terça-feira, 30 de outubro de 2018


Pintando o Set

 

Quando vou preparar uma novelha (novela velha, parece nova, mas não é) pintamos o set da cidade cinematográfica de vários modos:

1.             Primeiro o autor cria pessoambientes (PESSOAS: indivíduos, famílias, grupos, empresas; AMBIENTES: cidades-municípios, estados, nações, mundo), um roteiro convincente, que convença as pessoas que assistem, que pareça verdadeiro para os que desejam ser enganados;

2.             Depois, são construídos os cenários e as figuras (até fungos se necessário, plantas, animais, primatas, humanos) que vão “contra” -cenar, com as falas e até trejeitos humanos detalhadamente descritos;

3.            Os espaços da novelha devem ser vendidos como merchandising (mercadejamento), exposições pagas;

4.            As novelhas podem ser vendidas a outros países;

5.            O tempo entre uma seqüência e outra é vendido, são as propagandas; custa uma fortuna 30 segundos;

6.            Muitas outras dimensões, que não quero discutir, basta que sua atenção tenha sido chamada para a exposição a seguir.

SUPONHA QUE SEJA ISTO (preenchido quadro a quadro pelos maiores especialistas; depois transforme tudo num ponto, na ponta de um alfinete que está sendo introduzido em seu cérebro)

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Então, tudo isso é empurrado para sua mente.

Mesmo contando que você esteja ardentemente esperando ser enganado, quer dizer, que você não queira a libertação e a iluminação, ainda assim é poderosíssima construção. Veja só com que tremendos autores-psicólogos contamos. Sou apenas o diretor-psicólogo e, mesmo sabendo costurar tudo isso em credibilidade, minha parte no todo é relativamente pequena.

Somos um bando de enganadores.

Somos do circo-círculo, somos psicólogos.

Escrevemos para todos esses milhões a novelha das 14 horas, a das 17, a das 18, a das 19, a das 20h30min e até a das 21h30min. Os telespectadores espalhados por todo o Brasil, em todos os estados, e até nos países vizinhos.

Aquelas coisas se parecem com sua vida?

Muito remotamente.

Ela ataca problemas verdadeiros e angustiantes?

Dificilmente.

Contamos banalidades e você acredita.

Acredita porque crer acreditar.

Se você mora no “asfalto” se preocupa com quem mora na favela? Não acredito. Na realidade as pessoas estão pouco ligando. Quando aparece um “revolucionário” apelando para o “amor fraternal” alguém sente remorso e se junta à causa, principalmente se está passando necessidade, mas logo que enche as burras esquece-se do “irmão”.

Hah, 40 anos de observação.

Mantive este diário durante os 40 anos em que estou na TV, desde quando era ator até passar a diretor. Ano após ano venho colocando minhas observações e meus lamentos neste verdadeiro muro de lamentações que é este diário, primeiro em papel, agora na memória do computador com várias cópias. Nunca vou mostrar a ninguém, prezo demais esses milhões que juntei desde quando era “revolucionário”.

Meus tapetes felpudos, meu uísque 32 anos, meu iate de 60 pés, meu sítio cinematográfico em Petrópolis, minhas viagens, minhas amantes, os filhos bem criados, a mulher satisfeita, conta enorme de poupança, todas as facilidades.

Com minha mente investigativa vasculhei tudo, entendi os motivos verdadeiros, a motivação oculta, como defendemos o estabelecimento, o poder das elites burguesas com nosso divertimento MUITO BEM PLANEJADO, minuciosamente.

Nós pintamos mesmo, pintamos e bordamos.

Pintamos VOCÊ. Bordamos VOCÊ, seu pateta.

Enganamos, tripudiamos, enrolamos, dê o nome que quiser.

Quando nós pintamos o set é a sua cabeça que pintamos, usando nossas tintas psicológicas. Tornamos todos os telespectadores partidários dos nossos ganhos, assim como os jogadores e futebol e os artistas de cinema. Somos todos devotados defensores de uma causa, a nossa causa.

Serra, quarta-feira, 25 de abril de 2012.

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