sábado, 3 de setembro de 2016


Terra Média


 

Nesse lugar existia a Terra Média.

Do lado esquerdo da Terra Média ficava, veja, o Lado Esquerdo da Terra Média e do lado direito, também por extrema coincidência, o Lado Direito da Terra Média.

Era por assim dizer um corpo, mas não naquele sentido estrito da matemática, era um corpo extremamente comum em que os lados brigavam e quem pagava o pato era o centro. A Terra Média, como mulher e mãe, sofria com a disputa de seus dois filhos.

O Lado Esquerdo da TM (vamos abreviar) tinha uma raiva horrível do Lado Direito da TM (doravante apenas Lado Esquerdo e Lado Direito, para quem via de dentro). É claro que quem visse de fora via tudo ao contrário, a Direita era Esquerda e a Esquerda era Direita e conforme se movessem no círculo dialético uma ia assumindo o papel da outra. Como Alice, aquela menininha encrenqueira que entrou bem quando entrou no espelho e passou a ver tudo ao contrário, foi parar no país das maravalhas, mistura de maravilhas com navalhas, o Brasil das Maravilhas, aqui também havia muito engano, ninguém conseguia entender como no poder a Esquerda advogava contra suas antigas causas.

A Esquerda queria matar a direita e a Direita queria trucidar a Esquerda, elas não viam que em qualquer situação de vitória o centro ficaria com um lado a menos. Quem sofria era o centro, a Terra Média, que reclamava - essas crianças sem juízo.

Terra Média era mãe, e como outra qualquer, sofria.

Sofria em silêncio, embora pudesse controlar os dois lados se quisesse. Ela acreditava em Livre Arbítrio, a loja do lugar que pregava a Liberdade bem pregada, inclusive para os idiotas que levassem lá. Era assim mesmo que tinha de ser, até os idiotas tinham de ser respeitados na pregação, como Jesus dissera (Está na Bíblia. Onde? Você não vai querer que eu pare agora para procurar, não é? Faça-me o favor!) A Liberdade era um ícone, como a Madonna, cometia um monte de licenciosidades e depois virava santa e judia.

A Terra Média sofria.

Ela era tolerante.

Tolerava quase tudo, inclusive os extremos da Liberdade, essa Licenciosidade de que já falei e a Impunidade, sua irmã gêmea que nasceu apenas um pouco antes. Aonde os extremos da Liberdade chegavam faziam uma arruaça danada que se pensava autorizada, assim como se festa significasse ofensas aceitas.

A Terra Média sofria.

Quando ela impediria que os extremos digladiassem os interesses maiores do Centro? Ninguém sabia.

Serra, sexta-feira, 02 de março de 2012.

Benefícios das Leis

 

Quando compramos qualquer produto, esperamos que ele nos proporcione benefícios, digamos o mais emblemático deles (não é o forno de micro-ondas), o liquidificador, ou ventilador ou computador ou o que for, sempre esperamos utilidades.

E quanto às leis, a quem beneficiam? Ao povo, às elites, aos amiguinhos daqueles que as fizeram? Desde a constituição de 1988 fizeram no país, nos estados (27) e nos municípios (5,57 mil) a caminho de 5,0 milhões delas, passando os tributos de 58 autorizados a perto de 100. São leis, decretos, portarias, todo tipo de porcaria.

Não consigo acompanhar tanta coisa e nem acredito que PESSOAS (indivíduos, famílias, grupos, empresas) e AMBIENTES (cidades-municípios, estados, nações, mundo) seriam capazes de disciplina tão elevada, por tanto tempo, de miudamente fazer tal apanhado, lendo lei por lei atentamente, imaginando e pesquisando que benefícios proporcionam e a quem: geral ou particular?

A quem enriqueceram, a quem favoreceram, quem foi protegido?

Seria estudo psicológico extraordinário, muito mais alto que o de C. Wright Mills (americano, 1916-1962, 46 anos entre datas) em As Elites do Poder, compre o livro e leia, é fundamental; se atualizado seria mais assustador ainda.

WEBER COMEÇOU, MAS NÃO ALCANÇOU TANTO ASSIM

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Ele fez levantamento cuidadoso, apontou o caminho, mas não renovaram, não passaram na trilha.

Quem são os capitalistas-burgueses, que empresas e governos dominam, como exercem seu poder total (forças armadas, policiais, governantes do Executivo, juízes do Judiciário, políticos do Legislativo) através das leis e da enganação proporcionada por elas? Como as pessoas e os ambientes se apropriaram das leis, para que foram criadas, como permitiram controlar os povos do mundo?

