quinta-feira, 1 de setembro de 2016


Feticheiras


 

DICIONÁRIO HOUAISS ELETRÔNICO


Fetiche
Substantivo masculino
1      objeto a que se atribui poder sobrenatural ou mágico e se presta culto
2. Rubrica: psicopatologia.
Objeto inanimado ou parte do corpo considerada como possuidora de qualidades mágicas ou eróticas
Feiticeira
Substantivo feminino
1. Rubrica: ocultismo.
m. q. bruxa
2. Derivação: por extensão de sentido.
Mulher atraente
3. espécie de vassoura, de mesa ou de chão, que consiste em um sistema de escovas que, rodando dentro de uma caixa, levam consigo migalhas e sujeira em geral para seu interior
4. Rubrica: entomologia. Regionalismo: Brasil.
Abelha social (Trigona recursa) da subfam. dos meliponíneos, de coloração negra, que nidifica no tronco das árvores e produz pouco mel e de péssima qualidade; vamos-embora
5. Rubrica: entomologia. Regionalismo: Minas Gerais.
m. q. formiga-feiticeira
6. Rubrica: pesca.
Rede de pesca de três malhas
7. Rubrica: zoologia.
m. q. peixe-bruxa ('designação comum')

- Decidi fazer minha tese em cima disso, FETICHE + FEITICEIRA. Rapaz, pra quê? Estou arrependidíssimo.

- Uai, uma coisa tão boa!

- É, em princípio parecia. Comecei numa faculdade de ensino à distância, quem quer uma feiticeira por perto? A BEMFEITA (significando Feiticeiras do Bem). Até criei blog, choveram indicações sobre calcinhas, cintas-ligas, sutiãs, sapatos...

- Até aí tudo bem, né? Tá pra nós.

- É, mexi numa casa de marimbondos. Minha ideia era que os fetiches agiam sobre os programas internos através dos olhos (e até dos outros sentidos, pois há fetiches para todo o corpo, descobri: fetiches da visão, da audição, do paladar, do olfato – os cheiros, feticheiros - e do tato), quer dizer, eles são VÍNCULOS externinternos, são links MÁGICO-ARTÍSTICOS que agem sobre o inconsciente, o ID, operando ali mudanças no sentido de favorecimento das feiticeiras, passando elas a dominar o enfeitiçado através da palavra: a CONEXÃO LINGUÍSTICA se faz através do imaginário. Uma vez capturado o sujeito, elas se lhes sobrepõem através de palavras e trejeitos. No plano do imaginário junguiano, entende?

- Muito bacana, pô, cerebral.

- É verdade, até aí tudo bem.

- E o que deu errado?

- Calma, vou chegar lá. Certo, beleza, conhecimento é poder, não sou de usá-lo para ganhar favores, mas se disso adviesse algum bem de modo natural eu não recusaria, as feiticeiras instruiriam as mulheres, que cairiam na minha rede, eu já estava fazendo planos, bem que estava precisado.

- Conta, conta!

- Calma, rapaz. A questão toda é que tudo é mais ou menos feticheiro, a começar dos discursos, da moda, da decoração, do I Ching, se você visse minha tese iria cair de costas. Pois bem, para resumir, que já rasguei tudo e pedi desculpas publicamente, interferi em tantas áreas, inclusive propaganda, governo, forças armadas - já que metade de tudo é assim - e mexi com TANTA COISA que comecei a receber ameaças até dos diplomatas e assim por diante. Cara, esconjuro, pra nunca mais, tá sabendo? Prometi ficar caladinho, só conto procê que é meu melhor amigo. Calma, meu amigo, não atire em mim.

Serra, segunda-feira, 05 de março de 2012.

Fazendo Upgrade

 

- Rita, você viu essas contas?

- Que contas?

- ESTAS CONTAS.

- Não grite, Rodo.

- Não me chame de Rodo!

- Você quer que eu diga (risinho à socapa) Rodoaldro toda vez? Que pai dá um nome desses a um filho?

