visto num desses canais Discovery.

                            A prefeitura decidiu assumir o projeto de avanço computacional e coletivo, passou cabos de fibra ótica por baixo de todas as ruas antigas de paralelepípedos, instalou roteadores poderosos, seu próprio portal, facilitou a compra de computadores e TODOS, todos os habitantes que tenham condições de usar (menos os bebês muito jovens) estão conectados, com resultados espantosos em termos de amadurecimento socioeconômico.

                            No Brasil em muitas cidades pequenas e ricas de São Paulo e do Sul inteiro (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul), até mesmo do Espírito Santo e Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de Goiás, do Mato Grosso do Sul e outros estados tais experiências poderiam estar sendo levadas a cabo se os prefeitos e seus assessores não estivessem interessados em roubar o patrimônio público, se governantes do Executivo (federal, estaduais e municipais/urbanos), políticos das Assembléias, da Câmara de Deputados e do Senado, enfim do Legislativo, e juizes do Judiciário não estivessem tão a fim de botar a mão no alheio.

                            No Brasil não respeitam o povo (sequer as elites).

                            Talvez por lá eles tenham ganhado o respeito à base de sucessivas revoluções e conflitos, que não se deram no Brasil em quantidade e qualidade suficiente, mas talvez seja apenas o caso de surgir gente que veja a necessidade de crescimento GERAL e não somente do particular. Que vise além das PESSOAS (indivíduos, famílias, grupos e empresas) que lhe estão próximas os AMBIENTES (municípios/cidades, estados, nações e mundo) logo depois dos particularismos, as superafirmações do particular.

                            Em todo caso fica a constatação: em Partenoy, França, fizeram o dever de casa corretamente e com isso mereceram os aplausos.
                            Vitória, quarta-feira, 05 de março de 2003.

Paradigma = Programa

 

                            Muito depois de Thomas Kahn ter falado dos paradigmas e bem depois de eu ter lido a Estrutura das Revoluções Científicas, duas décadas, fiz a Rede Cognata (q.v. Grade e Rede Signalíticas, Livro 2), onde desponta que paradigma = PDGM (= PDM = PADRÃO) = PGM = PROGRAMA.

                            Com isso podemos entender melhor o que seja um paradigma.

                            É um programa, um código, um algoritmo, um conjunto de instruções, um fluxograma mais ou menos complexo.

                            Naturalmente age de dentro para fora, dos cientistas para a coletividade, e de fora para dentro como demandas.

                            De dentro para fora há a imposição, o silenciamento tosco ou sutil das oposições que tendem a fazer perguntas embaraçosas. Isso tanto se dá pela razão quanto pelos sentimentos, neste caso chacotas, deboches, argumentos ad hominem (“você nem é formado”; como disse um professor de filosofia a mim: “se forme, vá fazer mestrado, doutorado, pós-doutorado e então venha discutir comido”), avacalhação geral, insistente e insidiosa. A oposição racional forja argumentos falsos (dado que embasados na teoria falsa ou incompleta), mas convincentes enquanto se acreditar em tal conjetura.

                            De fora para dentro há o respeito à Academia, essa curvatura idiota e reverente que mostra a bunda dos aduladores. Há essa aprovação que advém da demanda por pronunciamentos da “autoridade” (como digo, a autoridade é só da lei, os seres humanos são agentes das diversas leis), no sentido de obter segurança, mesmo que segurança em falso, em terreno sujeito a terremotos (só porque uma pessoa de curta vida nunca presenciou um isso não nos diz que eles não existam).

                            Então o paradigma é um programa de pesquisa reforçado pela reitoria das universidades, a concessão de verbas, a publicação em revistas e jornais científicos, os tapinhas de aprovação do colega nos que regam de uísque os cargos burocratizados de falsos pesquisadores. Os governos os desejam, as empresas os estimulam, o povo e as elites dependem deles.

                            Só que paradigmas ou programas são linhas retas, ortodoxias que fatalmente levam ao precipício ou ao afogamento no mar.

                            Vitória, quinta-feira, 06 de março de 2003.

Os Ombros em que Newton Subiu

 

                            Singh, p.63:

                            “Durante séculos se acreditou que Isaac Newton tinha inventado o cálculo independentemente e sem conhecimento do trabalho de Fermat. Mas então, em 1934, Louis Trenchard Moore descobriu uma nota que decidiu a questão e deu a Fermat o crédito que ele merece. Newton escreveu que tinha desenvolvido seu cálculo baseado no ‘método de monsieur Fermat para estabelecer tangentes’”. Newton não deixou de reconhecer, as pessoas é que atribuíram a ele, que dizia que se tinha podido ver mais longe era por ter subido nos ombros de gigantes, entre os quais Fermat, Galileu, Kepler, Copérnico, inclusive Arquimedes com suas “fluxões”, e outros.

                            Newton não escondeu nada, não pegou para si sem dar crédito, como é costume de certos capixabas, em relação a trabalhos meus e de outros, veja Tomada de Consciência, tendo tempo de escrever.

