quarta-feira, 31 de outubro de 2018


Arborígene

 

Naquele planeta de clima muito ameno, sem desertos, só não havia árvores nos rios, lagos e oceanos.

O resto era todinho coberto de florestas, de modo que nas profundas fissuras radiativas de lá os primatas arborícolas se tornaram logonídeos (o nome geral a que pertencem os hominídeos, os que têm forma lógica superior psicológica-p.3). TUDO era coberto de árvores e todo o ecossistema dependia delas, tudo se apoiava nelas, as redes biológicas-p.2 estavam firmemente entrelaçadas nelas.

A evolução luta-cooperação deu aptidão aos descendentes dos primatas arborícolas, os arborígenes.

Fungos, animais e primatas viviam em simbiose com as árvores, cujas especializações eram infinitas.

Não havia um centímetro quadrado sem árvores e estas se tornaram ilimitadamente variadas. Não passava um raio de sol para baixo e cada grande árvore durava milhares de anos, até dezenas de milhares de anos, ocupando áreas que em nosso próprio mundo seriam as de cidades. Onde suas copas não alcançavam nasciam outras, que lutavam para sobreviver até quando as mais velhas morressem e virassem húmus.

Um dia, passeando pelas beiradas de uma das grandes um racional caiu e ao se apoiar numa das pequenas derrubou-a; foi uma comoção geral, ele foi banido e morreu, ficou o exemplo. Muito tempo depois aconteceu algo semelhante, outra árvore pequena foi derrubada. E assim foi acumulando o contrário dialético, até que um pequeno grupo de sem-árvores, os dissidentes escorraçados, começou a viver no chão e foi ampliando as clareiras, para horror dos outros. Formaram-se duas raças racionais, uma a dos arborígenes e a outra dos senárvores, que se tornaram dominantes e começaram a “passar o trator”, como se diz entre nós e que como nós foram devastando as ancestrais raízes da civilização.

Os arborígenes foram afastados, acossados, expulsos para a Naustrália, o continentilha de lá.

Os senárvores perderam a memória dos outros.

E continuaram sua sanha destruidora, os dendroclastas, continuaram a varrer as árvores. Esqueceram-se de onde vieram, assim como nós, e bastava verem uma árvore para pensarem em destruí-la.

Serra, quarta-feira, 13 de junho de 2012.

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