- O MEU DEU, droga, já tentei, o juiz não quer deixar mudar, fazem tanta merda hoje em dia, mas para mudar simplesmente um nome é uma dificuldade do caralho. E agora, veja essas contas. Você que autorizou?

- Rodoaldro, por quê eu iria autorizar? Deixe-me ver (vê). CRUZES! Puta que o pariu. Quem fez isso?

- Ambos, tanto a Jil quanto o Tom.

- Vou pegar esse dois. Vamos demorar uns dois anos pra pagar isso.

- E olhe lá. Como eles conseguiram?

- Não sei, só se foi aquele bostinha do Mingau, aquele titiquinha hacker amigo deles.

- Aquele pôrra acessou nossas contas? Vou pegar o pai dele e dar porrada, vou descer o cacete, vou cobrar tudinho dele.

- Vai, é? Ele é promotor e a mulher é aquela advogada caríssima.

- É mesmo. Vou reclamar, ver se pelo susto eles pagam pelo menos metade.

- Pode ser, mas duvido. O que eles colocaram?

- Vou ler a lista (lê): pernaltas, pares de braços, agora eles têm quatro braços, você já viu? (Ri) Que é engraçado, lá isso é, estão iguais aqueles lutadores do jogo, como é mesmo o nome? Fizeram upgrade completo. Porisso que aqueles safados disseram que iam ficar com o tio e a tia, você lembrou-se de ligar?

- Liguei. Eles confirmaram.

- Puta merda, estão participando da trama, os safados, ficam mimando as crianças, você tem que falar com sua irmã, assim não dá pra continuar.

- Lê aí.

- “Asas rudimentares”. Que vem a ser isso?

- Já vi na holo, as asas são só de enfeite, na realidade tem um dispositivo antigê, é só para “fazer turma”, como dizem.

- Você tem de concordar que esses seus filhos são hilários.

RITA (rindo também) – “seus filhos”? Na hora das cagadas são meus, na hora que foram pro mestrado com menos de 15 eram seus queridinhos?

RODO – me chama de “meu Rodinho”, vem fazer cafuné. Depois pode tirar?

RITA (pensando na conta) – se eles tirarem logo vou bater tanto que vou entortar tudo.

RODO – eu ajudo.

Serra, segunda-feira, 06 de fevereiro de 2012.

Fazendo a Cabeça

 

- E ai, cara? Quanto tempo.

- É mesmo, anos, eu acho.

- 27?

- Acho que sim, por aí, 2027, 10 anos, coisa assim.

- Que cê tem feito?

- A gente teria que se encontrar com mais tempo, trabalhei bastante. Tá morando aqui? E você, que tem feito?

- Não, vim a trabalho, mas vou morar aqui. Tou na Telescritórios, alugamos escritórios virtuais e organizamos e os cenários, as pastas, tudo mesmo, as TeleCon (teleconferências com telecenários bastante elaborados), bastante trabalho, aliás, teletrabalho.

- Isso engatou mesmo, né?

- É, mas tem gerado problemas, porque as pessoas sentem falta daquelas mesmas picuinhas de que reclamavam antes. Agora se reúnem em telepraças para implicar uns com os outros. E você?

- Tou querendo mais que tudo é fazer a cabeça.

- Urgente assim? E já perto dos 40?

- Urgente, urgente, não tá dando, cara, não consigo vencer os problemas, os problemas é que tão me vencendo, a pressão é muita. Minha estrutura não agüenta, sabe disso?

- Um tempo atrás eu tava assim, precisei também. Foi logo depois de te ver antes de agora, eu tava numa depressão danada.

- É.

- Com quem você fez?

- Com a Cybermint.

- Caramba! Uma baba de cara. Primeiro mundo. Mas você pode.

- É, certas facilidades são boas, mamãe que pagou.

- Ela que pagou? Não reclamou?

- Não. E você, vai fazer aonde?

- Na Tecnopop. É de terceira, mas não é fundo de quintal, não vou ficar pinel, eles dão garantia de teste até 100 milhões de casas decimais de PI. Não é como a sua, mas é boa também.

