quarta-feira, 31 de agosto de 2016


Consciência Pesada

 

Foi um boçal qualquer que inventou isso de soltar o vírus “consciência pesada”: ele se comprazia em ir a comício e soltar o CP. As cabeças tombavam e quase nenhum político do Megislativo, pouquíssimos juízes do Eudiciário, contados a mão governantes do Jexecutivo, número mínimo de ministros do Linistério não pendia as cabeças – todos tinham consciência pesada. Eram 5,5 mil perfeitos, dezenas de milhares de dereadores, incontáveis deles.

Quem tivesse feito isso ou aquilo, todos com consciência pesada.

O sacana ia às palestras dos empresários e soltava o cepê, CP, consciência pesada e era um inferno: nem adiantava fingir que era torcicolo, era consciência pesada MESMO. Algum exagero do passado, sonegação, pernada nos sócios, uso da empresa com fins próprios, maus-tratos aos funcionários, redução do peso ou da qualidade dos produtos, era uma bosta.

De onde saiu esse filho da puta?

Começou uma gritaria danada. Aqueles poucos que não tinham consciência pesada foram visto como meliantes, COMO SE ELES FOSSEM OS GRANDES RESPONSÁVEIS: por quê tão poucos? Essas porras tão aí para denunciar a gente! Pega pra capar! Todos empinadinhos, de cabeça em pé, cheios de empáfia, enquanto os outros pendiam suas cabeças para frente, para trás, para os lados. Em uns a consciência pesava tanto que eles não conseguiam nem ficar em pé – esses eram os mais revoltados, porque eram motivo de chacota daqueles que tinham pouca consciência pesada.

O Congresso passou moção devastadora. O Senado, tanto quanto a Câmara votou resolução que levava as forças armadas a agir em surdina para impedir essa ação de estrangeiros que queriam desestabilizar os vários níveis do governo brasileiro. Particularmente, quase todos os generais estavam com consciência pesada. Como se sabe, “coronel é que nem macarrão, só é durinho até entrar na panela”, de forma que os coronéis durinhos não tinham consciência pesada, era uma garantia e os generais com cepê apelaram a estes, usaram a indignação desses para incitar as tropas. As potências estrangeiras hostis às forças armadas...

Na imprensa havia também muita gente com consciência pesada, em toda a mídia (muitos na TV, na Revista, no Jornal, no Livro-Editoria, na Internet, na Rádio, em toda parte). Os efeitos iam se espalhando, era uma praga, o povo olhava espantado seus líderes, quase todos com consciência pesada.

Aqueles com cepê procuravam revidar e acusavam os outros, agradecendo a Deus por a maioria do povo (nem todos dele) estar isenta, porém também se via muito, embora por outros motivos, como inveja, deduragem, puxa-saquismo, pequenos furtos, uma quantidade enorme de desvios que a consciência pesada punia irremediavelmente.

E tanto fizeram que o rapaz foi encarcerado, o bioquímico que inventara essa força desmoralizadora do governo, esse agente dos poderes estranhos, das doutrinas anti-brasileiras.

Serra, quinta-feira, 02 de fevereiro de 2012.

Conde Trácula


 

 O Conde Trácula ficava uma fera (brincadeirinha, não me morda) quando se apresentava e erravam o nome dele. Neste particular, é o seguinte, é como apelido, se você reclamar aí é que “cola” mesmo, firma-se e não tem jeito. Você tem de levar na flauta, fingir que não se importa ou não se importar mesmo, até cair em desuso. Ou não.

- Muito prazer, conde Trácula.

- Drácula?

- Não, Trácula.

- Báculo?

- Não, TRÁCULA. Com T.

- Tácula?

- Trácula, Trácula, Trácula.

As pessoas faziam de propósito.

Porque sabiam que ele “era do bem”, diferentemente do seu parente, seu primo-irmão, o conde Drácula original, que com esse ninguém implicaria.

- Prazer, conde Trácula.

- Mácula?

- TRÁCULA, PORRA (tinha hora que ele perdia as estribeiras).

Ele ficava pra morrer, mas não morria porque era vampiro e vampiros foram condenados e tirar do mundo a gente ruim que o empestava. Infelizmente havia gente ruim demais e eles não davam conta. No Brasil, então...