Poderia ser uma série de livros.

Os sociólogos, os economistas, os psicólogos estão dormindo, não cavam em busca do ouro da compreensão.

Vitória, sábado, 03 de setembro de 2016.

GAVA.

Superfeliz

 

O Grupo supermercadista Viva Feliz tinha colocado mais um supermercado da felicidade, o Superfeliz.

Como as pessoas nunca se sentiam realmente felizes, por mais que tivessem, por mais que vivessem em bons bairros, por mais saudáveis que estivessem, por melhores que fossem os filhos e os dias, por mais isso e aquilo que lhes houvesse sido proporcionado por Deus ou pelas circunstâncias - a verdade é que poucos se sentiam felizes. Fossem ricos ou fossem pobres, todos iam ao Superfeliz em busca da felicidade.

Logo pela manhã o gerente reunia os funcionários e começava o dia com uma Preleção do Melhor Dia ou do Dia Mais Feliz, aconselhando-os a tratar a clientela da melhor forma possível, afinal de contas ela vinha trocar seu dinheiro, seu suor, seu cansaço por produtos como o MaqueFeliz e o Bobo’s. Todos os empregados viviam rindo, era quase como na televisão.

O Superfeliz oferecia uma ampla gama de inutilidades, de supérfluos, por exemplo, as felicidades-de-plástico que tornavam as vidas de tantos tão satisfatórias, pois as pessoas substituíam o interior pelo exterior, enchiam o interior de nada e tendo nada para se preocupar, com nada se preocupavam, a ideia delas era “levar a vida na flauta”, produto muito vendido que dava grandes retornos aos governos.

O Superfeliz vendia bloqueadores de pensamentos chamados Mídia que iam do fator bloqueador um ao fator 32: as mulheres usavam mais, mas também tinha muito homem usando para evitar a incidência dos raios do Sol iluminador: iluminação, jamais. O bloqueador mais brando era o livro, fator 1, quase inoperante, não impedia a iluminação, às vezes até a favorecia, porque você acabava ficando exposto mais tempo; o mais alto era a televisão, fator 32, não deixava passar quase nada. Internet era fator 2 e assim por diante.

O povo saía superfeliz quando achava que tinha encontrado a felicidade e semana após semana voltava para comprar felicidade, como se fosse uma passagem de ônibus para o Estado de Felicidade onde, por sinal, as pessoas eram muito frugais. O povo pagava caro pela felicidade, mourejava de sol a sol, enfrentava as maiores dificuldades para conseguir o que queria, pois as filas eram grandes, já que os do povo achavam que a felicidade era feita de bens materiais que podiam ser comprados.

Serra, terça-feira, 07 de fevereiro de 2012.

www.sonho.com

                                                       

- Tem Sonho da Casa Própria?

- Tem, mas você paga o resto da vida.

- Não tem importância, vou querer um, patroa quer a todo custo, os vizinhos entraram nisso.

O cliente sai todo satisfeito por ter sido enganado.

Chega um idealista.

- Tem Sonho de País Bom e Justo?

- Estamos em falta, no Brasil não tem muita saída, o governo não permite importar porque poderia deixar a população embevecida e ela não trabalharia mais em troca de nada. Importação quase proibida, muito vigiada.

O cliente saiu todo decepcionado.

Chega um funcionário público, vê-se que é novo, está entrando no serviço por esses dias.

- Tem Sonho de Chefe Respeitoso e Imparcial?

- Hum, meu filho, isso é TÃO RARO que custa muito, acho que você não vai ter dinheiro.

- Quanto?

Fala um número.

- Vixe! Não tenho como pagar.

- Só as maiores empresas do mundo têm.

O cliente sai chutando as pedras.

Chega mocinha de uns 17 anos, rindo à toa.

- Tem Sonho de Amor de Verão?

- Tem de muitos tipos, mas você tem de entender que é só sonho, não é a realidade, não é promessa, é você que leva e você que paga, não tem devolução de dinheiro. Validade de 90 dias depois que abrir.

- Eu sei. Quero seis.

- Nossa, para suas amigas?

- Não, tudo pra mim.

- Vai pagar com dinheiro ou cartão? Não quer aproveitar Sonho de Amor de Carnaval?

- Cartão, débito. Não, já comprei, vou pra Bahia.

Cliente sai toda feliz.

- Tem Sonho de Congresso Correto?