- Com toda certeza, tenho referências excelentes dela, muitos dos meus amigos já fizeram lá e tudo correu maravilhosamente, mamãe que é esnobe. Eu queria fazer lá, encontrar a turma toda, partilhar experiências, eles oferecem um bônus de seis petabarras de supermemória como atrativo, você deve ter pegado.

- Peguei. Beleza, é bom saber que você recomenda.

- Você instalará sentidos extras?

- Sim, quatro. Passa os seus endereços, vamos nos atualizar mutuamente. Não vou poder ficar muito mais tempo, teleconversamos. Quando você ampliou a sua mente (ficou muito bacana o desenho, vamos e venhamos) houve rejeição? Eu tenho receio disso.

- Que nada, cara, eles fazem super-testes de compatibilização antes de você sair do hospital-oficina de Infocibernética. A reconformação da sua cabeça nem vai ficar pesada, ligas ultraleves de espuma de xaflon. Se você pagar um pouco mais eles podem instalar uma segunda coluna, descendo pelas suas costas, você vai voar por tudo que os cosmofísicos e os astrofísicos conhecem do universo. Vai sobrar memorinteligência para suas tarefas.

- Meu camarada, fico com receio, nunca fiz a cabeça, dá medo.

- Que isso? Vai com confiança. Tô aqui pra te apoiar, me liga.
Serra, segunda-feira, 06 de fevereiro de 2012.

Fatos Imaginários

 

- Bom dia, senhor diretor.

- Bom dia, senhor Mango. Aliás, que tipo de nome é esse? Quando te conheci de pequeno nunca perguntei seu nome. Como vai seu pai?

- Bem, ele sempre se lembra do senhor, manda lembranças. Foi de quando eles estiveram nos EUA, é manga em inglês.

- Obrigado, diga que agradeço, dê um abraço nele, sempre me lembro dele e de sua mãe, ambos bons alunos, aplicados, cumpridores dos deveres, obedientes, sérios, VIU SENHOR MANGO?

- Não precisa dar indireta, senhor diretor.

- Não é indireta. O senhor deve ter ouvido falar da minha discussão com o senhor Romualdo.

- Ouvi, sim, o senhor melhorou?

- Melhorei, após uma semana de cama, porisso vou tentar levar na flauta com o senhor. Vieram me contar em surdinha, por eles o terem na conta de protegido meu, em virtude das boas relações com seus pais e para não me estafar, contaram bem maciamente que o senhor publicou à revelia do Instituto um livro em que subverte a história do Egito, dizendo-o descendente da Núbia e composto inteiramente de negros. Sei que o senhor é negro, filho daqueles excelentes pais que eu amo, mas o Egito é um amálgama, senhor Mango, uma mistura.

Enquanto o diretor circula por trás da cadeira do Mango, faz o gesto de estrangulá-lo.

- Eu vi pelo reflexo, senhor diretor.

- Pois é, vou tentar me acalmar, eu preciso tanto disso. O senhor vai se lembrar de que toda a dinastia ptolomaica era grega, branca. Nefertiti de Akenaton era branca, Nefertari de Ramsés era branca, milhões de egípcios eram brancos, senhor mango, senão seriam todos negros e são mestiços. Como seriam mestiços, se não houvesse brancos por lá? E o senhor dizer que Jesus era negro, vamos e venhamos, poderia até ser, qual é o problema? O fato é que ele era judeu e os judeus são brancos de cabelos pretos. Têm o nariz aquilino: o senhor já viu algum negro de nariz aquilino?

- Não, esqueci esse detalhe.

- As revistas estão pegando no nosso pé. Recebi vários telefonemas das universidades americanas nos gozando. Até o instituto egípcio emitiu uma carta de protesto, veja, senhor Mango, DO EGITO. O senhor não pode sair por aí inventando essas coisas.

- E a palestra de outro dia sobre os Fatos Imaginários?

