sexta-feira, 2 de setembro de 2016


O Trem da Vida

 

- Oi, nunca tinha te visto por aqui.

- Vai ver que você circulava em outro setor. E, depois, a gente trabalha bastante, embora menos do que, digamos, o pessoal do vagão 55. Aqui no 42 não é tão pesado. Parece que o pessoal do 55 trabalha horrores, além de passar por muitas doenças.

- É, parece que é. Você se lembra de quando tava no vagão 25, 26, 27?

- Se lembro, era um despreocupado, achava que ia mudar o trem, a composição toda, reordenar as coisas.

- Rapaz, que bobageira, né?

- Nem me fala. Olha lá, tá vendo os idiotas?

- Há, Há. São uns patetas, não sabem o que os espera, filho pedindo isso, esposa pedindo aquilo, chefe enchendo o saco, impostos, impostos, impostos, o governo atrapalhando, a roubalheira, é de doer.

- É, não vamos começar a reclamar.

- Olha aquele lá, de cabeça abaixada, aquele tá derrotado, é um perdedor, em vez de aproveitar para ver a paisagem fica chorando, é um animal.

- Não agüentou coitado. Quando ele passar pro vagão dos 75 tá fudido.

- SE PASSAR. Têm vários aqui que simplesmente caem e não levantam, às vezes caem até mais cedo, ali mesmo são enterrados e desaparecem.

- Você sabe pra onde o trem tá indo?

- Eu não, nem me pergunto mais, parece que tem gente aí que respondeu (à voz pequena: ou pensa que respondeu, entende? Pisca o olho).

- Rio pra caralho desses filósofos, enquanto a gente tá ralando eles ficam investigando as “profundidades da existência”, vê se pode.

- Até que tem umas coisas interessantes, mas no fundo a gente deveria fazer que nem as mulheres, elas se pintam, riem, trabalham pra caramba, não prestam atenção, elas são mais sábias, a gente fica com isso de investigação, investigação de c* é rola.

- Mais tarde vou encher o c* de cana.

- Também.

- Tá vendo aquele babaca lá, fazendo discurso, quem ele pensa que engana, milhares e milhares de políticos, de sindicalistas, de governantes, de juízes vivem às custas da gente, viajam de graça pra toda parte, comem de graça, não pagam transporte, tudo pra eles é de graça, o salário deles vem limpinho, porisso tem dezenas de milhares deles querendo mamar nas tetas.

- Tenho mais dó é das crianças.

- É, mas se você pensar, se não houver essa ilusão pra elas naqueles 10, 15 anos, quando crescer vai ser de arrasar. Nos vagões iniciais tudo é bonito, olhe esses caras daqui, tudo caidaço já, comendo igual aos porcos, sem fazer exercício, muito açúcar, muito sal, muita gordura, muitos condimentos, muito de tudo, vão se fuder.

- Quero mais que se fodam. Lei de Murici, cada um cuida de si.

- Cara, quando acordei já tava no 42.

- E eu? Puf. Pensa que não, puf, 42, aí que a gente desperta, tamo caminhando pro final, brô.

- Rapaz, quando começo a pensar nisso dá um nó. Mais oito e tamo no vagão 50. Cê já pensou nisso? Cinqüentão, cara, é vapt vupt, um sopro e pam, é pá, bosta. E depois do 50 é só descendo a ladeira, por enquanto ainda vamo subindo.

- É rápido demais, você não acha? Você pensava que ia ser rápido assim?

- Qualoquê, quando eu tinha 15 achava quem tinha 42, gagá, eu tinha um tio que tinha 42, agora tá no 69, bicho, é doideira. Cê já viu como os dos vagões da frente andam quietos? É o cagaço da morte.

- Vamos parar de falar disso e vamo beber.

- Acho é bom. Vou passar o resto da vida atolando a cara.

- Não entra nessa, que se você pegar colesterol e glicose tá na merda.

- Pra que cê foi lembrar isso?
Serra, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2012.

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