Congresso dos Retardatários
Antigamente
os países do Terceiro Mundo chamavam-se Não-Alinhados e tentaram um efêmero e
mal-conduzido processo de reunião das parcas forças e poderes. No modelo
redividí em quatro mundos, de modo que há um Quarto Mundo, e sendo cerca de 220
nações isso dá quatro grupos de perto de 55, no conjunto de Primeiro e Segundo
ficando 110, das quais não cuidaremos aqui.
Em
primeiro lugar não deve haver vergonha em assumir ser retardatário. Se for uma
situação de fato, vergonhoso seria ficar se enganando, como um pobre que
querendo passar por rico ficasse ainda mais pobre por estar gastando em bens
suntuários fora de seu alcance. Assumir como tal sua identidade focal,
desalienar-se das imposições alheias é o primeiríssimo passo, o primeiro passo
do caminho de mil milhas, como disse Lao Tsé.
Depois,
há o processo de união, que é doloroso, porque há os alienados ou envergonhados,
e há os serviçais, que é preciso convencer, mostrando a utilidade da união. E
há o inimigo interno, os vendidos que estão a serviço dos estrangeiros. E há os
que têm complexo de inferioridade, que não suportam ver-se como são e preferem
travestir-se nos modos, nas crenças, nas vestimentas dos alienígenas.
Em
terceiro lugar, há que sustentar o processo de união, o que quer dizer um
Congresso dos Retardatários, com tribuna, gravações, tudo que é necessário numa
assembléia, e assim mesmo num país não-dominante, pois a liderança indevida
acarretaria fatalmente a fuga dos resistentes. E deve ser espaçotempo modulável,
crescendo por módulos, com as adesões.
Deve
haver uma Mídia do Congresso (TV, Rádio, Revista, Jornal, Livro e Internet), além
de propaganda boca-a-ouvido, muita militância indo de país a país com economia,
organização e extrema produtividade – de ônibus, de carona, como for.
Em
quinto lugar é preciso convencer os da frente de que eles não serão ameaçados,
pelo contrário, o crescimento dos de trás acelerará ainda mais o dos da frente.
Que as fontes de matérias-primas e energia não serão superpressionadas, etc.,
até porque O CRESCIMENTO QUE SE QUER NÃO É AQUELE DELES.
Adiante
é preciso postular um DESENVOLVIMENTO RETARDATÁRIO, isto é, dessemelhante
daquele que justamente por não ser o vetor cultural/nacional dessa metade nunca
se torna desenvolvimento real, só imitação malfeita. Tomar uma trilha de
independência, com uma tecnociência e um conhecimento apropriados aos
retardatários, que nisso não serão mais, de modo algum, retardatários, logo
estarão com seu próprio e copiado modelo de desenvolvimento, rendendo muitas
pesquisas & desenvolvimentos teóricos & práticos de grande relevância.
Agora,
deve haver um estímulo firme para desenvolver uma PERCEPÇÃO (visão, audição,
paladar, tato, olfato) DE MUNDO própria dos retardatários, um ESTAR-NO-MUNDO
distinto, mas não separado, independente, mas não hostil, de tal modo a atrair
aqueles abnegados de lá que queiram sair em missão de amparo psicológico e
viver valores diversos dos seus, de um novo modo de conhecer e produzir.
Mas
a condição zero de tudo são as lideranças nacionais desses 110 se posicionarem
por um futuro seu, que não esteja a reboque, que não seja vagão da locomotiva
alheia.
Vitória,
sexta-feira, 25 de outubro de 2002.