Arborígene
Naquele planeta de clima muito ameno,
sem desertos, só não havia árvores nos rios, lagos e oceanos.
O resto era todinho coberto de
florestas, de modo que nas profundas fissuras radiativas de lá os primatas
arborícolas se tornaram logonídeos (o nome geral a que pertencem os hominídeos,
os que têm forma lógica superior psicológica-p.3). TUDO era coberto de árvores
e todo o ecossistema dependia delas, tudo se apoiava nelas, as redes
biológicas-p.2 estavam firmemente entrelaçadas nelas.
A evolução luta-cooperação deu aptidão
aos descendentes dos primatas arborícolas, os arborígenes.
Fungos, animais e primatas viviam em
simbiose com as árvores, cujas especializações eram infinitas.
Não havia um centímetro quadrado sem
árvores e estas se tornaram ilimitadamente variadas. Não passava um raio de sol
para baixo e cada grande árvore durava milhares de anos, até dezenas de
milhares de anos, ocupando áreas que em nosso próprio mundo seriam as de
cidades. Onde suas copas não alcançavam nasciam outras, que lutavam para
sobreviver até quando as mais velhas morressem e virassem húmus.
Um dia, passeando pelas beiradas de
uma das grandes um racional caiu e ao se apoiar numa das pequenas derrubou-a;
foi uma comoção geral, ele foi banido e morreu, ficou o exemplo. Muito tempo
depois aconteceu algo semelhante, outra árvore pequena foi derrubada. E assim
foi acumulando o contrário dialético, até que um pequeno grupo de sem-árvores,
os dissidentes escorraçados, começou a viver no chão e foi ampliando as
clareiras, para horror dos outros. Formaram-se duas raças racionais, uma a dos
arborígenes e a outra dos senárvores, que se tornaram dominantes e começaram a
“passar o trator”, como se diz entre nós e que como nós foram devastando as
ancestrais raízes da civilização.
Os arborígenes foram afastados,
acossados, expulsos para a Naustrália, o continentilha de lá.
Os senárvores perderam a memória dos
outros.
E continuaram sua sanha destruidora,
os dendroclastas, continuaram a varrer as árvores. Esqueceram-se de onde
vieram, assim como nós, e bastava verem uma árvore para pensarem em destruí-la.
Serra, quarta-feira, 13 de junho de
2012.
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