Despejo na Favela
Chique
No começo formalmente o Oficial de
Justiça pára num carro com as armas do TJ, desce e se dirige ao porteiro do
prédio, falando com ele, como se estivesse pouco à vontade.
“Entregou pra seu
Narciso/ Um aviso, uma ordem de despejo/ Assinada ‘Seu Doutor”, deve ser um
ofício enorme, do tamanho de pessoa, um metro e oitenta, plastificado para
durar, com timbre parecido com o do Tribunal de Justiça, escrito SEU DOUTOR
para indicar o juiz. O Senhor Narciso será empresário de fraque e cartola,
invertidas as posições.
Já “Dentro de dez
dias quero a favela vazia/ E os barracos todos no chão” deve ser gritado por um
policial enorme e truculento que cutuca o peito do empresário, diante de um
prédio elegante e de todo um bairro grã-fino, como a Praia do Canto ou Ipanema
ou a Barra, no Rio.
“É uma ordem
superior... Vou sair daqui/ Pra não ouvir o ronco do trator”, o empresário
baixa a cabeça e vai obedecer, criando-se contraste com a posição natural - que
seria procurar advogado - para colocar os ricos no lugar dos pobres.
Vira-se para a
platéia e reclama, apontando para si e depois para ela, como se ela estivesse
sendo despejada: “Pra mim não tem problema/ Em qualquer canto eu me arrumo/ De
qualquer jeito eu me ajeito. Depois, o que eu tenho é tão pouco (vai mostrando
muitas e muitas coisas, móveis elegantes) / Minha mudança é tão pequena/ Que
cabe no bolso de trás”. Reforça: “Mas essa gente aí/ como é que faz? Ô, ô, ô,
meu senhor/ Essa gente aí/ Como é que faz? ”
Vitória,
quarta-feira, 14 de janeiro de 2004.
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