- É uma gozação, senhor Mango, todos os calouros passam por isso, é um lembrete aos percalços aos de dentro e sobre os abusos dos de fora, inclusive os jornalistas, os literatos, os ficcionistas e todos mais. São exercícios internos, não estão destinados a sair da instituição. São debates sobre as armadilhas.

- Mas eu pensei...

- O senhor pensou, senhor Mango, mas pensou mal. O senhor nos constrangeu. O seu pai praticamente entregou em minhas mãos a sua educação, o que vou dizer a ele, amigos há 45 anos?

(MANGO NÃO SABIA ONDE ENFIAR A CABEÇA).

- Historiadores não inventam, por vezes interpretam errado, mas pesquisam demoradamente os documentos, entram nas bibliotecas e depois de décadas emergem com algo novo. O senhor, LOGO NO PRIMEIRO ANO já subverteu a história toda. Os historiadores estudam as pesquisas dos arqueólogos, dos antropólogos, dos paleontólogos e até dos geólogos, sem falar em ler as obras todas dos geo-historiadores, passamos décadas, senhor Mango, DÉCADAS, PELO AMOR DE JESUS CRISTO...

Foi dando um calor horrível no diretor e ele desmaiou de novo.

Serra, quinta-feira, 26 de janeiro de 2012.

Faquinha, O Faquir


 

Arnaldo foi fazer uma operação bariátrica no Brasil pelo SUS e como acontece em certas ocasiões, deram-lhe injeção errada e houve contaminação genética, o estômago dele se transformou em estômago de avestruz, podia comer qualquer coisa, o que era excelente em termos de frequentar os bares do país. Vai que vai, ele não perdeu a oportunidade, tratou logo de capitalizar em cima disso e virar guru com um nome qualquer hindu, Brahmapananda Upanishad, foi para Índia e voltou de lá transformado, pronto para explorar seus conterrâneos (ele poderia ter tomado aulas com os políticos, demoraria menos, passaria menos fome).

- Quem é aquela figura?

- É o Brahma, mas o pessoal às vezes o chama de Antártica, para fazer raiva, ele vira uma fera. Outros chamam de Shin, outros de Devasso e assim por diante.

- Que sujeito estranho.

- É. Ele é faquir.

- Que é aquela sacola de pregos?

- Ah, ele leva trabalho para casa, é muito devotado. Depois de ficar nas praças deitado e sentado em cima de uma cama de pregos, guarda o objeto no seu Manoel e leva uma sacola para casa.

- Tinha até vontade de conhecer a figura.

- Ih, cara, não entra nessa, para começar o tapete de boas vindas dele é feito de pregos cortantes, afiados, você já começa mal. Depois, tem o lance da bebida, ele vai te servir uísque “on the rocks”.

- Eu gosto!

- É, mas as pedras são cubos de vidro para você mastigar.

- Cruzes.

- Depois, ele é exigente em termos de alimentação, só come as comidas que gosta.

- Posso gostar, você é amigo dele?

- Sou, mas você não vai gostar, não: gilete ao molho pardo, navalhas gratinadas, sopa de pregos, aipim frito com tachinhas, essas coisas. Quando vou lá levo minha própria comida, ele é bom papo quando conta as aventuras dele. Achou que ia enganar os bobos daqui, você ri pra caramba, não sabia que já tem tantos governantes enganando os brasileiros bobos.

- E o que é aquele monte de faquinhas na cintura dele? Canivetes?

- Faquinhas, aperitivos, tira-gostos. Ficou viciado. É porisso que o chamam de Faquinha, o Faquir. Ele fica bravo pra caramba. Não pode passar sem elas, carrega para todo lado. Não chame de canivetes.

- Por quê?

- Ele induziu o irmão a fazer a mesma operação. Tá, dois faquires na mesma casa. Vai que esse irmão, o Rodolfo, Krishnavedanta, achou de comer canivetes, um fechou parcialmente, enganchou dos dois lados da garganta pra baixo, entalou, não conseguiram fazer descer nem tirar, morreu sufocado, ele tem horror de ouvir falar. O último de falou em canivete perto dele morreu de parada cardíaca.

