segunda-feira, 29 de outubro de 2018


Farmágica

 

Para Jack Vance, com reverência, pelo conto Os Milagreiros, no livro Encantamentos (Os Mundos Mágicos da Fantasia), São Paulo, Melhoramentos, 1990, original de 1985, coletânea de Isaac Asimov.

O aprendiz de feiticeiro foi enviado à Farmágica para comprar produtos e voltou quase sem nada.

O patrão ficou furioso e foi lá tomar satisfações.

PATRÃO – olhe aqui, o Riu...

EMPREGADO DA FAMÁRCIA – por quê ele tem esse nome? O rosto dele é bem deformado, a boca vai de uma orelha à outra.

PATRÃO – ele riu na hora errada. Não desvie o assunto.

EMPREGADO – o que o senhor deseja?

PATRÃO – desejo os produtos mais simples e nunca tem. Tem azária?

EMPREGADO (paciente) – eu já disse pro garoto, a azária que tem é diluída, o senhor quer concentrada, superconcentrada, essa não tem.

PATRÃO –como vou fazer meus feitiços com azária diluída?

EMPREGADO – não sei do que o senhor está falando.

PATRÃO – um simples feitiço de urticária encruada com sucessivos tropeços e quebras de padrões de qualidade?

EMPREGADO – aí vamos ficar devendo. Encomendamos mas não chegou. Chega daqui a duas semanas.

PATRÃO – também pedi um vidro de cagüira em pó...

EMPREGADO – tem, mas de outra marca, o senhor não quer.

PATRÃO – essa marca não funciona, já a denunciei no conselho, não dá pra fazer urucubaca com ela. Pedi uma taboa de ouija e não me mandaram.

EMPREGADO – temos seis marcas aqui, mas nenhuma servia.

PATRÃO – é lógico, elas só alcançam o quarto nível dos espíritos comunicantes, preciso do sétimo.

Enquanto o patrão está olhando para o outro lado, o empregado resmunga a outro que está abaixado (“ele só pede coisa difícil”).

PATRÃO – falou algo (o empregado faz que não com a cabeça)? E o livro de cabala?

EMPREGADO – seria mais certo o senhor comprar em livraria, né?

PATRÃO – é que um dia vi exposto aqui.

EMPREGADO – certo, mas era só propaganda.

PATRÃO – milagreiro em barra, tem?

EMPREGADO – tem, o menino levou.

PATRÃO – nem reparei, de tanta raiva. Posso falar com o farmágico encantador? Vocês têm um, ou não tem?

EMPREGADO – temos, é o patrão. (Chamando) – Patrão.

FARMÁGICO – oi, bom dia.

PATRÃO – bom dia. Olhe só, várias coisas que pedi não tem. Faz três semanas que encomendei mana e não chegou.

FARMÁGICO (para o empregado) – pode ir, eu converso com ele. Infelizmente as fontes de mana reduziram a produção, o governo está cuidando disso.

PATRÃO – não sabia. É grave?

FARMÁGICO – não, parece que já estão dando jeito, pra semana chega um pouco, você terá prioridade.

PATRÃO – parece que te conheço. Você por acaso não estudou na SULFES?

FARMÁGICO – turma de 83.

PATRÃO – eu sabia, eu sou da turma de 79, quando estava saindo você estava entrando, foi meu calouro. Romildo.

FARMÁGICO – Romildo, que prazer! Lúcio.

ROMILDO – Lúcio, o ordinário.

LÚCIO – tempos bons. Caramba Romildo, vou te dar atenção em dobro. Manda lá.

ROMILDO – é que estou precisando de uma quantidade de caiporite para um programa de calamidade pública encomendada por um deputado (depois ele se apresenta como salvador).

LÚCIO – caiporite está supercontrolada, mas como é para você vou dar um jeito.

ROMILDO – obrigado. Poxa, Lúcio, foi bom te ver. Se você quiser participar de umas seções vá lá em casa.

LÚCIO – não posso, juramento, essas coisas.

ROMILDO – até.

Serra, sábado, 21 de abril de 2012.

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