O Trem da Vida
- Oi, nunca tinha te visto por aqui.
- Vai ver que você circulava em outro
setor. E, depois, a gente trabalha bastante, embora menos do que, digamos, o
pessoal do vagão 55. Aqui no 42 não é tão pesado. Parece que o pessoal do 55
trabalha horrores, além de passar por muitas doenças.
- É, parece que é. Você se lembra de
quando tava no vagão 25, 26, 27?
- Se lembro, era um despreocupado,
achava que ia mudar o trem, a composição toda, reordenar as coisas.
- Rapaz, que bobageira, né?
- Nem me fala. Olha lá, tá vendo os
idiotas?
- Há, Há. São uns patetas, não sabem o
que os espera, filho pedindo isso, esposa pedindo aquilo, chefe enchendo o
saco, impostos, impostos, impostos, o governo atrapalhando, a roubalheira, é de
doer.
- É, não vamos começar a reclamar.
- Olha aquele lá, de cabeça abaixada,
aquele tá derrotado, é um perdedor, em vez de aproveitar para ver a paisagem
fica chorando, é um animal.
- Não agüentou coitado. Quando ele
passar pro vagão dos 75 tá fudido.
- SE PASSAR. Têm vários aqui que
simplesmente caem e não levantam, às vezes caem até mais cedo, ali mesmo são
enterrados e desaparecem.
- Você sabe pra onde o trem tá indo?
- Eu não, nem me pergunto mais, parece
que tem gente aí que respondeu (à voz pequena: ou pensa que respondeu, entende?
Pisca o olho).
- Rio pra caralho desses filósofos,
enquanto a gente tá ralando eles ficam investigando as “profundidades da
existência”, vê se pode.
- Até que tem umas coisas
interessantes, mas no fundo a gente deveria fazer que nem as mulheres, elas se
pintam, riem, trabalham pra caramba, não prestam atenção, elas são mais sábias,
a gente fica com isso de investigação, investigação de c* é rola.
- Mais tarde vou encher o c* de cana.
- Também.
- Tá vendo aquele babaca lá, fazendo
discurso, quem ele pensa que engana, milhares e milhares de políticos, de
sindicalistas, de governantes, de juízes vivem às custas da gente, viajam de
graça pra toda parte, comem de graça, não pagam transporte, tudo pra eles é de
graça, o salário deles vem limpinho, porisso tem dezenas de milhares deles
querendo mamar nas tetas.
- Tenho mais dó é das crianças.
- É, mas se você pensar, se não houver
essa ilusão pra elas naqueles 10, 15 anos, quando crescer vai ser de arrasar.
Nos vagões iniciais tudo é bonito, olhe esses caras daqui, tudo caidaço já,
comendo igual aos porcos, sem fazer exercício, muito açúcar, muito sal, muita
gordura, muitos condimentos, muito de tudo, vão se fuder.
- Quero mais que se fodam. Lei de
Murici, cada um cuida de si.
- Cara, quando acordei já tava no 42.
- E eu? Puf. Pensa que não, puf, 42,
aí que a gente desperta, tamo caminhando pro final, brô.
- Rapaz, quando começo a pensar nisso
dá um nó. Mais oito e tamo no vagão 50. Cê já pensou nisso? Cinqüentão, cara, é
vapt vupt, um sopro e pam, é pá, bosta. E depois do 50 é só descendo a ladeira,
por enquanto ainda vamo subindo.
- É rápido demais, você não acha? Você
pensava que ia ser rápido assim?
- Qualoquê, quando eu tinha 15 achava
quem tinha 42, gagá, eu tinha um tio que tinha 42, agora tá no 69, bicho, é
doideira. Cê já viu como os dos vagões da frente andam quietos? É o cagaço da
morte.
- Vamos parar de falar disso e vamo
beber.
- Acho é bom. Vou passar o resto da
vida atolando a cara.
- Não entra nessa, que se você pegar
colesterol e glicose tá na merda.
- Pra que cê foi lembrar isso?
Serra, sexta-feira,
03 de fevereiro de 2012.