Tudo
como Dantes
Dante é um cara muito
legal, um amigo antigo, com aquele jeitão tranqüilo, não sei como é em casa. Assim
me parece. Tem uma bonomia, uma maneira boa.
Um dia saí de manhã e
reparei que todos na rua tinham a cara do Dante, inclusive as mulheres e
crianças, os bebês, os velhos; fossem brancos, pretos, japoneses, um índio que
eu conheci pelas roupas e os adereços, todo mundo era Dante, tudo estava como
Dantes. Tomei um susto, credo! Parei na padaria, a moça do caixa tinha o rosto
do Dante, inclusive as rugas em menina tão novinha. Não era nada deformado, não
era como se tivessem colocado nela máscara disforme – tanto nos bebês quanto
nos idosos a mesma face, perfeitamente ajustada, menor nos jovens, maior e mais
larga nos idosos, sempre o Dante reconhecível.
Nosso amigo Dante.
Nessa padaria há um
espelho, olhei e eu também tinha o rosto do Dantinho, sem tirar nem por, olhei
com detalhe. Por dentro era eu, eu me reconhecia com minhas ideias, minhas
referência culturais, minhas necessidades, minhas ligações. Podia ver meu corpo
baixote, barrigudinho, meus braços com operação de pontes de safena
(braquio-radiais; aprendi essa palavra nova), meus cabelos brancos, barba
branca no rosto do Dante.
Um Dante é ótimo, até
dois ou três, mas (provavelmente) bilhões? Todos do mundo? Como distinguir as
pessoas, como saber quem era quem?
E como saber que
ideias tinha o Dante-A defronte de você? E beijar uma Dante, como seria? Cruz
credo. O mundo mergulhou na incredulidade e na paralisia. O fato é que as
pessoas queriam a igualdade, porém não tão completa assim. Só aí foram ver que
as diferenças importavam.
Fiquei pensando que
chato seria se todos fossem eu.
E se todos tivessem
meu rosto?
E se todos tivessem
meu corpo?
E se todos tivessem
minhas ideias, se fossem iguaiszinhos a mim?
Luto para impor
minhas ideias a todos e cada um, como cada um e todos, mas isso seria ruim, um
absurdo, o melhor é haver essa variedade inumerável no mundo.
No outro dia acordei
com receio de sair, mas ao levantar – ao contrário do que faço sempre – olhei
no espelho e fiquei aliviadíssimo ao ver que era eu, não era Dante.
Compreendi que tanto
a igualdade quanto a diferença são necessárias. Ou então era apenas um sonho.
Entendi que a igualdade que pleiteamos é a política, a do respeito e da
consideração.
Serra, quarta-feira,
18 de abril de 2012.
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