- Chama a segurança, tem um subversivo aqui, quer subverter a ordem das coisas. Onde o senhor aprendeu essa ideologia estrangeira? Telefona pras forças armadas. Tem um terrorista provocador no recinto. O que o senhor ganha provocando assim nossos congressistas? Teje preso, cerra as portas, liga pro delegado. Aqui é o Brasil, meu filho, você vai ver se aguenta as borrachadas.

Serra, domingo, 26 de fevereiro de 2012.

Contagem dos Mortos Depois de 2019

 

Venho escrevendo desde faz algum tempo sobre as possíveis consequências da crise na China em 2019, depressão tão grande que vai fazer a de 1929 parecer um buraquinho, um furo raso. Em 1929 os EUA tinham 122 milhões de habitantes, agora a China tem 1.400 milhões (em 2013 1.357 milhões; 11 vezes tanto quanto; sem falar na população invisível, os “sem nome”, que dizem chegar a centenas de milhões), dos quais 400 milhões chegaram à classe média. Os EUA e o Ocidente eram países cristãos em 1929, com gente acostumada a amparar os demais, na China é totalmente diferente, no máximo há o budismo, que é compassivo – se houver mesmo a crise lá, será altamente destrutiva.

A CONTAGEM QUE FIZ (evidentemente não há certeza, nem de longe, mas se houver conflito e as forças armadas não tiverem meios de deter, o corte irá muito fundo antes que consigam estabilizar)

PAÍS OU REGIÃO
POPULAÇÃO EM MILHÕES
ESTIMATIVA DE MORTOS, BILHÕES.
China.
1.357 (2013)
1,0
Índia.
1.252 (2013)
1,0
Muçulmanos (em virtude do distanciamento das elites e incitação dos locais em relação à pseudo-culpa dos estrangeiros), 23 % de 6.800 milhões na data.
1.564
1,0
Restante da Ásia (contaminará o Japão e inclusive Austrália e Nova Zelândia).
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1,0
África, 54 países, uns dizem 950 e outros 1.050 milhões: quase todos, exceto os que conseguirem ser aceitos na Europa.
1.050
1,0
Veja A Queda dos EUA e os Preocupantes Atômicos: depende do enfrentamento interno, não é possível estimar.
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Europa (28 nações antes da saída do Reino Unido) e Rússia/CEI (11 repúblicas): não é possível avaliar, a Rússia é a mais feroz de todas – estão fazendo guerra desde milhares de anos antes de Cristo.
740 + 270 = 1.010
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América não-EUA, muito violenta a do Sul, inviável estimar.
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Em resumo, desastre total, estimei em 5,0 bilhões os mortos, quem pode saber ao certo? É chute, mas estou levando em conta que os países não-cristãos (cada qual se comportará de um jeito todo seu) não levam muito em conta a vida, como também está acontecendo no Ocidente descristianizado. Creio que os pesquisadores deveriam avaliar mais fielmente.

Vitória, sábado, 03 de setembro de 2016.

GAVA.

Segregação Sexual nos Ônibus


 

Alguém reparou que as mulheres eram muito comportadas em ônibus, ao passo que os homens, não. Então, só a título de experiência, fizeram lotações só de umas e de outros.

No ônibus das mulheres (tudo devidamente registrado por câmaras para formalizar o experimento) elas se sentavam empinadinhas, uma ao lado da outra, lendo ou conversando com a maior educação, a maior civilidade. Quando havia mulheres em pé elas também ficavam comportadas, nunca roçando uma na outra, fora alguma botina devidamente repudiada. Se precisavam passar pediam licença, se necessitavam abrir uma janela (o que raramente acontecia, pois sentiam frio) pediam licença. Enfim, era afável mesmo, coisa fina. Quando ouviam música punham os fones de ouvido.

Em compensação, no ônibus dos homens uns ocupavam mais que sua metade da cadeira, ficando meia bunda do outro da esquerda ou da direita pendente ao lado do corredor. As janelas estavam todas abertas, claro. Quem ficava na cadeira do corredor estendia a perna e o joelho adiante, incomodando os demais. Quem estava de pé ficava roçando no ombro de quem estava sentado na cadeira do corredor e este ia mais para dentro, esbarrando no da janela. Uns palitavam os dentes, outros ouviam música funk, rap ou gospel a toda altura. Embora já estivesse ventando muito, um abriu o quebra-vento de teto. No fundo do ônibus as cadeiras 1, 3 e 5 estava ocupadas, com separação regulamentar entre elas, e ninguém queria sentar na 2 e na 4: foi um custo, pois os outros abriam as pernas. Uns arrotavam, outros peidavam, outros cuspiam contra o vento.

E travou-se este diálogo.

- Cara, você tá gostando de roçar no meu ombro?

