terça-feira, 25 de abril de 2017


Pois Zé

 

                            Da música Pois é, Pra Quê? - de Sidney Miller.

                            As frases sublinhadas devem ser mostradas em telão muito insistentemente, por exemplo, “o automóvel corre” apontando milhares de automóveis em minhocões, em túneis, em engarrafamentos, correndo, correndo, indo de lugar nenhum para lugar nenhum. “O suor escorre” deve distinguindo um trabalhador suando, mas o exagero ficando por conta de essa transpiração começar a empoçar e a alagar, criando uma enchente, para representar o trabalho penoso de todos os trabalhadores do mundo. “A mulher toda nua” deve indicar revistas de banca, mulheres de Internet, desfiles de moda com apelo sexual excessivo. “O relógio aponta o momento exato” (qualquer um) e obsessivamente milhares e milhares de pessoas olhando exatamente aquele minuto escolhido. “A gravata enforca” torcendo os pescoços como se fossem em forcas, as pessoas despencando em cadafalsos que vão dar em mesas de escritório. “O sapato aperta” pessoas sufocadas que não conseguem respirar e vão andando para o matadouro. “O país exporta” com pessoas entrando em containeres de navios e sendo postas na coberta. “E na minha porta ninguém quer ver uma sombra morta”: em vésperas de Natal, em lugar de estarem penduradas nas portas os objetos tradicionais seriam colocadas figuras de esfarrapados, de gente de Serra Pelada, ou catando comida em lixões.

                            Então vem a acusação através de um Censor, o governempresa, que aponta, que dedura, que indicia e grita, que alardeia, dirigindo-se acusadoramente à platéia, apontado com um dedão de papel para ela: “Que rapaz é esse, que estranho canto, seu rosto é santo...” e em “a menina aflita” empurra uma prostituta para cima dele, impingindo-a, grudando-a nele. “A fome, a doença, o esporte...” fazem parte do “pão e circo” romano. “O jornal comenta, um rapaz tão moço...” mostra notícias dos argentinos desaparecidos, de revolucionários brasileiros caçados e mortos. “O cientista inventa...” uma realidade artificial, todos os avanços que não resolvem a angústia básica, fundamental.

                            No final, “pra andar ligeiro... pois Céu, pra quê? ” - levanta os braços por céu.

                            Vitória, sábado, 03 de janeiro de 2004.

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