quarta-feira, 26 de abril de 2017


Em Volta da Fogueira do Bar

 

                            Escrevendo neste Livro 59 o artigo Carros dos Homens me dei conta de que os bares cumprem na contemporaneidade o papel da FOGUEIRA DE CAÇA ou DE GUERRA que era acesa no final da tarde, começo da noite, e em volta da qual os homens contavam as verdades e as mentiras, muita invencionice e charlatanismo tolerado, neste caso porque as “mentiras de pescador” tinham o papel do humorismo atual, junto com várias outras pantomimas e burlas.

                            Então, como seria o bar ideal, aquele que a evolução hominídea de dez milhões de anos plantou como representação molecular dentro dos homens? Deve ter uma fogueira real ou simbólica no centro (que seria a mesa em volta da qual se sentam todos). Deve ter carne sangrando ou qualquer coisa de comer, mesmo que seja imitação de proteína, porque somos fortemente carnívoros (feliz ou infelizmente). Deve ter uma fonte de água por perto (ninguém seria doido de acampar no deserto, exceto em caso de forçamento e assim mesmo buscava-se um oásis), representada pelo abastecimento de cerveja ou bebida quente. Deve ter um alucinogênio qualquer, porque os homens iam enfrentar a noite (durante a qual poderia acontecer a morte tão temida) com seus sonhos estranhos, seus pesadelos amedrontadores (pense só que eram muito mais terríveis antigamente, quando não tínhamos proteção e as pessoas não sabiam distinguí-los muito bem da realidade). Devem ser contadas muitas mentiras e bravatas, porque os homens estarão vencendo o medo do amanhã na guerra que se sucederá e que pode custar as vidas de cada um e de todos até; estão se pavoneando, literalmente eriçando os pêlos mentais para parecerem maiores do que são (o que nos diz que as mulheres não devem interferir nas mentiras dos homens – é depressivo demais ser diminuído diante dos companheiros de caça e de guerra, ou seja, apequenado diante da morte; as mulheres não sentirão tanta necessidade dessas mentiras aparatosas – as delas são mentiras pequenas, coletivas, de proteção, não de ofensa). Fogueiras e áreas de caça eram coisas fedidas, sujas, feias, de modo que mesmo os bares elegantes de hoje devem simbolizar aquele anteontem. E homens não limpam o lugar de caça depois de o sujarem.

                            Em resumo, homens não estão indo a bares, estão caçando, estão violentando TODA TARDE o mundo; eis a razão profunda porque os homens não conseguimos (não vou mais porque não posso beber, mas sinto falta tremenda) ficar longe do bar-fogueira.

                            Vitória, terça-feira, 06 de janeiro de 2004.

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