Serra, quinta-feira, 08 de março de 2012.

Com o Grande Motor a Marcha da Geo-História se Adiantou em Vários Milhares de Anos

 

No livro de David Bercuson e Holger Herwig, Um Natal em Washington (O encontro secreto de Roosevelt e Churchill que mudou o mundo), Rio de Janeiro, Ediouro, 2007 (sobre original de 2005), eles colocam na página 62 duas frases muito erradas que distorcem a realidade. Não apenas eles, quase todos, com muito custo fui pensar a verdade.

“Roma tinha caído e com sua derrocada a marcha do progresso se atrasara mil anos (...)”.
A Idade Média, 977 anos de 476 a 1453, não foi uma era de trevas, foi o hospital em que Cristo internou a Europa (e o Ocidente) doente para curá-lo – de maneira nenhuma foi perda de tempo, não fosse o tratamento agudo e teria demorado dois, três, quatro, cinco mil anos, os impérios (romano, chinês, outros) estravam profundamente enfermiços, não fosse Cristo-Deus a humanidade talvez não tivesse saído do fosso medonho em que estava metida.
“Mas o Império – governado, organizado, administrado benignamente, com o uso da força apenas suficiente para atravessar as isoladas crises que vez ou outra lhe cruzassem a trajetória – era o grande motor do progresso”, negrito e itálico meus.
Jesus foi o grande mestre, o grande motor que arrancou a humanidade do atoleiro que a teria congelado em morticínio (siga a geo-história desde quando o Ocidente se afastou de Cristo e Roma voltou com os iluministas, 150 a 200 milhões de mortos com os pseudo-socialistas). O fato é que Jesus abriu o funil para de cima fornecer ideias aos de baixo, dando a estes muitos bens, fazendo médios, pobres e até miseráveis trabalharem MUITO MAIS pelos de cima; de modo que, como disse, Jesus multiplicou o coletivo por 19.

Como disse Jorge Ben na música Hermes Trismegisto, “é verdade sem mentira, certo e muito verdadeiro” que os livros de GH estão REPLETOS de lugares comuns tomados como sabedoria, de banalidades aceitas como iluminações, de repetições ruinosas dos maliciosos e outros entraves tidos como grandes anúncios.

A verdade é bem outra.

Com base nessas afirmações inverídicas eles atacam a Igreja e Cristo e, claro, se arruínam fortemente quando se distanciam: enfraquecem.

Vitória, quinta-feira, 01 de setembro de 2016.

GAVA.

Eutérmino

 

O doutor Carlos era por um lado ferrenho defensor da eugenia porque, dizia, o contínuo melhoramento da espécie levaria ao fim da necessidade dos remédios ou, pelo menos, sua redução drástica a uma fração dos que são ofertados hoje, a 1 % ou a 0,1 % ou até menos (imediatamente as indústrias farmacêuticas lhe tiraram as férias pagas no Caribe, as verbas de pesquisa, todas as facilidades em restaurantes, começaram a fofocar no meio médico-bioquímico, foi um horror, todos passaram a vê-lo como inimigo). Já não haveria necessidade de muletas e aparelhos ortopédicos (as indústrias do setor juntaram-se às farmacêuticas), nem de Cooper e corridas (as empresas de calçados e de tênis ficaram horrorizadas), nem de regimes (aí foram os colegas endocrinologistas e nutricionistas que entraram na parada, bem como as indústrias do light e do diet) PORQUE o corpo só aproveitaria dos alimentos aquilo que fosse estritamente necessário, descartando o resto todo.

O doutor Carlos estava longe de ser racista, muito pelo contrário, era a favor de pegar os melhores valores de cada raça, todas as vantagens, descartando ferozmente as desvantagens, no processo fundindo esses melhores numa super-raça central morena capaz de enfrentar o futuro plenamente.

