domingo, 28 de outubro de 2018


Doutor Kong

 

Ele era doutor porque tinha doutorado, trabalhava na KUFES.

Era negro imenso, mais de 2,30 m e casou-se com loura pequenina de 1,59 m e olhos azuis.

Muito carinhoso, ele a pegava debaixo do braço e subia a torre que construíra junto à casa, bem alta, destinada ao observatório amador que tinha. Sabe o cometa KK2001B? Foi ele quem descobriu. Deram também o nome dele a vários asteróides.

Ficavam ele e a esposa lá em cima olhando as estrelas, sentados em cadeiras de balanço, embevecidos um com a outra.

Eram muito queridos na comunidade, ele muito atencioso e dedicado às pessoas, gostava demais da mãe, ia visitá-la, convidara-a a morar com eles, mas a velhinha resistiu. Era um daqueles vindo da pobreza, sempre muito atencioso. Por causa do filme chamavam-no King Kong, o rei Kong, pois o pai era chinês, a mãe é que era negra.

Era professor de astronomia na KUFES, cuidava do observatório astronômico, publicava em várias revistas internacionais, tinha acesso ao Hubble (dentro da reserva protocolar, que era ínfima em tempo), trabalhara em Palomar e no Chile, em Flagstaff e em outros observatórios.

Pois bem, uns garotos por perto tinham uns aviões de controle remoto que ficavam fazendo rodear a torre, fazendo barulho e incomodando o doutor Kong em suas observações. Ele pediu com jeito, com a educação que lhe era característica. Os garotos continuaram, aquela barulheira horrível em momentos que exigiam muita atenção para olhar o céu, fotografar, observar as chapas visando distinguir mudanças mínimas. Algoritmos e computadores, família para cuidar, comprar no supermercado e nas lojas e pagar, namoro com a esposa, aulas na universidade, escrever os textos, corrigir, uma trabalheira danada, muito ocupado o tempo dele.

E os garotos infernizando.

Dia após dia, infernizando o pobre doutor.

O doutor foi ficando nervoso, a esposa miudinha tentando acalmá-lo; ela foi delicadamente falar com os pais e as mães, não deram bola.

Deram queixa na polícia, parou.

Voltou o inferno, o doutor foi ficando bravo, xingou, as crianças davam rasante, os aviões tiravam fino, o doutor fazia gestos com os braços, um dia subiu no parapeito e deu um tapa num que passou muito perto e se espatifou.

Caiu o doutor.

Foi uma tragédia, a comunidade chorou, os pais e as mães quebraram os aviões tarde demais, foi uma perda extraordinária. É nisso que dá a permissividade.

Serra, sexta-feira, 04 de maio de 2012.

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