Ele ficava uma arara, cuspindo fogo pelas ventas, era doloroso de ver. E quando mais se aborrecia mais as pessoas implicavam, porque sabiam que ele não podia revidar. Não que tivesse medo das pessoas, isso não, era mais por convicção, ele tinha se decidido a não tomar “sangue vivo”, quer dizer, sangue que ainda estivesse no corpo das pessoas. Porisso assaltava os bancos de sangue ou bebia de gente recém-morta. Ou pegava Tampax e Modess nas latas de lixo, era triste de ver o esforço que ele fazia para ser correto num país que não dava a mínima bola para isso.

E o traquejo social do conde?

Era zero. Eu falei pra ele: conde, leia a passagem de Rui Barbosa. O senhor estava lá, viveu na época do cabeção de Haia, o senhor tem de ler. Não acredite nas pessoas.

Quê?!

Zero, ele tinha essa tendência de acreditar nas pessoas, acreditava que as pessoas não estavam mesmo entendendo o nome dele. O sangue lhe subia à cabeça. Aliás, era por isso que ele tinha de beber sangue (como os vampiros brasileiros em geral) do povo, mas só nas condições já descritas, nada de gente viva, pois não fabricava, não fazia nada, como as elites. Estava condenado a viver de sangue, suor e lágrimas do povo, como os políticos.

Serra, segunda-feira, 05 de março de 2012.

Coleta de Picuinhas

 

PICUINHA NO HOUAISS ELETRÔNICO

Substantivo feminino
1, o primeiro piado das aves
2, dito picante, mordaz, malévolo; remoque, piada, picueta, picuetada
3, atitude ou dito cujo intuito é contrariar, aborrecer outrem; pirraça, provocação
4, hostilidade um tanto gratuita, prevenção, desconfiança, implicância, cisma

O homem que recolhia Picuinhas passava aos sábados naquele bairro, cada dia era um bairro diferente. Passou bem cedinho, porque depois engatava no serviço na empresa dele, era a primeira vez. Pensava aliviar as pessoas, se elas quisessem se desfazer das Picuinhas.

- Quem vai querer se desfazer de suas Picuinhas?

Ele apregoava em alto e bom som; era serviço pro bono, para o bem, de uma pessoa que se arrependera de ter dito algumas coisas bem ruins.

- Aqui, moço.

- Que Picuinhas a senhora está disposta a colocar para fora?

- Ah, uma que saiu numa disputa com meu irmão, há mais de 25 anos e até hoje me persegue, não me deixa quieta.

- De qual?

- Foi uma Provocação.

- É?

- Sim, mamãe estava dando muita atenção a ele.

- Não foi Pirraça?

- Não.

- Pirraça eu não levo porque fica gritando no ouvido da gente, batendo o pé, fazendo barulho, é insuportável.

- Não, não, foi Provocação mesmo.

- Também não levo Cisma, porque já tenho as minhas: por exemplo, cismei que o PT daria certo e a senhora viu no que deu, né? E essa Cisma fica me perturbando até hoje.

Da janela da vizinha um senhor idoso disse algo.

- Tenho aqui um Dito Malévolo, o senhor leva? Tá comigo desde que impliquei com a Zefa, ela já morreu faz três anos e ele não me larga.

- Dito Malévolo é Picuinha das brabas, minha mulher não deixa, nem dedetizando, porque atrai o Maligno, diz ela, Deus nos livre e guarde. Desculpe.

- Tem nada, não, bem que tentei.

Da casa defronte outro homem fala.

- Da variedade Mordaz o senhor leva?

- Não levo, minha mulher também não deixa por causa das crianças, diz que é mau exemplo.

- Então, o senhor leva o quê?

- Só as Picuinhas mais brandas.

- Prevenção, leva?

- Levo. O senhor tem?

- Tenho, várias Prevenções contra a classe média e os pobres barulhentos, sem falar em empresários desonestos.

- Levo todas que o senhor tiver.

Duas casas adiante uma mulher intervém.

- Tô com umas Desconfianças do meu marido, o senhor leva?

- Levo, Desconfianças é bom a gente se livrar logo, quanto mais cedo melhor, senão envenena a casa. E Hostilidade?

- Não, a juventude é que gosta disso, na minha idade não cabe, foi porisso mesmo que perdi uns negócios, depois melhorei da crise provocada pela Hostilidade, coloquei outro negócio e me dei bem.

Das mesmas casas de antes alguém pede.

- Vem cá, e Picueta, Picuetada?

- Nem sei o que é isso, é estrangeira? Melhor não mexer com isso.

Alguém grita, seis casas acima.

- E Piadas?

- Ah, essas são boas, com todo prazer, solto na mesa e o pessoal ri à Bessa, são boazinhas. Mas só levo as melhores, porque Piada ruim é fogo, nem os amigos suportam.

