sexta-feira, 2 de setembro de 2016


O Martelinho de Vidro


 

Argeu colocou uma loja como quem coloca uma igreja protestante, visando a melhoria de vida.

Chamava-se O Martelinho de Vidro, quem entrava comprava (Ganhar? Eu, hem?), um livro de autoajuda (ajudava a ele) que recebeu apropriadamente o mesmo nome, tudo fácil de lembrar, O Martelinho de Vidro. A ideia não era usar o martelinho, pois era de vidro, como o próprio nome diz: visava a autocontenção da pessoa. SE ela usasse o martelinho no dia a dia muito cruel do Brasil, perdia pontos, eram vigiados pelos “vigilantes de vidro”, todos muito transparentes, como os “vigilantes do peso” – a pessoa perdia pontos se quebrasse o martelinho na cabeça de alguém. Pior ainda se enfiasse o cabo na barriga ou no olho desse alguém muito atrevido e safado.

Voltava a zero. Era difícil progredir, como no Brasil já era mesmo, pouca diferença a pessoa sentia, já estava acostumada, eram muitos os percalços.

Os princípios eram os mesmos da maçonaria, onde recebiam o martelo do auto-aprimoramento (no MV era alto-aprimoramento) e um cubo de vidro todo rombo (nem adiantava dizer que se era rombo não era regular, não era geométrico, portanto não era cubo – o que valia era a “intenção pedagógica”, todo mundo que estava por dentro entendia e quem estava por fora, bem, estava por fora).

O Martelinho de Ouro livro foi vendido aos milhões, como Paulo Coelho, você lia e não guardava uma palavra, mas era leve, dava tranquilidade, porque você pensava que entendia, já que não havia nada para entender. As pessoas ficaram muito felizes, pois se sentiam superiores ao finalmente entenderem nem que seja um livro: ERA POSSÍVEL LÊ-LO, o que não se pode dizer desses filósofos abstrusos, inutilmente complexos, vá de retro, satanás, esconjuro, praga dos infernos, nunca vou ler uma coisa dessas. E se souber que algum amigo leu vou dar porrada.

A loja se espalhou pelo mundo, havia muitas cabeças precisando de martelo, a adesão foi maciça e começou a chover dinheiro, as pessoas trabalhavam duro e, entendendo os motivos acumuladores de Argeu em prol do bem de todos que eram seus amigos, doavam o que tinham e o que não tinham, no máximo 10 % para fazer jus à palavra dízimo. É claro que para ter direito a isenção total Argeu transformou a loja em culto e igreja, recebendo todos os benefícios da lei, inclusive isenção de IPVA.

Foi uma febre sem remédio. Transformou-se em movimento (porque a sigla era MV), virou partido político, não tinha mais responsabilidade nenhuma com a vontade da população. Sempre havia público para os desatinos mais elegantes. Argeu instituiu graus (para os prosélitos: aprendiz, companheiro e mestre), inclusive os “graus 33” e até mais altos, pois a vodka vai de 35 a 60 %, mas isso era só para os íntimos, para os quais, diga-se de passagem secreta, era tudo uma festa. Ai, ai, foi tão bom. Não sei por que a polícia se meteu.

Serra, sexta-feira, 02 de março de 2012.

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