                            Entrementes, é preciso pesquisar a fundo para mostrar o quanto ele deve aos demais, aos seus antecessores, para evitar justamente esse culto à personalidade, que é desproporcional sempre, que é aborrecido, que é tolo. A grandeza de Newton não sofrerá com isso, pelo contrário.

                            Vitória, quarta-feira, 12 de março de 2003.

O Valor da Diversificação

 

                            Imagine meia dúzia de seres humanos primitivos atravessando uma tempestade: poderíamos ter terminado nossa linha de vida coletiva, que deu depois em seis bilhões, ali mesmo. Agora que os seres humanos estão espalhados em todos os continentes (até na Antártica), ficou muito mais difícil cortar essa linha. Os outros terem idéias diferentes das nossas, até opostas, é garantia de sobrevivência. Quando passam a existir mais empresas os empresários estão mais protegidos. A multiplicação e a diversificação são coetâneas, coevas, de mesma idade, e aparentadas. Quando Deus disse: “crescei e multiplicai-vos” queria dizer também: “crescei e diversificai-vos”.

                            Diversificar é a ordem central.

                            Porisso não dá para entender quando alguém deseja obstaculizar essa diferenciação.

                            A inventividade é o nome nobre da variabilidade, a vontade por trás dela. Sem inventividade todas as notas de dinheiro seriam igualzinhas, os hospitais teriam os mesmos procedimentos, os centros de compras seriam réplicas uns dos outros – pense só que desastre mental. Todas as músicas seriam uma só, sem a abundância presente.

                            Quando alguém está inventando, está resolvendo problemas, está nos dando futuro, está reafirmando nossa descendência, em todos os sentidos. Porisso eu não aceito nada essa tendência ao exclusivismo de PESSOAS (indivíduos, famílias, grupos e empresas) e AMBIENTES (municípios/cidades, estados, nações e mundo).

                            Uma vez um dos meus irmãos quis evitar a colocação do Posto Pianna bem perto do que temos em Linhares. Não conseguiu e ali exatamente começaram as desgraças que sucessivamente nos atingiram.

                            Vitória, quinta-feira, 06 de março de 2003.

O Que Podemos Deduzir

 

                            Gabriel voltou do Darwin com a estória de que os professores, olhando o retrato clássico do diabo, com chifres, com garfo e pele vermelha, puderam deduzir o seguinte:

1.       Se o diabo tem chifres é porque no inferno tem mulher;

2.      Como ele tem garfo, e este é grande, podemos concluir que lá há comida, e muita;

3.      Por ser vermelhão podemos dizer que há praia, e boa, pois ele ficou vermelhaço.

Ao que acrescentei:

4.     Como ele tem rabo e este nunca está preso deve ser o patrono dos políticos ladrões.

Veja só o que é o poder da lógica.

Evidentemente nada disso se dá, pois, dedução é partir de premissas e elas devem ser investigadas. Deveríamos provar: a) que existe pelo menos um diabo, b) que o retrato que dele se faz é correto (pois se diz que o diabo não é tão feio quanto se pinta). Mesmo que fosse correto, restaria ainda: Д) o “garfo” do diabo não é de comer, é de espetar as almas; В) a pele do diabo não está “queimada”, é de natureza; α) os chifres dos cornos são metafóricos, enquanto os do diabo seriam, pelas lendas, reais; β) o “rabo” dos políticos se refere aos erros cometidos e o diabo, sendo Lúcifer, o Primeiro dos Anjos, dificilmente cometeria um erro (exceto, evidentemente, diante do poder infinitamente maior de Deus, pelas lendas).

Veja então que para haver o salto lógico da contração dedutiva não basta as premissas estarem corretas, PORQUE elas podem ser consistentes na ficção; é fundamental que sejam ADEQUADAS, isto é, pareadas primariamente com o real.

Não devemos apenas cuidar da lógica, isto é, dos méritos da dedução, da plausibilidade dos passos ou processos sintáticos, da consistência da racionalidade, a qualidade implícita do que é racional, mas da conexão interna das premissas, da sua adeqüabilidade ao real, a qualidade do que é adequável. Isto remete à IMPRESSÃO COERENTE, ou seja, se desde o início soubemos ver no real a sua realidade, assim seja, sua distância do erro e sua COLAGEM AO VERDADEIRO.

Vitória, terça-feira, 11 de março de 2003.

O Que a Gente Acha Bonito

 

                            Num dos livrinhos que escrevi no Sindifiscal, a Re-Invenção do Tributo, agosto de 1992, coloquei na capa uma citação de Clarice Lispector: “(...) tudo o que a gente acha bonito é às vezes apenas porque já está concluído. Mas o que é hoje feio será daqui a séculos visto como beleza, porque terá completado um de seus movimentos”.

                            Isso nos diz muito.

                            Primeiro, que a Clarice entendia a dialética e o TAO.

                            Segundo, que se hoje achamos a Europa bonita é porque ela está concluída. Talvez não totalmente, mas estará em algum tempo, e começará a fenecer, a morrer, como uma fruta no auge de seu amadurecimento, no pico vindo a estagnação nele ou a descida inelutável. E que a África, se é hoje considerada feia, daqui a séculos será vista como beleza, como já aconteceu com a Europa, a Ásia, a América do Norte, o Egito, o Iraque (Suméria, Caldéia, Babilônia), a Pérsia, a China, o Japão.