E ficaram ali conversando um bom tempo sobre as Picuinhas que infernizam as vidas das pessoas.

Serra, sábado, 11 de fevereiro de 2012.

Comumbeira II


 

A coisa pegou na Comunidade Macumbeira, o Condomínio Macumbeiro, o prédio feito especialmente para abrigar o pessoal que gosta de macumba, de Umbanda e Quimbanda e suas linhas imbrincadas.

Depois de aparecerem trabalhos nas portas de quase todo mundo (menos os cabeças-raspadas e os de corpo fechado), eles se espalharam pelas matinhas do local, que já tinham sido pensadas com esse propósito, embora não tenham sido exclusivamente usadas para isso; nem muito mesmo se faziam os trabalhos só por lá como constava no projeto original e dos termos dos contratos assinados que, por sinal, ficaram cheios de erros PORQUE teve os engraçadinhos que fizeram pemba pra dar errado e não havia nada que os advogados pudessem fazer. Pensaram em contratar advogados proficientes em passes e vales-transportes (são aqueles que levam você para longe), mas a OAB se meteu e bloqueou, os advogados já faziam outras artes.

Tudo foi longe demais quando além de nos corredores os moradores começaram a fazer trabalhos nas áreas de diversão. No campo de futebol os times nunca conseguiam ganhar: um time estava vencendo de 107 a 2 e no último segundo empatava, o outro fazia 105 gols, ninguém sabe como. No basquete as bolas não entravam e nem adiantava reclamar com o juiz, que se encontrava em pânico, cercado por exus-pinicantes, exus-coceiras, exus-urtigas e exus-cansanção. A área de ginástica tornara-se praticamente inútil, pois as pessoas em vez de perder peso depois de seis horas malhando, GANHAVAM peso. Entrar na piscina nem pensar, já que a pessoa ficava lá embaixo por três ou quatro horas, com a vantagem de não se afogar; só levando livro.

Coisa de doido. E alguns maliciosos atacavam as crianças. Ah, pra quê? Choviam raios e trovões.

Os TVs e as rádios não pegavam nada, só as coisas do plano astral, embora isso fosse bom, porque Stephen King foi morar lá para criar seus livros, mas só deixaram Paulo Coelho entrar por pouco tempo, porisso os livros dele não ficaram muito bons.

Um inferno, mas “inferno do bom”. Era divertido, afinal de contas, todo dia tinha alguém com a perna quebrada ou azedavam as coisas. Muita puína, muito iogurte, muito leite talhado.

Os policiais foram chamados, mas ninguém queria ir, até criarem uma Força Espacial Exupimpa (FEE, mais conhecida como Fé) especialmente treinada na Bahia. Alguns foram fazer pós-graduação no Caribe, no sul dos EUA, até na África, mas na verdade a base baiana é que era boa, a que havia se desenvolvido mais no mundo. A do Rio de Janeiro se degenerara um pouco. 27 policiais foram designados para lá e nunca mais foram vistos, exceto que apareceu um monte de cachorrinhos e gatinhas, por coincidência 27 também, uns labradores bonitos, uns pitbull, um dogue, uns bassês, umas gatinhas, inclusive uma persa de nome Maria Fayed, por acidente o de uma policial (acho que foi homenagem).

Serra, sábado, 03 de março de 2012.

Companhia Rosa de Lis


 

O capitão Gustavo bateu à porta.

- Quem é?

- Como, quem é? É o capitão Gustavo, vim passar revista à tropa.

- Espere um pouco (para dentro). Gente, é o Gustavão Gostosão.

Vários ais e uis. Demora um tempo, o capitão se impacienta.

- Abram logo essa merda.

- Não podemos, capitão gostosão, quer dizer, Gustavão, estamos em trajes íntimos.

- Quem tá falando?

- É o cabo Jura, capitesãozinho.

- Que cabo Jura?

CABO JURA (tentado falar grosso) - Cabo Jurandir, senhor.

CAPITÃO GUSTAVO (injuriado, socando a porta) – abre logo essa titica, cabo.

CABO JURANDIR – Ih, o capitãozinho tá bravo, garotas, é melhor abrir.

Abre. O capitão entra pisando duro.

- Quem está no comando, aqui?

- Sou eu, capitão, sargento Moça.

CAPITÃO (surpreso) – Moça?

- É Moacir, senhor, mas elas, quero dizer, eles trocaram o nome.

- Moça, Moça, Moça (gritam vários). Ela é sargentona, girls.

SARGENTO MOACIR (constrangido) – depois vou te pegar, Riva.

