As Mandíbulas Sociais
dos Sapiens e os Erros de Desmond
O zoólogo Desmond
Morris nasceu na Inglaterra em 1928 e escreveu O Macaco Nu, publicado no Brasil pela Record em 1976, na língua
materna em 1967. É um livro muito
interessante, mas sugere linhas erradas de busca e contém impropriedades
lógicas, no meu modo de entender.
Na página 28 ele
diz: “O físico do primata é bom para trepar, mas não está preparado para
corridas de velocidade no solo, nem para proezas de longo fôlego. Trata-se mais
de um corpo ágil de acrobata do que da envergadura de um atleta poderoso. As
mãos são boas para agarrar, mas não para dilacerar ou para ferir. As mandíbulas
e os dentes são razoavelmente fortes, mas nada que se compare com o maciço e
esmagador aparelho preênsil dos carnívoros. O assassino ocasional de pequenas
presas insignificantes não exige grandes esforços. Na verdade, matar não é um
aspecto fundamental no modo de vida dos primatas”.
Vi um programa
admirável passado num dos canais pagos, no qual os pesquisadores sugeriam que a
adição dos cães ao círculo doméstico permitiu aos seres humanos a retração da
mandíbula. Isso foi um profundo insight, mas esbarra no Modelo da Caverna, em
que as mulheres (fêmeas e pseudomachos) coletoras ficavam na caverna enquanto
os homens (machos e pseudofêmeas) saíam para caçar. Elas eram, com crianças,
velhos e velhas, estropiados, anões e anãs, 80 a 90 % de todos, enquanto os que
iam não passavam de 10 a 20 % no máximo do contingente. Os cachorros iam com os
homens: como é que a mandíbula das mulheres retrairiam, se seu grupo era
maioria? A tendência é, pelo sexo, a maioria sobrepujar a minoria, exceto
quando a mutação for muito boa.
Mas a questão aqui
não é essa.
Desmond Morris e a
maioria não vê que os seres humanos puderam enfraquecer seu corpo individual
porque seu corpo social foi ampliado. De fato, passamos a PESSOAS (indivíduos,
famílias, grupos e empresas) e depois a AMBIENTES (municípios/cidades, estados,
nações e mundo). O corpo atrofiou porque, também, a mente foi ampliada
desmesuradamente. O corpo dilatou-se nos objetos, além disso; por exemplo, nas
lanças, nos arcos-e-flechas, nas armadilhas, nas catapultas. Nenhum macaco ou
leão têm canhões, nem foguetes, nem destróieres. Não caçamos mais com as mãos,
CAÇAMOS COM A LÍNGUA, que acumula fora de nós. Não a língua biológica, mas a
língua-razão, que amplia nossas possibilidades ao infinito. Não caçamos
sozinhos, um a um, ou num grupo pequeno. Matamos POR DIA centenas de milhares
de reses num país pequeno e milhões de aves. Cultivamos milhões de km2
todos os anos, quando um indivíduo não poderia amanhar, com seus parcos
recursos, mais que alguns metros quadrados.
As lanças são nossos
dentes de dois metros de comprimento, maior que qualquer uma que já houve na
Natureza. As ogivas termonucleares são dentes de 10 mil km de comprimento,
rasgando não um animal de cada vez mas milhões. Não há nenhum animal, com
“maciço e esmagador aparelho preênsil” que se compare nem de longe ao que mesmo
os seres humanos mais atrasados de nossos dias podem fazer.
Morris, com sua
formação de zoólogo ainda vê a Natureza Um, biológica/p.2, enquanto já estamos
muito adiantados na Natureza Dois, psicológica/p.3, quase entrando na Natureza
Três. Então, erra, como quase todos os outros, igualmente. É que os seres
humanos não têm mais mandíbulas biológicas, têm mandíbulas sociais,
psicológicas, racionais – têm mandíbulas coletivas.
Vitória, domingo, 25
de julho de 2004.