sábado, 29 de abril de 2017


Despejo na Favela Chique

 

No começo formalmente o Oficial de Justiça pára num carro com as armas do TJ, desce e se dirige ao porteiro do prédio, falando com ele, como se estivesse pouco à vontade.

                            “Entregou pra seu Narciso/ Um aviso, uma ordem de despejo/ Assinada ‘Seu Doutor”, deve ser um ofício enorme, do tamanho de pessoa, um metro e oitenta, plastificado para durar, com timbre parecido com o do Tribunal de Justiça, escrito SEU DOUTOR para indicar o juiz. O Senhor Narciso será empresário de fraque e cartola, invertidas as posições.

                            Já “Dentro de dez dias quero a favela vazia/ E os barracos todos no chão” deve ser gritado por um policial enorme e truculento que cutuca o peito do empresário, diante de um prédio elegante e de todo um bairro grã-fino, como a Praia do Canto ou Ipanema ou a Barra, no Rio.

                            “É uma ordem superior... Vou sair daqui/ Pra não ouvir o ronco do trator”, o empresário baixa a cabeça e vai obedecer, criando-se contraste com a posição natural - que seria procurar advogado - para colocar os ricos no lugar dos pobres.

                            Vira-se para a platéia e reclama, apontando para si e depois para ela, como se ela estivesse sendo despejada: “Pra mim não tem problema/ Em qualquer canto eu me arrumo/ De qualquer jeito eu me ajeito. Depois, o que eu tenho é tão pouco (vai mostrando muitas e muitas coisas, móveis elegantes) / Minha mudança é tão pequena/ Que cabe no bolso de trás”. Reforça: “Mas essa gente aí/ como é que faz? Ô, ô, ô, meu senhor/ Essa gente aí/ Como é que faz? ”

                            Vitória, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004.

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