Enfim, doutor Carlos passou a ser detestado no meio médico-farmacêutico-industrial, quer dizer, já não podia circular sem que cuspissem nele e coisa e tal, durante um tempo foi preciso até contratar guarda-costas e usar colete à prova de balas e facadas. Decerto houve aquela fez que a enfermeira escorregou e cortou o braço dele com o bisturi, pedindo depois mil desculpas, é compreensível. Ou daquela vez em que acidentalmente doutor Jonildo esbarrou nele e ele caiu na escada por acaso recém-lavada, descendo seis lances a toda velocidade: duas costelas quebradas, nariz entortado, isso é o de menos. E teve aquela outra em que ele tomou uma dose pequena de veneno do pessoal da homeopatia, remédio por acaso super-dosado. Ou então, quando teve gripe e lhe injetaram umas bolhas de ar, descuido do aplicador, quase provocando embolia, não fosse ele ser médico...

O acaso faz coisa.

Lei de Murphy.

Bem, rico como era, o doutor Carlos era também a favor da eutanásia, a ideia de proporcionar alívio aos que estão morrendo em processo terminal – ajuda humanitária, claro, afinal era a vida dos outros. E só se a família concordasse. Isso aliviaria o seguro-saúde, que tinha de pagar diárias caríssimas apenas para manter os pacientes e prolongar suas vidas, sem falar daqueles em coma, que diária de hospital não é mole. Se o doutor Carlos perdia por um lado, ganhava por outro, os SS ficaram super-a-favor, doutor Carlos era o máximo. Os hospitais não gostaram muito de o doutor Carlos estar tirando dinheiro deles e ele sofreu mais alguns acidentes, coisa pouca. Teve a vez que a rótula dele foi esmagada por um carro que o atropelou no pátio do hospital (por sorte ele puxou a perna, pegou de raspão no joelho), teve aquela vez em que o ladrão o espancou com uma barra de ferro sem felizmente levar nada, teve a ocasião em que o armário pesadíssimo caiu sobre ele no quarto do plantão e mais umas vezes, 10 ou 15, quem vai contar?

Tanto trabalhou a questão que acabou vitorioso, passaram uma lei autorizando os médicos, uma junta de pelo menos três, a injetar um coagulante que matava em apenas cinco segundos. Mas eles não diziam “matar”, que seria rude, falavam em “socorro administrado”.

Por último doutor Carlos, que só dirigia a 60 km/h (o pessoal até reclamava: ô, meia-roda, não sabe dirigir carro compra um carrinho de mão) foi jogado do precipício pelo caminhão que vinha a 130 em sentido contrário, que azar.

Entrou em coma, ficou um mês, não melhorava, conversaram com a família, receberam autorização de doação de órgãos, foram socorrê-lo no mesmo hospital onde ele trabalhava. Com muita dificuldade conseguiram 25 médicos dispostos a assinar o laudo de morte cerebral.

Foram os três médicos e três enfermeiras.

MÉDICO UM – todos concordam?

TODOS (eufóricos) – SIM.

MÉDICO UM – gente, pelo menos disfarça; e se houver câmera?

TODOS – tem não, tem não.

DOUTOR MARCOS – gente, ei gente.

MÉDICO UM – alguém quer falar alguma coisa?

Todos balançam a cabeça negativamente.

DOUTOR CARLOS (desesperado) – gente, me ouça, tô vivo.

DOUTOR DOIS – os documentos tão em ordem, confere aí, Magda.

MAGDA – super em ordem, já conferir 11 vezes.

DOUTOR CARLOS – gente, não faz isso comigo, não finge que não está me ouvindo, sou eu, doutor Carlos. Vou mexer os dedos para vocês verem que tô vivo (pensa que mexe, mas na realidade não mexe nada).

DOUTOR TRÊS – Jonildo, você vê algum sinal de vida?

DOUTOR JONILDO – nada, nadica mesmo. E você, Emerson?

DOUTOR ÉMERSON – necas de pitibiribas.

DOUTOR CARLOS (pensando estar falando) – socorro, socorro.

DOUTOR TRÊS – pode aplicar, Jussara.

Serra, sexta-feira, 03 de fevereiro de 2012.