Comumbeira
V
Não houve jeito, o
Tribunal não arredou pé na primeira instância; na segunda instância a
Comumbeira (comunidade macumbeira, o condomínio dos macumbeiros) perdeu de novo
e foi condenada a pagar os 70 mil e as custas, mais 20 %, total de 84 mil.
Possesso como estava,
Gilberto conversou (ver, propriamente, não viu, porque havia uma fumaceira
danada no ambiente da reunião, viam-se os exus brigando perto do teto, pedaços
de reboco caíam) com os condôminos, conseguindo anuência irritada sobre prestar
serviços avulsos nas redondezas, cada qual fazendo um bico (e às vezes uma
segunda boca nos desafetos) para juntar o dinheiro, até que o Supremo Xamã
fosse acionado e desse uma decisão definitiva.
A cidade foi dividida
em zonas (literalmente, eram zonas) de influência com tantas quadras cada qual.
De vez em quando aparecia uma perna torta ou um braço fino nas áreas
divisórias, nas ruas limítrofes, se um condômino fazia trabalhos que desagradavam
o “proprietário” vizinho, sem falar em tampas quebradas de bueiros, canos de
abastecimento d’água que estouravam, redes de esgoto que explodiam na ruas
comuns.
Quando complicou
mais, uma vez espalhou uma ziquizira coletiva e as pessoas não paravam de coçar
na quadra T, seguida de proliferação de escrófulas na vizinha quadra S; parece
que houve um mal entendido. Depois disso ambas pararam miraculosamente.
Pegou fogo numa casa
na quadra H, o corpo de bombeiros pensou em botija de gás explodida como causa,
mas a dona da casa alegou usar fogão elétrico, um dos raros daquela cidade.
Seguiu-se a retaliação e uma casa afundou no solo sem nem deixar vestígios. O
síndico, Gilberto, reuniu os dois grupos e chegou a conciliação, mas a casa que
voltou era diferente, bem como os moradores. Onde tinha ido parar a antiga casa
e os seus ocupantes ninguém sabia dizer. Ficou por isso mesmo, caluda.
Quando a coisa foi
ficando mais pesada as pessoas brancas acordavam negras, as negras acordavam
pintadas como zebras, os índios da aldeia próxima principiaram a falar
norueguês, os pescadores descobriram assustados que os peixes tinham adquirido
asas; por infelicidade eram agora piranhas aladas muito vorazes, vários foram
parar no hospital.
Depois disso
degringolou de vez: toda uma quadra foi transformada em zumbi e começou a andar
estranhamente, quase como se fossem atores, querendo como eles cachê. Em
compensação na antagônica todos foram transformados em postes, vendo-se postes
dirigindo, cozinhando, indo para a escola, cuidando da grama e assim por
diante, com luz apagada ou luz acesa.
Até juizado
interferir e cancelar a dívida.
O problema é que os
condôminos foram obrigados a trabalhar três semanas para reparar as
modificações e alguns estão bravos à beça.
Serra, sexta-feira,
20 de abril de 2012.
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