quarta-feira, 31 de outubro de 2018


Sonoplastia

 

Originalmente era a técnica que cuidava do som musical nos shows. Depois, a evolução da psicologia e do conhecimento genético e pós-genético do funcionamento do cérebro levou, via aperfeiçoamentos sucessivos, à tentativa - desastrada de início – bem sucedida de manipular os sonhos.

Os governos interferiram para repelir os abusos.

Então alguém ofereceu “sonhos plásticos”, sonhos imaginativos e muito nítidos, sonhos modelados, sonhos construídos.

Foi um sucesso, a começar dos muito ricos, pois é sempre assim: com sua ânsia de novidades e exclusividade, de destaque, eles financiam as pesquisas iniciais que vão produzindo artefatos cada vez mais baratos e preços cada vez mais reduzidos, como aconteceu com os computadores e tantos outros itens. Os preços das consultas e modelações, de início estratosféricos, ficaram ao alcance dos médio-altos, dos médios, dos pobres e ao fim de 60 anos tinham se colocado ao alcance dos miseráveis.

O problema é que para sonhar era preciso “cair do sono”, dormir; e para sonhar muito era necessário dormir muito, pois os sonhos ocupam uma fraçãozinha das oito horas de sono. Felizmente a Natureza proporcionara uma defesa extraordinária, o limite do sono em 1/3 do dia, pois de outra forma as pessoas dormiriam semanas e até meses, faltando ao trabalho e até não sendo alimentadas, definhando até a morte.

Depois, notou-se um fenômeno estranho.

Sempre julgamos que os sonhos não passam de induções a partir das experiências do dia interior ou projeções enquanto subprogramas de qualquer espécie. Antigamente as pessoas acreditavam que os sonhos revelavam o futuro, davam-lhes direções e sentidos de vida, assim como os horóscopos, a visão de Hórus sobre o futuro.

Parece que não estavam errados.

Pelo menos não totalmente.

Quando os sonhos começaram a ser mudados ao bel-prazer dos ofertantes e dos demandantes, a realidade começou a ser alterada também e coisas muito estranhas emergiam no jogo do real, o jogo da Terra.

Como os sonhos eram os mais psicodélicos possíveis, a realidade adotou o tom super-psicodélico e os monstros mais esquisitos começaram a andar entre nós. Foi preciso a interferência das forças armadas. Depois disso, mexer nos sonhos alheios ficou terminantemente proibido.

Serra, segunda-feira, 07 de maio de 2012.

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