quinta-feira, 1 de setembro de 2016


Fatos Imaginários

 

- Bom dia, senhor diretor.

- Bom dia, senhor Mango. Aliás, que tipo de nome é esse? Quando te conheci de pequeno nunca perguntei seu nome. Como vai seu pai?

- Bem, ele sempre se lembra do senhor, manda lembranças. Foi de quando eles estiveram nos EUA, é manga em inglês.

- Obrigado, diga que agradeço, dê um abraço nele, sempre me lembro dele e de sua mãe, ambos bons alunos, aplicados, cumpridores dos deveres, obedientes, sérios, VIU SENHOR MANGO?

- Não precisa dar indireta, senhor diretor.

- Não é indireta. O senhor deve ter ouvido falar da minha discussão com o senhor Romualdo.

- Ouvi, sim, o senhor melhorou?

- Melhorei, após uma semana de cama, porisso vou tentar levar na flauta com o senhor. Vieram me contar em surdinha, por eles o terem na conta de protegido meu, em virtude das boas relações com seus pais e para não me estafar, contaram bem maciamente que o senhor publicou à revelia do Instituto um livro em que subverte a história do Egito, dizendo-o descendente da Núbia e composto inteiramente de negros. Sei que o senhor é negro, filho daqueles excelentes pais que eu amo, mas o Egito é um amálgama, senhor Mango, uma mistura.

Enquanto o diretor circula por trás da cadeira do Mango, faz o gesto de estrangulá-lo.

- Eu vi pelo reflexo, senhor diretor.

- Pois é, vou tentar me acalmar, eu preciso tanto disso. O senhor vai se lembrar de que toda a dinastia ptolomaica era grega, branca. Nefertiti de Akenaton era branca, Nefertari de Ramsés era branca, milhões de egípcios eram brancos, senhor mango, senão seriam todos negros e são mestiços. Como seriam mestiços, se não houvesse brancos por lá? E o senhor dizer que Jesus era negro, vamos e venhamos, poderia até ser, qual é o problema? O fato é que ele era judeu e os judeus são brancos de cabelos pretos. Têm o nariz aquilino: o senhor já viu algum negro de nariz aquilino?

- Não, esqueci esse detalhe.

- As revistas estão pegando no nosso pé. Recebi vários telefonemas das universidades americanas nos gozando. Até o instituto egípcio emitiu uma carta de protesto, veja, senhor Mango, DO EGITO. O senhor não pode sair por aí inventando essas coisas.

- E a palestra de outro dia sobre os Fatos Imaginários?

- É uma gozação, senhor Mango, todos os calouros passam por isso, é um lembrete aos percalços aos de dentro e sobre os abusos dos de fora, inclusive os jornalistas, os literatos, os ficcionistas e todos mais. São exercícios internos, não estão destinados a sair da instituição. São debates sobre as armadilhas.

- Mas eu pensei...

- O senhor pensou, senhor Mango, mas pensou mal. O senhor nos constrangeu. O seu pai praticamente entregou em minhas mãos a sua educação, o que vou dizer a ele, amigos há 45 anos?

(MANGO NÃO SABIA ONDE ENFIAR A CABEÇA).

- Historiadores não inventam, por vezes interpretam errado, mas pesquisam demoradamente os documentos, entram nas bibliotecas e depois de décadas emergem com algo novo. O senhor, LOGO NO PRIMEIRO ANO já subverteu a história toda. Os historiadores estudam as pesquisas dos arqueólogos, dos antropólogos, dos paleontólogos e até dos geólogos, sem falar em ler as obras todas dos geo-historiadores, passamos décadas, senhor Mango, DÉCADAS, PELO AMOR DE JESUS CRISTO...

Foi dando um calor horrível no diretor e ele desmaiou de novo.

Serra, quinta-feira, 26 de janeiro de 2012.

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