Lamurbana
Esse cara tem uma propriedade rural lá
pelos lados de Rio Quartel, em Linhares, e construiu tudo com lama: no campo de
futebol você enterra até acima dos tornozelos. Nas pistas de corridas você
derrapa à bessa. Há piscina de lama, depois passada por filtros para purificar;
você pode pular do trampolim na lama “bem molinha”, como dizem os baianos, e a
sensação é indescritível, pois amortece muito mais a sua queda. As pessoas se
jogam lama tal como, nos países frios onde neva, outras se jogam bolas de neve.
De início as pessoas chegam lá durinhas,
todas emproadas, distintas nos seus papéis urbanos, cientes de sua importância
desnecessária. Colocam-se nos seus papéis de adultos destacados e sofrem neles
e ficam nas cadeiras silenciosas e ausentes, adultas.
Esse nosso amigo começou levando
convidados. Ele é muito simples, espontâneo, risonho, brincalhão, foi o
primeiro a cair na farra; quando fomos da primeira vez não entramos logo no
espírito da coisa, precisamos beber bastante, e alguns só entraram na festa
muito depois. As mulheres - quase todas muito limpinhas - não gostam muito
disso, têm medo de entrar algo pela pele, mas depois aderiram em massa quando
viram que era tudo preparado com cuidado.
Daquela vez foi um filósofo e começou
a falar de brincadeira das imundícies espirituais que vamos acumulando nas
cidades, a lama-urbana (daí o nome). O que era inicialmente gozação foi aprofundando
cada vez mais, calou fundo nas almas, e quando as pessoas voltaram para a
Grande Vitória, cada qual para seu lar, foram pensando.
BANHOS
DE LAMA
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As pessoas introjetaram a lição.
Estas falaram com outras, que queriam
ir, mas o lugar não comportava tantos assim e de todo modo tudo tem custo (água
tratada, lama especial bem fininha, locais a construir, energia, trabalhadores)
que os amigos não pagam; contudo, a insistência foi tanta que ele usou outra
propriedade próxima na Suruaca para criar a Lamurbana Ltda., na qual
investimos.
A coisa espalhou e agora estamos na
fase de planejamento do franqueamento, com arquitetos e tudo, gerentes
treinados, etc.
Dentro de nós há lembranças de quando
éramos crianças e livres, sossegados das coisas, despreocupados de todas esses
milhares de coisas que nos sufocam hoje em dia. Não há ninguém a culpar, fomos
nós, com nossas ambições desenfreadas, que nos colocamos nas arapucas. No nosso
caso em especial, vamos quando ele nos convida para tirar as peles que nos
sufocam, nos comprimem em comportamentos estereotipados. Voltamos de lá
remoçados para enfrentar mais algumas semanas de aborrecimentos. As crianças,
claro, adoram.
Quando o projeto da Serra estiver
pronto, iremos, mesmo pagando, porque fora da oferta dele tudo é pago, tal como
deve ser.
Serra, sexta-feira, 22 de junho de
2012.
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