CAPITÃO – quem é Riva?

- Soldado (aliás, muito dado, gritam várias) Rivadavia, senhor. Onde está o supercapitão Guilhermão, aquele tesudo, nossa, aquela barriga de tanquinho, não é, meninas, é de arrasar, aqueles bíceps, aqueles glúteos, ui, quase derreto.

- Ele está doente.

A COMPANHIA TODA (assombrada) – Doente? Tá doentinho, vamos lá levar socorro, moças.

- De jeito nenhum, fiquem onde estão. Posição de sentido junto às camas. Até que estão arrumadinhas (estavam todas superarrumadas, sem nenhum vinco, um primor, um capricho).

- O senhor acha, capitão Gostosão, que vamos ser iguais às botinas, que cospem no chão, que horror, enceram as botas nos lençóis (várias fazem que vão desmaiar). Como está o caso delas/deles com as mulheres?

- Bem, o comando fez uma cruz (“é uma cruz pra carregar”, diz o coronel comandante), vocês ficam num braço, elas/eles no outro, as mulheres no lado da cabeça, nós nos pés, que somos em maior número, o comando no centro para tentar equilibrar tudo. Foi preciso passar uma cerca de arame farpado entre as botinas e as mulheres e entre vocês e nós, pelas razões óbvias.

- Fala, capitão Gostosão, gosto tanto quando ele fala, é tão positivo, tão másculo.

- Bem, as botinas ficavam dando em cima das mulheres e você queriam passar para nossas barracas. Em compensação, nós homens estamos aos pés da cruz.

FAZ UM DESENHO (assim)


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


- Como sabem, há patrulhamento e quem for pego tentando atravessar vai ficar na solitária.

- Puxa, capitãozinho, que maldade.

- Pode ser, mas vai ser assim. Difícil mesmo é a ordem unida e formar as duplas, pois as botinas ficam beliscando a bunda das mulheres e vocês ficam jogando beijinhos, mas o comando está cuidando disso.

- Tudo no interesse da defesa da pátria contra os interesses de fora, né, capitão Gostosão?

- Que pátria, que interesse, mal estamos conseguindo equilibrar os conflitos internos.

Serra, segunda-feira, 12 de março de 2012.

Com a Cabeça nas Nuvens

 

Os americanos inventaram aquele aparelho de colocar nas costas; quando foi apresentado em estádio de futebol no Brasil, os brasileiros que viram ficaram encantadíssimos, o apresentador americano espantou-se, pois disse que nos EUA era bem comum.

Descrição: http://www.likecool.com/Gear/Gadget/Martin%20Jetpack/Martin-Jetpack.jpg
Descrição: http://imgs.obviousmag.org/archives/uploads/2008/08051302_blog.uncovering.org_helicoptero.jpg
Descrição: http://imgms.viajeaqui.abril.com.br/1/foto-galeria-materia-620-otmn.jpeg
Descrição: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZP46EEfrnWMSTfIQWV7glKxNXIqiGV3C5LFcWyXVcEtdOK1VofxmyTLs7eIx9EWgdK1ZM2JOVQClCNqpU_GIJrkPMb19q612NEAbX_aXd1GSpsaelYwuX3P08sqUaw4NAAj3OwONEQdw/s400/91545.jpg

Os brasileiros encantaram-se, queriam comprar de qualquer jeito. Para assegurar que os aparelhos funcionassem direito os americanos insistiam em colocar atrás e os brasileiros deixavam. Colocavam sempre com jeitinho e os brasileiros deixavam e até gostavam, riam à toa, felizes da vida, estavam levitando de prazer.

Com o tempo, e depois das lições dos americanos, os brasileiros já tinham mais confiança em si e iam sozinhos pro espaço, subiam de início 10 ou 15 metros, depois 50 ou 100 e assim foram subindo no conceito uns dos outros, chegando até as nuvens, ficando com a cabeça nas nuvens, alucinados com a luz, em número tão gigantesco que atrapalhavam os vôos dos aviões, não estavam acostumados, uma algazarra danada.

Que dizer sobre o deslumbramento de ver o que nunca se viu antes? Eram como crianças, não sabiam dos perigos sob seus pés no caso de falhas e desabamento, queda. Acostumados a crescer e a tudo ter de mão-beijada, os brasileiros eram como crianças, não tinham costume de dirigir sozinhos seus destinos, a responsabilidade do vôo solitário era grande.

Serra, terça-feira, 07 de fevereiro de 2012.