                            Terceiro, tudo é movimento que leva do sim ao não e vice-versa - é ciclo, é comparação circular. O feio será bonito, depois será feio de novo e assim sucessivamente.

                            Quarto, as coisas não são belas em si mesmas, dependem de julgamento de valor do julgador, do observador, e assim é sábio o povo, que diz: “a beleza está nos olhos de quem vê”. Como os olhos são a parte externa do sistema externinterno da visão, a beleza é tráfego externinterno no sistema da visão. Fora estão as coisas observadas, dentro os padrões culturais de avaliação do espectador, do interpretador. Mudados os padrões muda a apreciação. Todas as 22 (até agora identificadas) tecnartes mudarão quando a socioeconomia mudar. O que valia no passado não valerá no futuro.

                            Quinto, se o que é feio hoje vai ser um dia visto como bonito, não é de fato feio, só é perante o julgamento dos que agora se julgam bonitos e vão ser julgados feios. Assim, a extrema valorização da beleza atual é por um lado índice de dependência e de fraqueza e por outra cruel exploração psicológica.

                            E assim por diante.

                            Viu quanta profundidade existe nas afirmações dos grandes?

                            Vitória, terça-feira, 11 de março de 2003.

O Magnífico Reitor Euclides

 

                            No livro de Singh, já citado neste Livro 25, p. 65, ele diz:

                            “Euclides dedicou boa parte de sua vida ao trabalho de escrever os Elementos, o livro-texto mais bem-sucedido de toda a história. Até este século (deve ser o início do século XX, JAG) tratava-se do segundo maior best-seller mundial, depois da Bíblia. Os Elementos consistem em treze livros, alguns dedicados aos trabalhos do próprio Euclides, e os demais sendo uma compilação do conhecimento matemático de sua época, incluindo dois volumes dedicados inteiramente aos trabalhos da Irmandade Pitagórica”, negrito meu.

                            Pitágoras nasceu por volta de 580 e morreu em torno de 500 a.C. Euclides viveu por volta de 300 a.C. A fundação de Alexandria é de 332 a.C., seguindo-se a criação da Universidade por Ptolomeu I Soter (significando “salvador”). Como a morte de Alexandre se deu em 323 a.C., evidentemente as satrapias só foram divididas depois disso. Ptolomeu se designou rei do Egito em 304 a.C., de forma que a data de 300 a.C. nos diz que Euclides chegou logo depois.

                            Singh ainda nos informa que o primeiro diretor do departamento de matemática da Universidade de Alexandria (a primeira do mundo – de modo que as universidades já podem comemorar seu 23º milênio, o quê, creio, devem fazer logo, em festa mundial) foi justamente o nosso Euclides. A Barsa eletrônica nos informa que ele reuniu o conhecimento de seus predecessores gregos, Hipócrates (o que era médico nasceu em Cós por volta de 460 e morreu em torno de 377 a.C.; este Hipócrates é outro, matemático) e Eudóxio, além dos trabalhos dos egípcios, que já estavam na matemática desde as origens, lá por 4500 a.C., segundo alguns autores, de forma mais definida desde a construção das pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos, lá por 2500 a.C.

                            Em primeiro lugar, dos 13 livros dois são da Irmandade Pitagórica, diretamente, portando sobram 85 % para Euclides. Quando é dele, realmente? Vimos que parte era de Hipócrates e de Eudóxio, que o precederam. Parte era egípcia, parte era grega e provavelmente parte vinha de outros povos, hindus e persas, entre outros.

                            Confortavelmente no centro da maior biblioteca do mundo antigo, com 600 mil volumes vindos de todas as partes do mundo, na posição de reitor da universidade, Euclides fez um baita trabalho de colagem. Isso não tira o mérito dele, de modo algum. Fez um livro útil, verdadeiro, não-cansativo, enxuto, admirável, compacto e com outras qualidades. Tanto assim que não foi mudado até o século XIX. A primeira tradução do grego data somente de 1505, imagine só! Até então esteve em mãos dos árabes (que fizeram relativamente muito pouco, desde 632 até quase 900 anos depois, diga-se de passagem).

                            Mais adiante, p. 69, Singh arremata: Com um conhecimento tão completo, os Elementos foram a base do ensino da geometria nas escolas e universidades durante os dois mil anos seguintes”. Pense em quantos livros estarão sendo lidos daqui a dois milênios e você perceberá a proeza.

                            É claro, o magnífico reitor Euclides estava no centro de uma instituição, todo mundo trabalhando para ele, como graduandos trabalham para os mestres, mestrandos para os doutores, estes para os pós-doutorados e pesquisadores das cátedras. Sempre foi assim.

                            Mas você não vê por aí tantos trabalhos de compilação tão elegantes quanto os Elementos. São pouquíssimos. E quantos durarão dois milênios? Por aí se vê a grandeza de Euclides. No entanto, quantas estátuas há dele, a quantos museus atribuímos seu nome, quanto agradecimento temos demonstrado a ele?

                            Vitória, quarta-feira, 12 de março de 2003.