sábado, 27 de outubro de 2018


Atores Coadjuvantes

 

O diretor de cena chamou todos os atores para a seção fotográfica destinada a promover o sítio na Internet. Sítio já seria abuso, era mais uma chácara. Os terrenos queriam se fazer passar por chácaras, estas por sítios, estes por fazendas que se arvoravam em territórios.

Qualquer coisa com dois hectares já bufava.

E com a valorização imobiliária estratosférica no ES qualquer sítio já contratava profissionais de propaganda, que por sua vez apelavam aos atores coadjuvantes, por exemplo, seu Crispino, engenheiro que fazia as vezes de lavrador humilde, caseiro destemido sem medo da enxada; dona Sara, exímia em computação, que fazia bico como esposa dele; e os “filhos e filhas” todos preparadíssimos pousando como alegres companheiros da roça.

Sakia (em homenagem a Çakiamuni, Sidarta Gautama, Buda, que o pai e a mãe admiravam) era o diretor e chamou todos à responsabilidade.

- Cadê a cachoeira?

- Tá aqui, seu Sakia.

- Onde?

- Aqui.

- O quê, esse filete de água é cachoeira?

- As outras tavam todas ocupadas, um filme na região.

Sakia foi muito paciente ao falar, mas fervia por dentro.

- Meu filho, o sítio não vale nem 300, o dono vai pedir 1.500 por ele, você acha que é à toa?

Nisso o peixe do laguinho, que estava preso por uma daquelas presilhas que os seguram para pesar e soltar reclamou entredentes.

- Ei, e eu aqui, vai demorar? Alguém tá contando, porque eu tô, já é a oitava vez, vou querer hora extra. Já tô secando, joga água aqui, ajudante.

As bananeiras e o pé de mexerica verdadeira meteram o bedelho. A jabuticabeira estava furiosa.

- Ó, nós tamos paradas faz muito tempo, tá dando câimbra.

A grama fez muxoxo.

- Tão me pisando faz 16 horas, ninguém vai trazer café?

O ajudante quis ajudar.

- Chefe, porque o senhor não coloca “produto natural” na propaganda?

- Você é uma besta mesmo, você já viu sítio artificial?

- Este aqui mesmo, antes dos coadjuvantes não era nada parecido com sítio. Bota “sem agroxóticos” e coloca “sem glúten”.

- É agrotóxicos, seu animal. E que tem a ver glúten?

- Eu já vi em água num supermercado lá em Jacaraípe.

- H2O?

- É, sim, senhor.

- Você tá completamente zureta. Quem trouxe esse cara?

A vaquinha e a cabrita começaram a vaiar. A vaca deu uma patada num boboca: “vá pegar nos peitos da mãe, sou profissional. Ei, diretor, toma conta desse aqui”.

DIRETOR – meu Deus, nada vale isso.

A “subidinha calçada” rebolou.

- Ó, eu não vou ficar nessa posição comportadinha de jeito nenhum se essa coisa não começar logo.

Aí foi a vez das flores.

- O sol tá muito forte, cadê a sombrinha?

Depois disso começou uma gritaria tão alta que peguei minha câmara e vim embora. Tá doido!

Serra, quinta-feira, 26 de abril de 2012.

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