Cinco Semanas num Balão


 

Os quatro rapazes, bem entrados na frente de ondas da tecnociência e nela muito competentes firmaram um acordo geral, como grandes admiradores de Júlio Verne (claro, leram todos os livros, tinham todos os filmes, participaram de todas as palestras, tinham todas as biografias – embora algumas fossem detestadas por denegrirem mesmo que levemente a memória do grande homem e ficcionista precursor francês).

Então, prepararam um balão ultratecnocientífico, avançado mesmo e quando digo AVANÇADO é AVANÇADO MESMO.

Em primeiro lugar, nunca precisaria pousar PORQUE era dotado de tudo: a água seria coletada pela área exposta do balão, que era enorme, comportando embaixo quase uma casa. Receberam autorização da ONU e tudo, queriam provar que era possível viver em balão por tempo indeterminado, desde que com o auxílio da tecnociência. Tinham luz (fornecida por eletrocoletor solar) como aviso permanentemente piscante para os aviões, plano de voo, suprimentos de sobra.

Foram preparados mesmo.

Era espantoso, as pessoas se reuniram para aplaudir como na ficção de Jules Verne. Cinco semanas eram o quê? 5 x 7 = 35 dias. Esse primeiro livro era de 1863. Eles fizeram essa para treinar. Mais adiante eles entraram numa de fazer 80 semanas de balão, embora no livro original de 1872 não haja nada disso, mas a tentação era grande: 80 dias davam mais de 11 semanas e a volta ao mundo era muito atrativa. Então, eles foram além, planejaram 80 dias percorrendo todo o mundo, a mesma trajetória da FC filmada de Verne, só que por ar. Propaganda ótima para a empresa deles.

Foram apenas homens porque planejavam fazer documentário e com ele pagar a viagem toda, já estava acertado com as televisões, inclusive o acompanhamento diário através de BMM. Se levassem mulheres, as namoradas, começaria algum romance, a observação seria prejudicada fatalmente.

DIA
DESCRIÇÃO
1
Foi emocionante demais aquela gente dando adeus, tchau, e nos desejando toda a felicidade. Puxa, fiquei emocionado. Tiramos mais de mil fotografias com a digital de 80 giga pixels. Tudo que fizermos já está pré-acordada a venda, mas só entregaremos ao final. Está instalado dispositivo que impede receber ou enviar.
2
As paisagens são formidáveis, muito melhores que o Google Earth 3.0, as pessoas vão ficar doidinhas. Cara, que ideia maravilhosa do Samuel essa de fazer a viagem.
 
 
10
Ah.
 
 
18
---
 
 
28
Tá um pouco monótono, né? Vamos interromper? Não dá, né, nem resgate por avião porque instalamos o maldito dispositivo bloqueador que interfere na aviônica. Nem helicóptero, nem nada.
29
Ninguém se lembrou de trazer asa delta?
30
Alguém trouxe baralho? Ninguém? Puta merda, que falta de imaginação. Você lembrou?
 
 
40
Que isso, Carlão??!! Não pula, cara.
41
Bom, Carlão pulou. Puta merda, estou em choque.
 
 
45
Que cê tá pensando? Em merda. Poxa, cara, bastou o Carlão, agora você vai, também, não me deixa com o Samuel, que eu tô querendo bater nele. Não, fiquei pensando em nosso mijo e cocô caindo lá em baixo, já pensou nisso? Já. Vamos juntar bastante? Será que vai cair na cabeça de quem? Sei lá, mas podemos compor cenários.
 
 
50
Foi divertido, né? E agora, o que vamos fazer? Vamos jogar o Samuel enquanto ele tá dormindo? Ele tá tomando antidepressivos, deixa ele, mais pra frente a gente joga.
51
Nico, que você tá fazendo perto da borda? Não me larga sozinho com o Samuel, hoje bati nele, não tô mais aguentando.
 
 
65
Samuel morreu de tanto barbitúrico, ele tomou todos de uma vez, overdose. Bem-feito, aquela besta, não sei por que ele teve essa ideia de merda! Vou jogar ele, pena que tá morto, perdi a chance de jogar ele vivo, não sei por que deixei acontecer isso.
 
 
68
Raposo pulou, tô sozinho, vou ver se aquento, faltam só 12 dias, metade vou dormir, seis dias acordado. Pior é que os aviões ficam rodeando e não podem chegar.
 
 
80
Repórter – finalmente o balão pousou, mas tá vazio. A caixa preta foi retirada, vamos ver o que ela nos diz.

Serra, domingo, 26 de fevereiro de 2012.