- Não tô roçando no seu ombro.

- Tá sim, que eu tô vendo e, pior, estou sentindo, cê tá gozando?

- Também tô vendo.

- Tem um veadinho me empurrando.

- Fala com ele, porra.

- Ei, cabra, pára de me empurrar que o distinto aqui na minha frente tá incomodado.

- É que não há espaço, o sacana aqui da frente tá com as pernas abertas.

- Quem é sacana?

- Você, porra.

- Se eu tô com as pernas abertas é que o sujeitinho aqui do meu lado tomou uma cadeira e meia, essa baleia, tomara que ela entre em extinção.

O motorista dá uma “freada de arrumação”, todo mundo é projetado para frente pela inércia.

- Motor, seu corno, por acaso alguém aqui é boi?

MOTORISTA (grunhindo baixinho) – só pode.

- O que você disse?

- Ih, vamos parar com essa avacalhação que eu tô querendo chegar ao serviço sem dor de cabeça, ficam essas mulas tocando música alta.

- Avacalhação o cacete.

- É sim, sua merdinha, tem lei contra isso, tá sabendo? Me deixe chegar até você que você vai ver (vai empurrando os outros, que trancam).

- Não empurra, não seu cocô.

- Vem, tio, vem, nós vamos te cobrir de porrada.

- Vocês e quantos mais, sua merdinha?

- Ó, se vocês aí da frente não pararem com essa frescura ou vou aí, tá bom?

Era um cara enorme, todos pararam um pouco.

Um cuspiu pra fora, o cuspe voltou no cara de trás.

- Puta merda, você cospe dentro de casa, seu bosta?

- Cuspo, sim, e daí?

- Não sei como sua mulher te aguenta.

- Melhor do que você, seu coisa ruim.

- Quer chamar pra briga, chama logo, seu safado.

Nisso um peidou.

- Cê tá podre, meu nego, pode cuidar da alma que o corpo já era.

Um arrotou pesado, cuspiu uma ostra que felizmente grudou na janela pelo lado de fora, por sorte não entrou, ficou ali, enorme e ostensiva, desafiando os passageiros.

Um deu um cascudo no da frente, pensando que era um amigo, o outro virou e deu-lhe uma só, direto no nariz, e daí para frente a briga desandou, as câmaras foram quebradas e não se pode ver mais nada. Foram todos parar na delegacia, seis ainda estão presos, dois foram para o hospital, um está na UTI e outro foi medicado e foi para casa.

A experiência não deu certo, os psicólogos concluíram que de certa forma a presença das mulheres acalma os homens, de modos que a segregação falhou.

Serra, segunda-feira, 12 de março de 2012.

Secretária Eletrônica

 

Jovanildo chegou ao escritório, a secretária eletrônica deu os recados.

- Tem 32 recados.

E foi falando um por um, ele dizia o que fazer: joga no lixo, guarda na caixa dela, depois respondo, etc.

Terminou.

- Maria, você poderia ligar o computador?

- Perfeitamente, Jova.

- Hora dessas o pessoal vai estranhar.

- Estranhar por quê?

- Essa intimidade.

- Você quer que eu diga “senhor” e “o senhor”, “senhor Jovanildo”?

- Não, só tou dizendo procê prestar atenção.

- O computador tá ligado.

- Pega aquela pasta do Recurso Extraordinário ao Superior Tribunal. Você fez as correlações estatísticas que pedi?

- Fiz, perto de 1, certeza quase total, erro de 2,8 % nas medidas e o réu nem esteve perto do bailão.

- Não acredito! Eles deixaram passar essa?

- Deixaram. Causa ganha, chance zero de o juiz recusar; e pela minha avaliação vai passar uma descompostura no investigador.

- Ah, isso é muito bom, aquele safado recebeu grana.

Ela não falou nada.

- Maria, que cê acha de à noite à gente ir ao bar?

- Eu?

- É, você mesma.

- Você acha prudente? O que o pessoal vai pensar?

- Meus amigos tão fora, e preciso de companhia.

- E sua esposa, não vai reclamar?

- Pare com isso, conto tudo a ela.

- Conta?

- Claro.

- Tem outro problema, se a gente for beber cerveja vou ter de ir ao banheiro de hora em hora.

- E daí? Vá.

- É que aquele bar não tem banheiro privativo para as mulheres, entendeu?

- Você tem receio de que elas se assustem vendo que você é robô?

- No mínimo, né, e a gritaria?

- Tranca a porta por dentro.

Serra, quinta-feira, 02 de fevereiro de 2012.